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O que é e como funciona a ciência

De onde veio e para onde vai? Qual é e qual não é o papel da ciência?

Julio Cesar Prava
Published in
10 min readSep 27, 2019

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A curiosidade e as hipóteses

A ciência nasceu da curiosidade do homem. No começo, como filosofia, pessoas tentavam determinar do que o mundo era feito. Tales de Mileto dizia que o mundo é feito de água. Anaxímenes afirmava que é de ar. Heráclito apostava no fogo como essência de tudo. Já Empédocles acreditava que o universo é feito dos 4 elementos (terra, ar, água e fogo). Arístoteles acrescentou mais um elemento, o éter, para definir o cosmo. Os chutes sobre o que compõe todas as coisas não bastaram, nos dias de hoje sabemos que nenhuma dessas hipóteses é verdadeira.

Na filosofia grega antiga, e também na filosofia indiana, disseram haver uma partícula indivisível, o átomo, que combinada formava objetos mais complexos. Tal ideia só pode ser levada adiante a partir do desenvolvimento da química. No séc. XVII, o naturalista Robert Boyle reafirmou tal ideia quando disse que vários elementos químicos formavam outros elementos mais complexos. No século seguinte a química teve grandes avanços e diversos elementos foram descobertos. No início de 1800, o físico e químico John Dalton reviveu a teoria atômica afirmando que as substâncias químicas eram formadas por átomos e desenvolveu um modelo que acabou sendo difundido.

Atualmente nós citamos as ideias da composição de todas coisas propostas na antiguidade e estudamos os átomos na escola. Sabemos que a ‘substância’ que compõe as coisas vai muito além do palpite dos antigos filósofos e que os átomos são divisíveis em componentes ainda menores. A física avançou muito desde o modelo atômico. Não há só prótons, elétrons e nêutrons, a mecânica quântica — que estuda o subatômico — mostra que há também fótons, pósitrons, quarks, íons, léptons, mésons, bárions e até antipartículas. E não só sabemos mais sobre o que a matéria é feita, também sabemos melhor como as coisas se transformam no espaço-tempo.

As investigações que fizemos até agora mostram que somos feitos de partículas extremamente pequenas, chamadas férmions e bósons. Essas partículas, que constituem toda matéria no universo que conhecemos, foram propostas pelo físico britânico Peter Higgs em 1964 e provadas pelo maior colisor de partículas do mundo, o LHC, no ano de 2008. Esta descoberta, somada à outras, consolidou o Modelo Padrão da física. Mas assim como o modelo atômico um dia foi o paradigma, isto não é definitivo. Os cientistas de hoje estão tentando explicar mais coisas e ir além do Modelo Padrão, unindo a mecânica clássica e a mecânica quântica, pois os cálculos que explicam as diferentes escalas — a macro e a micro — ainda não fazem sentido quando combinados.

wikipedia.org/wiki/Standard_Model

A pesquisa e o avanço do conhecimento

Durante muito tempo o avanço do conhecimento ocorreu de modo desordenado. Os filósofos antigos pensaram como o mundo era feito e como ele funcionava, mas não foram capazes de testar a maioria de suas ideias. De pouco em pouco a humanidade desenvolveu sistemas integrados de informação e métodos para entendermos na prática o que os pensadores do passado não puderam. Como consequência, um jovem com educação básica de hoje entende muito mais sobre o funcionamento da natureza que qualquer grande filósofo da antiguidade, isso tudo se deve a pesquisa de muitas pessoas ao longo dos séculos que permitiram a expansão do conhecimento.

Parece simples a ideia de que coletar nossas ideias, colocá-las a prova e somar os resultados traz soluções melhores, mas após os pensadores clássicos demoramos milhares de anos para organizar isso. Quando conseguimos o mundo sofreu uma revolução sem precedentes: aprendemos profundamente sobre a formação e o funcionamento das bactérias, dos vegetais, dos animais, do clima, dos planetas, do universo. Desenvolvemos num ritmo acelerado nossas tecnologias. Claro, para isso foi fundamental nos ater a natureza em si e não nos contentarmos com explicações sobrenaturais que nunca poderíamos testar. Hoje sabemos que não adianta explicar a natureza com pressentimentos, precisamos de testes experimentais. Com a mentalidade da investigação prática surgiu o método científico e a ciência se consolidou.

“A ciência é a atividade intelectual e prática que abrange o estudo sistemático da estrutura e o comportamento do mundo físico e natural através da observação e experimentação.” — Dicionário Oxford)

Simplificando o método científico

1. Foque-se na natureza 2. Faça uma pergunta 3. Formule hipóteses 4. Realize experimentos 5. Colete dados 6. Escreva as conclusões 7. Interprete o feedback 8. Repita o processo 9. Some as pesquisas

A atitude científica e sua comunidade

Quando respostas prontas e mágicas deixaram de satisfazer nossa curiosidade as pesquisas se transformaram. Demorou mas entendemos que não é possível explicar os fenômenos da natureza com as crenças e os dogmas, assim adotamos de vez o método científico. Ele é a forma mais confiável, rigorosa e completa que temos para entender as coisas. Uma forma ordenada, institucionalizada e ampla de testar hipóteses e cruzar resultados, que reduzem a chance de erro ao descrevermos a realidade.

