Cenografia: o desafio de retratar o Brasil colonial

Por Paulo Renato, cenógrafo

Rede Globo
NovoMundo
6 min readMar 17, 2017

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Este trabalho de cenografia em Novo Mundo reflete o resultado de uma sequência de produtos realizados sem interrupção em parceria com o diretor artístico Vinícius Coimbra.

Cidade Cenográfica de ‘Lado a Lado’

Comecei a trabalhar com o Vinícius quando ele fez a direção geral da novela Lado a Lado (2013), sob direção de núcleo do Dennis Carvalho. Fui apresentado ali a uma visão conceitual claramente definida a partir de referências da fotografia, que tinha o objetivo de estabelecer naquele trabalho um resultado de luz natural, com texturas, poeira, suor e sujeira presentes e o mais próximo da realidade pretendida para transmitir aquela novela de época. E entendi ali que havia para mim um papel de tradutor daquela linguagem, produzindo ambientes sensíveis para que o trabalho da direção focasse no desenvolvimento da narrativa da dramaturgia. O ambiente pensado sempre como um caminho, o meio para atingir a finalidade principal que é contar através do elenco a nossa versão da história de maneira apropriada. Sem que a arte, por mais linda, e apropriada que esteja, provoque o desvio da leitura da cena.

Foi a partir desta percepção que embarquei na linguagem conceitual realista pretendida pelo diretor nestes trabalhos. Encontrei o melhor caminho não simplesmente anulando os cenários através de uma sobriedade neutra, mas sim desenvolvendo a coragem de dialogar com a história contada envolvendo cada cena com os volumes, objetos e texturas mais adequados e naturais para a transmissão da situação da cena ou proposta do personagem.

Esboços da Cidade Cenográfica de Novo Mundo

É uma tarefa subjetiva e sensível para a partir daí criar um diálogo inicial com a iluminação e fotografia da cena que estabeleça a composição do quadro final pela lente e talento dos câmeras.

Tenho agido dessa forma e sem distinção de tratamento tanto para as cenas produzidas em estúdio, externa ou cidade cenográfica. Aprendi na experiência de set que todas as sequências tem o seu peso e importância no texto para contar a história, e acredito que tratar dessa forma conduz ao resultado mais uniforme e coerente. Outro aprendizado foi sempre trazer para o desenho de cenário os elementos e proporções naturais da locação, sem desfigurar a proposta conceitual com referências estranhas ao tema tratado.

Foto: Raquel Cunha / Globo

Em Novo Mundo, que retrata o Rio de Janeiro no período de 1817 e 1822, tive como primeiro desafio a reprodução de uma situação histórica presente nos principais marcos da corte joanina em edifícios remanescentes até hoje no centro do Rio de Janeiro. Essa tarefa só foi cumprida após um intenso mergulho de pesquisa na história, na arquitetura e costumes do Brasil colonial, que se somou à bagagem acumulada com os estudos para realizar a novela “Liberdade, Liberdade”.

Contar com equipes e profissionais talentosos nessa condução é fundamental para o sucesso do trabalho do cenógrafo. Caso contrário, toda a técnica e esforço criativo se perdem.

Junto com minha equipe, recriamos na cidade cenográfica o Largo do Paço (hoje rebatizada Praça XV de Novembro), com seu calçamento original em trilhas de pedra, a fachada do Paço Real (hoje Paço Imperial), o Chafariz da Pirâmide (mais conhecido agora como Chafariz do Mestre Valentim) com a murada e as rampas de desembarque das galeotas, a Capela Real (atual Igreja de Nossa Sra. do Carmo) e parte do Convento do Carmo ainda com o passadiço que ligava esse prédio ao Paço.

Foto: Raquel Cunha / Globo

Também estão representados o casario do Teles com o famoso arco que conduz ao interior recheado de outros estabelecimentos de comércio e tavernas dispostos em lotes ainda remanescentes da cidade colonial, um prédio de mercado de escravos situado próximo ao Pelourinho de pedra (ou Polé). Temos ainda em funcionamento a representação de um dos diversos chafarizes que abasteciam a cidade e eram ponto de encontro social, o edifício da Cadeia e o mercado do Peixe.

Foto: Raquel Cunha / Globo

Tive que tomar partido e fazer diversas escolhas para sintetizar o recorte histórico de espaço x tempo e adequar ao contexto da novela. Principalmente porque o Rio de Janeiro é uma cidade composta de muitas camadas, onde já ocorreram muitas e sucessivas intervenções.

Não há uma só história a ser contada e cada referência remete a um emaranhado de outros fatos e curiosidades.

Largo do Paço - Refrescando após Jantar- Debret

Tudo foi desenvolvido e recriado junto com a cenógrafa Marcia Inoue, por uma equipe dedicada de cenografia a partir de um trabalho minucioso de pesquisa histórica e levantamento em campo destes edifícios e obras remanescentes. Para essa recriação, também foi importantíssimo analisar na lupa e no zoom pinturas e costumes retratados pelos artistas e gravuristas da época. Reviver as situações retratadas por Debret gera muito o que pensar sobre o uso dos espaços públicos e sobre como organizamos a nossa sociedade até hoje.

Outro ponto de destaque nesta novela foi a reprodução da Nau portuguesa. Buscamos inspiração nos vasos de guerra do século XIX e nas gravuras que retratam os desembarques da corte. Foi uma chance imperdível de atuar no projeto de recriação de um modelo de embarcação que remonta à época das grandes navegações portuguesas.

Construindo a Nau

Para isso contamos com um detalhamento construtivo minucioso que foi executado com precisão e contratamos serviços de consultoria náutica que nos auxiliou na correta execução de cabos, nós e velas que funcionam e se recolhem no cenario da mesma forma que em uma embarcação real.

Foto: Ellen Soares / Gshow

As tramas de época sempre trazem agregadas a possibilidade de repensar o viés formador do nosso país e da nossa cultura, não apenas através das suas construções e organização urbana, mas principalmente pelos seus costumes e dos diferentes usos que se fazia dessas cidades. É uma chance de resgate dos elementos formadores da nossa identidade cultural.

Foto: Maurício Fidalgo / Globo

Trataremos do estabelecimento dessa corte portuguesa e da forma como se completa a integração desses viajantes com as suas aspirações quando se deparam com as novas condições de vida em um Brasil tão exótico e tropical aos olhos dos estrangeiros.

São todos personagens com sonhos e conquistas a realizar. Vidas a refazer em um país em construção.

Com estreia prevista para 22 de março, ‘Novo Mundo’ é escrita por Thereza Falcão e Alessandro Marson, com direção artística de Vinícius Coimbra.

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