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7 min readOct 27, 2015

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Vamos direto ao ponto: Ninja Gaiden foi o Primeiro Jogo Que Pode Ser Usado Para Impressionar Um Interesse Amoroso. Era o equivalente em videogame a tirar racha, dançar, abrir o rabo em um leque enorme e colorido ou gritar muito alto, dependendo da sua espécie.

Assim, o Mario era muito lento. Não é que não era difícil, afinal, já havia sido lançado o Lost Levels — mas conseguir transpor desafios não era o suficiente para causar a impressão necessária: você sabia que era difícil por estar jogando e tendo que digerir o número de botões que aperta enquanto a fase se desenrola, mas para quem estava assistindo era só o Mario pulando mesmo. Não haviam acrobacias, a navegação era primariamente horizontal, etc. Terminar The Lost Levels significava que você era bom em videogames. Terminar Ninja Gaiden significava que você era bom.

Ninja Gaiden era rápido e as coisas que você fazia, apesar de serem mapeadas a controles bem simples, pareciam muito mais complexas devido ao visual geral da coisa: os ataques (e a própria sprite do ninja) eram bastante angulosos, os pulos eram cambalhotas, e não havia muito tempo para frames intermitentes entre o objetivo das animações. Não exigia que levássemos em conta o tempo entre o apertar do botão e a ação na tela. Essa era uma vantagem de jogos da época: quanto mais limitado, menos atrelado à realidade se buscava ser, então movimentos bruscos não pareciam nada anti-naturais — tudo era anti-natural. Hoje em dia nós esperamos que uma animação de soco tenha pelo menos tantos frames quanto um soco de verdade tem, e por isso é tudo muito bonito, mas para jogos que buscam essa mesma sensação de controle imediato, resta limitar os visuais ou colocá-los em um patamar totalmente diferente. A intenção é a mesma, entretanto: impressionar quem vê, seja alguém que vê como espectador ou alguém que vê como jogador.

O negócio é que é difícil manter esse choque só com a aparência, se estiver no âmbito real. Você sabe como é a anedota. Alguém está jogando um jogo da Naughty Dog no Playstation 3 ou 4, a pessoa que não é versada em videogames passa pelo cômodo, olha a TV e diz que parece um filme, assistindo por alguns minutos. Mas e aí? Como se continua o elogio? Depois de dez minutos ninguém vai dizer que “nossa, ainda parece um filme”. Ser bonito (leia-se: realista [“por qual motivo você não escreveu ‘realista’ em primeiro lugar, então?”, oh-ho, fui desmascarado]) não significa ser necessariamente interessante. Criamos dois extremos aí: o errado, de Uncharted 2, e o certo, de Prince of Persia (2008). Prince of Persia te faz dirigir cenas, já que cada botão que se aperta começa uma sequência que está mais ou menos sob nosso controle. O ponto do jogo é nós sabermos quais cenas utilizar para dar uma continuidade ao fluxo criado durante seus pulos — tudo contribui para inércia, até o erro, que segue o ritmo rápido de recuperação que a falta da falha também segue. Essas cenas são, portanto, tão boas quanto nós somos, tanto na navegação quanto nas lutas. Se tivermos a sensibilidade necessária para pegar o motor estético da coisa e transformar em uma grande cena só, do começo ao fim, teremos algo que é interessante do começo ao fim pelo modo que interagimos, mesmo. O jogo, se não tivesse nenhum cenário, ainda seria bonito, já que sua beleza é inerente (“Prince of Persia: O Último Jogo Que Pode Ser Usado Para Impressionar Um Interesse Amoroso”NOT_VIDEO) enquanto a de Uncharted 2 precisa estar em um contexto próprio para ser bela — Nathan Drake só pula e atira, e seu pulo não tem uma animação específica, ela sempre varia pelo tamanho do buraco. Quem cria essas cenas foi quem dirigiu o jogo, não quem o joga, e existe um modo bastante específico para conseguirmos vencê-las. Uncharted é sobre si, Prince of Persia é sobre nós.

Ninja Gaiden também é primariamente sobre nós, embora tenha uma dimensão a menos que Prince of Persia: temos que (e podemos) manter um ritmo entre ataques e pulos que, por estarem em um videogame dos anos 80, não se variavam por si, apenas por si em relação ao cenário. Pular em frente uma parede é diferente de pular em frente uma floresta, e assim por diante. A maior virtude de Ninja Gaiden, porém, era o modo que podíamos quicar na parede, mecânica hoje em dia conhecida como “walljump” e usada em tantos jogos (inclusive o dito Prince of Persia). Isso possibilitou uma verticalidade maior no jogo, e por isso o Ninja tinha uma movimentação que parecia muito mais dinâmica. Tínhamos a impressão de que se podia alcançar qualquer lugar com aqueles dois botões do controle do NES. Parecia ser maior do que era. E já era bem grande — além do pessoal que projetou as fases se certificarem de que, para efeitos práticos, realmente se podia alcançar qualquer lugar, o roteiro era de Masato Kato e foi um dos primeiros jogos a ter cenas e uma história relativamente elaborada — especialmente para um jogo de ação. Além de poder impressionar as pessoas com o que nós fazíamos, também era possível impressionar com o que os produtores fizeram: cenas em videogames eram algo tão escasso que apenas a existência delas já era algo que recebia destaque, não precisavam nem ser boas. Resquícios de uma época que, é claro, hoje em dia foi bastante mal-interpretada, mas a partir do momento que ligávamos o videogame ele estava só nos fazendo o serviço de segurar a atenção por algumas horas. E não parecia coisa de nerd, o Ninja Gaiden. Era jogo de quem era bom, pois a gente precisava ser bom para prosseguir e parecíamos visualmente bons enquanto fazíamos. Toda a ação era consequência nossa e, portanto, se parecesse legal pra caralho, queria dizer que nós éramos legais pra caralho. Ser legal pra caralho é o que merecia atenção, e foi o primeiro jogo que nos fazia parecer legais pra caralho. Ser legal pra caralho está lá em cima na hierarquia de coisas esperadas de alguém que se queira pegar.

