Ilustração de uma mão inserindo um jornal de notícias falsas dentro da cabeça de uma pessoa | imagem de shutterstock

Olavo de Carvalho, Jovem Pan e Brasil Paralelo

Reacionarismo, desinformação e revisionismo histórico

Julio Cesar Prava
Published in
9 min readJul 26, 2023

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Por volta do ano de 2013, conheci na internet o famoso “filósofo” Olavo de Carvalho. Líder daqueles que acreditam que houve uma época melhor no passado, como, por exemplo, a ditadura no Brasil. Vi aos poucos suas postagens histéricas ganhando espaço nas redes sociais junto com a onda conservadora.

Ao mesmo tempo que ele virou um ídolo para os extremistas de direita, se tornou uma grande piada para pessoas com o mínimo de senso crítico. De qualquer maneira ele ganhou destaque: suas declarações anti-ciência, filosoficamente questionáveis e politicamente antidemocráticas, unidas aos palavrões, o tornaram uma figura emblemática. “Ora, Porra!”

Tive a oportunidade de acompanhar alguns momentos marcantes: o episódio 150 do podcast Anticast, em 2014, que foi uma grande zorra. O seu embate com o biólogo Paulo Miranda Nascimento “Pirula”, no qual ele chamou para um debate mas com prazo para resposta, novamente virando piada. Também vi seu estranhamento com o historiador Bertone de Sousa e Olavo bem irritado quando foi feita uma matéria sobre seu suposto curso de filosofia. O Jornalista Denis Russo Burgierman, autor da reportagem, já era consagrado mas adquiriu ainda mais respeito na internet ao ser processado em 2019 por causa disso. Ser xingado pelo Olavo, para muitos se tornou um grande símbolo de credibilidade devido a sua generalizada falta de credibilidade entre os intelectuais.

Para aqueles que gostam de humor, Olavo pode ser comparado com uma caricatura de esquetes humorísticas ou visto como um gênio da comédia intelectual — afinal escreveu “Tudo que você precisa saber para não ser um idiota”, ensinando o contrário — , mas infelizmente é apenas um reacionário ressentido mesmo que para seus seguidores seja um gênio intelectual incompreendido.

Entre as ideias imbecis de Olavo, que existiam fetos abortados na Pepsi, não haver comprovação que a Terra é redonda e que cigarro não aumenta as chances de se ter câncer, existe um perigo. Sua visão conspiracionista, anticiência e política extremista nega fatos históricos bem documentados, confundindo a mente das pessoas ou as dando certezas de coisas que não existem.

Em 2018, os conservadores-reacionários, unidos com a força do antipetismo (que é compreensível), conseguiram eleger Jair Bolsonaro para presidência e Olavo de Carvalho estava lá, propagando sua raiva e sendo fonte para boa parte dos bolsonaristas. Olavo só passou a criticar o governo perto de sua morte. O apelidado guru do bolsonarismo, teve um fim irônico: negou a gravidade da pandemia de Covid-19 várias vezes e foi diagnosticado com Covid-19 oito dias antes de morrer, em 2022.

A Jovem Pan foi outra personagem que acompanhou as ascensão dos discursos de extrema-direita. Nos anos 90, a rádio em SP tinha uma programação voltada para o público jovem e lançava coletâneas de CDs com diversos hits e transmissões de futebol. Hoje é sinônimo de um grupo que dissemina visões políticas de direita.

Por volta de 2017, menções positivas à Bolsonaro se iniciaram, com o tempo isso cresceu exponencialmente. O puxasaquismo ao ex-militar reacionário foi bastante disseminado em programas Pingos nos Is, Morning Show e Jovem Pan News. Figuras como Augusto Nunes, Joice Hasselmann, Caio Coppolla e Ricardo Salles se destacaram no apoio as decisões do político. Agora, é a vez de Nikolas Ferreira e Lucas Pavanato propagando as mesmas visões.

Não podemos negar, há uma coisa admirável nestes comentaristas políticos: eles têm boa retórica, mesmo que do ponto de vista lógico grande parte de seus argumentos sejam falaciosos. Talvez sejam leitores de Olavo de Carvalho, o guru ensinava ter uma boa retórica para ganhar debates, mesmo que os argumentos sejam falsos.