A palavra ciência, no entanto, diz respeito a algo maior. Ela envolve um corpo de conhecimento sobre o mundo natural, um processo, um método de pesquisa e uma atitude. Todos operando no consenso da experimentação e das evidências, não dos dogmas.

A ciência agora é um empreendimento humano global. Neste momento, milhões de especialistas ao redor do mundo estão realizando pesquisas para entendermos como o universo funciona, do micro ao macro. Os físicos, astrônomos, químicos, geólogos, oceanógrafos, geneticistas, botânicos, zoólogos, ecologistas, farmacólogos, parasitólogos, engenheiros, médicos, neurologistas, nutricionistas, agrônomos, economistas, historiadores, entre diversos outros, estão fazendo observações e testes tentando compreender as ‘leis’ do universo e como funcionam as relações humanas.

Estas pessoas formam a comunidade científica. Elas respeitam o método científico e publicam suas hipóteses, testes e conclusões em forma de artigo (paper) e submetem para aprovação em revistas científicas. Nestas revistas os artigos são revisados por especialistas no tema, o que exige qualidade no conteúdo e diminui a chance de erros. O caráter cooperativo da ciência e a máxima de que somente ideias testáveis estão dentro do seu alcance, dão sua credibilidade, por isso hoje ela ostenta o status de maior formadora do conhecimento.

Ao contrário do que se pensa, a ciência não é exclusiva à um grupo. Ela não é coisa de homens brancos em laboratórios financiados pelos donos do capital com interesses escusos. E não existe “ideologia científica” como dizem alguns gurus. A ciência é feita nas universidades, públicas ou privadas, e todos nelas podem fazer ciência desde que tenham o comportamento científico.

A ciência é cumulativa e interativa, por isso, o comportamento científico envolve observar o que outros cientistas já descobriram até então. É preciso colocar as hipóteses à prova sem medo de que estejam erradas, os resultados certos ou errados são bons para o conhecimento. A ciência não é dogmática e as ideias não podem ser protegidas. Falsificar dados e mostrar seletivamente evidências não colabora para construirmos conhecimento, por isso a atitude científica exige honestidade, integridade e abertura para abandonar ideias errôneas, mesmo que elas sejam suas hipóteses favoritas.

“O objetivo que buscamos alcançar é a verdade científica, cuja única prova é que ela suportará uma investigação livre e ilimitada. Essa verdade deve ser não apenas verificada, mas sempre verificável. […] Não pede ajuda da fé; não apela a nenhuma autoridade; não depende do ditado de algum mestre. A evidência, e a única evidência, à qual apela ou que admite, é aquela que está no poder de todo mundo julgar — a que é fornecida diretamente pelos sentidos.” — The Character and Aims of Scientific Investigation; Daniel G. Brinton. Science 04 Jan 1895: Vol. 1, Issue 1, pp. 3–4

O papel da ciência

Todo acontecimento na natureza pode ser explicado de várias maneiras diferentes, o objetivo dos cientistas é coletar todas as explicações plausíveis e usar testes para filtra-las, mantendo ideias que são apoiadas pelas evidências e descartando as demais. Para avaliar uma ideia, pode-se usar várias linhas de evidência que passaram por diversos tipos de testes, as vezes de diferentes campos de estudo. Mas mesmo interdisciplinar, a ciência têm limites. Uma vez que faz parte do mundo natural ela pode ter perguntas e buscar fornecer respostas, mas tudo aquilo fora da realidade não diz respeito a ciência e sim a religião ou a filosofia, isso é o que a diferencia destes campos.

A ciência não faz julgamentos morais. A ciência não pode responder por si só perguntas como “qual o sentido da vida?”, “quais direitos os humanos devem ter?” ou “devem os animais ter direitos?”, ela apenas pode compreender o desenvolvimento dos seres humanos e como eles são, dos animais e se eles são sencientes e o porquê ambos se comportam como se comportam. Ela nos dá conhecimento do funcionamento dos genes e mostra que temos a capacidade de alterá-los, mas não diz se devemos ou não recombina-los.

A ciência no geral mostra como a natureza funciona e o que é possível fazer, mas não o que devemos fazer. Ela serve para conhecermos o mundo não para julgarmos comportamentos, isto é papel da Filosofia Moral, também conhecida como Ética. Dentro da natureza é fato que humanos podem matar humanos, humanos podem matar animais e que humanos podem alterar os genes de ambos. Baseado nas expectativas consequencialistas de nossas ações os filósofos morais discutem onde devemos traçar a linha do que é justo e injusto, o que traz o maior bem para todos e o que não traz, o que devemos fazer com os humanos, com os animais e com os genes. A ciência nos permite desenvolver novas tecnologias, mas se os humanos usam energia nuclear para abastecer cidades ou para fazer bombas isso não é mais sobre a ciência, é sobre a moralidade.