Dá para gente jogar algo de luta, também, para parecer legal pra caralho, mas é um risco: e se seu oponente vence? Aí a atenção vai para ele (a não ser que seja Tekken, Tekken nunca é impressionante em contexto nenhum) e você pode perder seu objetivo. E também existem jogos modernos em que o ponto é impressionar — o problema é que aí há chances maiores do seu alvo ficar mais boquiaberto pelo Dante (o de cabelo branco, bom notar) ou a Bayonetta (a de cabelo curto, mas a outra também é discutível) do que por você, já que eles se parecem com algo que podemos chamar de humano, com as características esperadas de um humano. O ninja de Ninja Gaiden, Ryu Hayabusa, não era especialmente atraente — pelo menos não enquanto fazia as coisas dentro do jogo. Talvez nas cenas, mas enquanto ele estava realmente fazendo as coisas legais era só um sprite pequenininho, o destaque era nosso. O Dante e a Bayonetta são atraentes enquanto fazem as coisas legais, o destaque é deles. A nossa agência era mais pungente e, ei, isso facilitava as coisas.

Também é bom destacar que o nome do jogo era NINJA GAIDEN e ninguém sabia o que queria dizer Gaiden, mas todos sabiam o que queria dizer Ninja. Talvez achássemos que Gaiden era o nome do ninja, embora no meu grupo a noção era mais de que Gaiden queria dizer algo como “SUPER” (já que não era o único jogo a usar o termo) como viria a acontecer no Super Nintendo. Hoje sabemos o significado (algo como “história paralela”) e isso tira um pouco da graça (até porque era a história paralela de quem? Do Ninja? Qual era a história principal desse Ninja então? Nunca saberemos), mas o importante é que soava bem, e ninjas em geral eram algo bastante apreciado, especialmente no ocidente, pelo ar macabro deles e sua proficiência física. E essa apreciação era sincera, ao contrário da que ocorreu nos anos 2000 com ninjas e tantas outras coisas que se tornaram populares na internet.

Ninja Gaiden veio antes da auto-consciência exagerada dos videogames, também, o que é curioso já que foi bem depois da do cinema. Atribuo isso a Masato Kato (que eventualmente iria escrever algumas das histórias mais puramente estéticas de sempre, para o desgosto de quem costuma ler somente Alta-Fantasia) e seu apreço pela mídia de um modo um pouco mais veneroso que mordaz, e ao Hideo Yoshizawa, que eventualmente veio a dirigir o primeiro Klonoa, que também ensinou a quem jogou que interesses amorosos podem achar fofinho alguém sensível. Ninja Gaiden não precisa apontar ou rir de si mesmo: ele é sério e se leva a sério, segurando a própria barra com o protótipo do que viriam a ser narrativas de videogame um dia. A gente sabe que a auto-depreciação vem junto com essas coisas, esse “meta” de ser “meta” (há!), e se auto-depreciar não é geralmente legal (só em alguns círculos ou para quem ainda não sabe realmente o que é humildade). A real é que no fim das contas, se for para referenciar as próprias falhas ou limitações e não tiver nada atrelado a isso além da própria referência (como qualquer outra referência) só parece vazio, se busca um caminho maior para mesma conclusão.

A forma definitiva do cinéma verité seria nada mais que uma câmera apontada para um espelho, etc.

O que quero dizer é que o significado de Ninja Gaiden era primariamente egoísta, mas transformado em virtude, visto que esse egoísmo estava numa mídia intrinsecamente compartilhada entre criadores e jogadores. Ele queria ser Algo, mas só poderia ser Algo com a ajuda do jogador, que precisava confrontá-lo, de modo teatral (“vencemos” o jogo, mas para nossa própria diversão). Ele nos aplicava no contexto que criou, sem precisar se desculpar por suas peculiaridades, sem explicar como o Ninja nunca se cansava, o que acontecia com os inimigos (eles explodem???) ou como funcionava a física do seu walljump. Ele só Era, e exigia, de volta, que Fôssemos tanto quanto. E essa sinceridade provavelmente se refletia no modo como podíamos controlá-lo, com simples botões e senso comum para saber que, por exemplo, como pulamos bem alto, dá para usar essa força nas pernas para pularmos uma segunda vez pela parede. É bem natural.

É claro que ele não foi feito para ajudar ninguém a arrumar namorado, mas era feito para nos fazer sentir bem, e bem, esse é o primeiro passo.

-Guilherme Alves

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