A Jovem Pan adotou a estratégia de atrair o público conservador e representar a direita no Brasil, assim como a Fox News fez nos Estados Unidos, ambos acompanhando a onda conservadora. Como empresa, a JP se deu bem, pois teve aumento em sua audiência e em termos de lucro foi uma ótima escolha, já em termos de bem-estar para a sociedade o resultado é o contrário.

Um pequeno preço a pagar do grupo de mídia é ficar marcado pela disseminação de informações falsas sobre a pandemia de Covid-19, com convidados defendendo drogas sem eficiência comprovada e fazendo críticas ao uso de máscaras, outro é ser visto como alinhada à um espectro antidemocrático, por seus comentaristas terem questionado o STF e o TSE diversas vezes.

No fim das contas, vão sair ilesos, afinal o lucro importa mais que a ética no mundo capitalista. A Globo e diversas empresas ao redor do mundo apoiaram ditaduras, hoje são líderes nos negócios. Numa espécie de teoria da evolução no capitalismo, tudo vale pelo dinheiro e ganham os que conseguem lucrar mais independente se as ideias que apoiam são ruins para o resto da sociedade.

Não sei quem popularizou o revisionismo histórico no Brasil, mas sei que Leandro Narloch tem um papel de destaque. O seu livro “Guia Políticamente Incorreto da História do Brasil”, lançado em 2009, se tornou popular e distorceu fatos históricos. Apesar disso, obteve grande popularidade e se tornou um símbolo do que podemos chamar de distorção da realidade. É comum também que revisionistas da história reinterpretem visões de pensadores de maneira contrária ao que eles declaravam.

A historiografia é uma ciência, num processo cumulativo de conhecimento as pessoas vão desvendando os fatos e acontecimentos históricos ao unir diferentes perspectivas baseadas em boas evidências. Leandro Narloch, tenta ignorar essa ciência e jogar especulações para o público como se fossem verdadeiras. Narloch é um outsider na história, assim como Bolsonaro se propôs como um outsider na política, mesmo sendo um dos maiores sanguessugas na política brasileira e sem ter a capacidade de combater o sistema político.

Sempre existiram pessoas que acreditam e contam mentiras, mas o fenômeno das fake news ganhou destaque nas últimas décadas. Notícias falsas e sem base na realidade impulsionadas e espalhadas pela internet para defender ideias esdrúxulas, a política é um grande palco para disseminação dessas notícias.

Como debates políticos sempre demandaram ataques ao adversário, o uso manipulado de dados e mentiras são uma estratégia recorrente. O PT, por exemplo, usou fake news contra a candidatura de Marina Silva à presidência em 2014. Já Bolsonaro, em 2022, tentou dizer que seu governo combatia o desmatamento quando aconteceu justamente o contrário. Entre ciência e a verdade muitos políticos, de esquerda e de direita, preferem a politicagem e o cinismo. E não, não são pessoas ignorantes que fazem isso, por trás há pessoas inteligentes que mobilizam os ignorantes para ganhar capital político e poder.

Bolsonaro se inspirou no governo de Donald Trump, que usou uma máquina de espalhar desinformação via markerting digital para ajudar a se eleger. No caso dos EUA, foi descoberto o famoso escândalo da Cambridge Analytica que tentava fazer uma espécie de lavagem cerebral em pessoas nas redes sociais. Por trás disso estava Steve Bannon, um dos líderes um movimento de extrema-direita autointitulada direita alternativa (altright). O sujeito conduziu a campanha de Donald Trump para presidência nos EUA e o site de notícias Breitbart News com teor conspiracionista e fake news. Já no Brasil, os esquemas de divulgação de notícias falsas para favorecer Bolsonaro foram no Whatsapp.

Não foi a direita que começou isso de fake news, mas ela que potencializou. Bem organizada e investindo muito dinheiro, conseguiram disseminar nas redes sociais, whatsapp e telegram os inimigos imaginários do reacionarismo, por isso são comparados ao protofascismo.

No ano de 2016, surge a produtora Brasil Paralelo, considerada uma poderosa máquina de desinformação com revisionismo histórico e extremismo político. Seus documentários tentam dar uma outra visão sobre o aquecimento global, a ditadura militar e reinterpetar a história do Brasil, como fazia Narloch. A tese de que a esquerda domina a cultura é apoiada pela produtora e eles se colocam como resolução para esse problema, supostamente libertando as pessoas, quando eles as prendem em um mundo paralelo descolado da realidade material. Pelo menos no nome são honestos, afinal, dizem que vão mostrar um Brasil paralelo, que na verdade não existe.

