O pé direito

Pedro Turambar
Notas da arquibancada

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Texto originalmente publicado no site O Crepúsculo no dia 11/06/2013

24 de junho de 2007, Atlético x Cruzeiro pelo primeiro turno do Campeonato Brasileiro, Mineirão, mais de 40 mil pessoas. Cruzeiro abriu 2 a 0 no primeiro tempo, dois gols de Araújo. Início do segundo tempo, Lima marca o primeiro tento dos atleticanos e Éder Luís marca o empate. Alguns minutos depois, pênalti marcado para o Galo. Marcinho, craque do time, vai para a bola. A torcida era um só organismo vivo, pulávamos e cantávamos em um só ritmo enquanto o lado azul se calava em vergonha pela virada improvável.

Marcinho corre para a bola, bate e erra.

Minutos depois, entra em campo o carrasco do time alvinegro naquele Brasileirão, um jovem jogador que atende pelo nome de Guilherme. Primeiro toque da bola, gol. Um toquinho de pé direito. O Cruzeiro ainda faria mais um gol com Ramires, naquele que foi um dos maiores e mais emocionantes jogos da minha vida.

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10 e 11 de junho de 2013, Atlético x Newell’s Old Boys jogavam pela segunda perna da semifinal da Libertadores da América. Depois de 9 minutos de paralisação — devido à queda na luz de metade dos refletores de um dos lados da arquibancada do mítico estádio Independência -, o técnico Cuca resolve fazer mais uma alteração ousada. Ele tirou duas estrelas do time — Bernard e Tardelli — para fazer entrarem dois ex-cruzeirenses, Alecsandro e o renegado Guilherme.

Aquele mesmo Guilherme. Dos 4 a 2 que citei ali em cima e da virada de 4 a 3 em setembro daquele mesmo ano de 2007. Guilherme, que nunca justificou os seis milhões de euros, que nunca perdeu o estigma de ter sido um carrasco do galo.

Guilherme, que, ao entrar, me fez desistir. Ali, eu achei que estaria tudo perdido de vez. Eu imaginava que já estávamos no fim do jogo (se eu soubesse que estávamos a 4 minutos do apito final, eu teria realmente me desesperado).

Quiseram os Deuses do Futebol, esses projetos de Loki que pregam as peças mais dolorosas e escrevem os roteiros mais emocionantes do mundo, que ele, Guilherme, o Renegado, e seu precioso pé direito fizessem o tão sonhado segundo gol. 2 a 0, iríamos pros pênaltis. E eu, que chorava sozinho, desesperado, nas arquibancadas do Cemitério do Horto, só conseguia pensar que nem nada, nem ninguém iria tirar meu time da sua primeira final de Libertadores.

Esse gol é tão surreal que não ‘deveria’ ter acontecido. A bola estava morta, não tinha ninguém perto do experiente volante Matheo, era para a bola sobrar limpa e tranquila para Guzman. O que fez um jogador rodado, de 35 anos, espanar uma bola morta e colocá-la no pé do improvável Renegado, que acertaria um chute tão feliz como aquele do empate no 4 a 2 de 2007, jogando pelo Cruzeiro?

Chorei mais com o pé direito de Guilherme do que com o pé esquerdo de Victor.

Os três infartos ocorridos no estádio ontem só não foram quatro porque a minha passageira juventude ainda me confere um bom coração. Que será testado mais uma vez com o gigantesco Olímpia do Paraguay. Que nós, atleticanos — torcedores e jogadores –, não caiamos na mesma falácia da imprensa bairrista e ufanista e na mesma besteira do tricolor carioca ao menosprezar o adversário mais difícil que iremos enfrentar neste torneio.

Eu respeito o jogo jogado nas quatro linhas. Mas respeito história, camisa e cancha tanto quanto as místicas que envolvem o futebol.

As duas próximas quartas-feiras prometem.

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