Sapos amarelos pomposos

Conto

Elisa Dias
Notícias de um tempo ausente
3 min readAug 13, 2020

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Arte: Renan Almeida

Saí atrasada para o casamento de minha irmã porque tinha certeza de que começaria atrasado — e começou. É sempre a mesma coisa, a noiva termina de se arrumar bem na hora de sair correndo para tirar fotos entrando no carro, fingindo que está plena e feliz enquanto sua drasticamente debaixo daquele tecido grosso branco e pensa que não pode tropeçar no tapete da igreja.

Eu preferi não me envolver muito, não tinha muita ligação com ela fora a de sangue, mas a sociedade me obrigou porque irmã é irmã e na igreja só se casa uma vez. Eu não era católica, nunca fui, mas decidi vestir uma roupa decente e fingir que estava tudo bem.

O casamento não durou muito, acho que o padre não queria ser o responsável pela soneca vespertina de todos os senhorzinhos e senhorinhas lá acomodados. Tenho certeza de que meu avô dormiu mesmo assim, ele também não gostava muito de pomposidades e é provável que tenha comparecido graças à insistência irritante de minha tia e minha mãe.

Quando minha irmã saía da igreja com seu novíssimo queridíssimo educadíssimo esposo uma coisa saiu de debaixo de seu vestido. Olhei em volta, as pessoas não pareciam ter reparado, mas depois de cumprimentar o casal cheguei perto do altar e lá estava um sapo amarelo e brilhante. Ele era do tamanho do meu punho, tinha manchas mais clarinhas no corpo e por um microinstante achei que sorria para mim, como se tivesse simpatizado com a minha situação. Sorri de volta antes de me virar e sair da igreja, feliz pelo sapo que teve visões mais claras da minha irmã que o atual marido dela tivera até então.

Deixamos a igreja em direção à van que nos transportaria para a tão esperada festa, a 40 minutos dali. Entraram todos cientes de que chegaríamos amassados à recepção e de que algumas maquiagens acabariam meio abstratas depois desse processo. Saímos já sem nenhuma surpresa.

Eu nunca vi um lugar tão paramentado, e já me deu agonia ver a quantidade de flores que haviam sido arrancadas de seus lares só para deixar o ambiente com cara de chique. Imagino as famílias de rosas e peônias lamentando as mortes injustas e fazendo um velório simbólico para seus entes queridos assassinados à seiva fria. Havia um número igualmente ridículo de espelhos refletindo os convidados e os enfeites, fazendo o espaço parecer muito maior do que realmente era. Imagino que não tenha sobrado muito dinheiro para o aluguel depois de gastar tudo com aquele caminhão de flores.

O jantar foi servido exatamente às 21h pois a mãe do noivo tinha hora para tomar remédio. A comida estava tão impecável que paguei a minha língua no primeiro folhado de damasco com carpaccio ao molho de ervas finas. Eu achava que comida chique era enjoada, mas meu paladar desacostumado tomou um choque de realidade quando percebeu que tudo continuava muito bom sem um nível absurdo de gordura industrializada. Não posso falar que não valeu a pena.

Depois disso começou a festa de verdade. Eu estava no meio daquela gente toda que sorria, bebia, dançava, e cada vez mais sentia que aquilo não parecia real. Logo a bebida acabaria, a música pararia e as pessoas estariam bêbadas e com sono, se arrependendo talvez de terem sido felizes.

Tentei me enturmar mas me senti um pouco invisível, às vezes muito, e afastava minha presença até onde era possível, até alguém me achar e eu fingir que estava tudo bem.

Comecei a ficar entediada quando deu meia-noite. A magia se desfez, e lá estava eu desconfortável olhando o relógio e torcendo para que as próximas duas horas estivessem tão entediadas quanto eu. Elas não estavam, mas em determinado momento se cansaram também, de ver a decoração, o bolo adornado, o reflexo de um mar colorido que zanzava com a brisa alcoólica da festa. Apesar disso, não me irritei, fui paciente. Escolhi esperar olhando a névoa do lago e a lua discreta perto do banheiro branco com mais flores e espelhos. O mundo parecia tão pequeno, e acabei descobrindo que estou gostando menos de coisas doces, que não me acostumei com meu corpo bem vestido e que a minha coluna não gosta de elegância.

A melhor parte com certeza foi imaginar sapos amarelos carregando a cauda do vestido da noiva.

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Elisa Dias
Notícias de um tempo ausente

Mineira, jornalista não-tão-praticante, amante da gastronomia de todas as avós e de conversas especialmente ordinárias.