Me lembro de ler o livro 1984, de George Orwell, onde a falsificação de documentos e literatura eram feitas de maneira a manipular o que é verdade para atender os interesses e crenças de quem estava no poder. Uma guerra de narrativas é sempre uma guerra por poder e apesar da produtora Brasil Paralelo não estar no poder ela quer divulgar suas narrativas para ter capital político e ajudar extremistas de direita a assumirem ele, assim como fez a Jovem Pan, só que num nível ainda mais lunático e perigoso.

A produtora investe milhões em propaganda. Foi assim que se tornaram a maior anunciante em política no Google com a estratégia de comprar termos relacionados a política para fornecer sua visão distorcida aos leigos e conquistá-los. Além disso, investem em sua produção audiovisual porque sabem que superproduções passam credibilidade e isso ajuda a levar a mensagem para as pessoas, afinal elas ficam impressionadas com a qualidade visual dos materiais deles.

A extrema-direita está atuando para negar a história e manter a política de maneira opressiva, mas ela também se uniu para descreditar fatos científicos, um bom exemplo, é o caso do aquecimento global causado pelo humano e seu processo de industrialização global. Mesmo com todas as evidências apontando para isso, tenta-se dizer que a comunidade científica está enganando as pessoas. No Brasil, os líderes do negacionismo do aquecimento global são Ricardo Felício e Luiz Carlos Molion. O filme “Não Olhe para Cima” de 2021, traz uma poderosa crítica para essa questão da politização negacionista da ciência, vale a pena assistir.

O que Olavo, Jovem Pan e Brasil Paralelo tem em comum é que ambos fornecem discursos delirantes com visões de extrema-direita e tentam reescrever a história e negar fatos para destruir uma “cultura dominante esquerdista”, que nem sequer existe. O mundo é regido pelos donos de capital e pelos governos, não pela esquerda, muito menos por marxistas e comunistas, que são a esquerda radical.

A direita moderada está no poder na maioria dos países. Nos EUA, por exemplo, o sistema político é predominante de direita, e tem um constante embate entre a direita moderada (democratas) e a direita conservadora (republicanos). Lá a esquerda não tem chance de chegar à presidência e as esquerdas mais à esquerda já foram superadas.

Para deixar aliviados aqueles que tem fé na humanidade, a extrema-direita teve uma ascensão global, mas como em qualquer onda se enfraqueceu. Isso não quer dizer que vão acabar, eles vão continuar tentando se espalhar e ganhar fortalecimento, combatendo inimigos imaginários como comunistas e progressos sociais afirmando bons costumes da família tradicional, costumes esses que quase sempre são sinônimos de falta de respeito com a liberdade individual dos outros e motivação para não perder o benefício de poder sobre as pessoas. Eles devem voltar em novas ondas, não sabemos se mais fracas ou mais fortes, faz parte do processo político.

Uma coisa importante que precisamos ter em mente: a verdade e a razão não se atestam na forma discursiva, no grito, na força ou no nível de popularidade. Jornalistas e comentaristas, na maioria das vezes, não tem o rigor técnico que se exige de filósofos e de cientistas especialistas em economia, história e política. A comunidade científica das áreas de sociologia, história, política e da ética, tem um senso coletivo que indivíduos que querem fazer politicagem vão contra, os extremistas de direita nem sequer passam perto da honestidade que se exige para discutir ideias.

Socialmente falando, precisamos nos educar constantemente combatendo nosso próprio egoísmo e acabando com visões autoritárias que tentam manter sistemas que oprimem os outros. Visões extremistas, vão contra isso e tentam resgatar épocas que já se foram, e que não eram boas como tentam colocar, e também fazem de tudo para manter sistemas que não podem ser considerados justos, ir contra isso é um dever.

Se somos a favor da ciência, da ética e da liberdade individual, negar as visões de extrema-direita com suas realidades paralelas e distorcidas é fundamental. Diante de toda essa propaganda precisamos estar atentos e ter o cuidado para não acreditarmos naquilo que se afirma ser o oposto do que é realmente é: a guerra não é paz e a mentira não é verdade. A extrema-direita não é solução.

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