A ciência também não faz julgamentos estéticos. Ela pode nos dizer porque tendemos a gostar mais de sequência harmônica de notas e menos de ruídos ou como fazemos música, como nossos cérebros interpretam as cores ou porque algumas pinturas tendem a nos agradar mais que outras. Apesar de explicar a apreciação estética de cada sociedade e de cada pessoa — depender de vários critérios objetivos, intersubjetivos e subjetivos -, ela não pode nos dizer o que devemos ou não gostar esteticamente.

É papel da ciência: melhorar constantemente nossa compreensão sobre a natureza, gerar conhecimento confiável e científico, esclarecer os fatos

Não é papel da ciência: definir verdades dogmáticas e que vão além da natureza, apelar ao sobrenatural e místico, fazer julgamentos morais ou estéticos, ela não é sobre intenções

A ciência é um processo contínuo

Ética, estética e religião são importantes para os humanos e frequentemente se deparam com o conhecimento que a ciência fornece, mas não cabe à ciência declarar divindades sobrenaturais, emitir juízos morais ou juízos estéticos. Ela é uma ferramenta e um processo para conhecermos o mundo natural, não um decreto de verdades absolutas e imutáveis. Os cientistas sabem que novas respostas suscitam novas perguntas, por isso ela é constante e progressiva.

O acumulo do conhecimento só pode ser feito por causa de uma extensa interação e avaliação dentro da diversificada comunidade científica. Hipóteses e teorias são repetidamente testadas e verificadas por diferentes pessoas de diferentes perspectivas com várias linhas de evidência, isso demanda tempo.

A ciência é um esforço contínuo. O conhecimento científico sofre um constante processo de revisão e refinamento, pois sempre há mais para investigar e conhecer. Nosso conhecimento das coisas se expande, surgem novas hipóteses, buscamos novas evidências e consolidamos teorias ou formamos novas. Ao passo que nos libertamos de algumas especulações criamos especulações ainda mais complexas.

Este processo interminável porém não quer dizer que não devemos confiar no conhecimento que temos até então. Apesar de novas evidências revelarem problemas com nossos entendimentos atuais, teorias científicas se consolidam porque são testadas por muitas evidências, com elas nós conseguimos fazer previsões que se mostram verdadeiras e com isso resolver problemas. As tecnologias, por exemplo, são feitas porque conhecemos e conseguimos manipular as coisas, apesar de podermos melhorá-las com novas descobertas nós sabemos que elas funcionam.

Tudo que a gente conhece está numa ilha e essa ilha é cercada pelo desconhecido, a medida em que o conhecimento vai avançando, que a gente vai desenvolvendo novos instrumentos e novas teorias, essa ilha vai crescendo e a medida que ela cresce cresce também a margem, a fronteira, que ela faz com o desconhecido, ou seja, quanto mais a gente conhece sobre as coisas mais a gente desconhece também, mais perguntas surgem. — Eu Maior, Os limites do conhecimento; 15 Ago 2011; Marcelo Gleiser, astrofísico e educador

Ciência é conhecimento e o conhecimento transforma

O método científico é objetivo: baseia-se em fatos e no mundo como ele é, não em crenças, desejos ou vontades. Por isso o papel da ciência não é agradar as pessoas e fortalecer crenças e sim descobrir como o tudo na natureza funciona. Ela é observacional, prática e informacional. Observacional porque precisamos usar os sentidos para entender o mundo. Prática porque para responder perguntas é preciso buscar realizar pesquisas e testes. Informacional porque as observações, os testes e as pesquisas geram dados e informações que ajudam a entender sistemas e estruturas complexas, além de fazer previsões.

Sem a ciência o mundo não seria da mesma maneira, nosso desenvolvimento seria muito mais lento, hoje não teríamos satélites, internet, nem armas químicas. As previsões e manipulações que o conhecimento científico nos dá ajudam a desenvolver tecnologia e tecnologia aumenta nosso poder de transformar. A ciência não têm intenções morais, mas pessoas que desejam melhorar o mundo — ou destruí-lo — precisam da ciência. Se usada com bons interesses, a ciência é extremamente útil para o desenvolvimento social da humanidade. Com ela podemos resolver diversos problemas, além de desenvolver ainda mais tecnologias que melhoram nossa qualidade de vida.

> A ciência é feita por uma comunidade global de pesquisadores com atitude científica

> Explicar o mundo natural a partir de perspectivas sobrenaturais não é ciência

> A ciência revela os fatos mas não diz o que devemos fazer com eles

> Novas evidências surgem e refinamos o conhecimento, por isso a ciência é um esforço contínuo

> A ciência nos dá conhecimento e a capacidade de transformar o mundo à nossa volta

Quem divulga a ciência no Brasil

• Academia Brasileira de Ciências — abc.org.br
• Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência — sbpcnet.org.br
• Instituto Questão de Ciência — iqc.org.br
• Universo Racionalista — universoracionalista.org
• Science Blogs — scienceblogs.com.br

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