Quando a história ganha vida
Por Francisco Vieira, consultor de história
Fazer um fato histórico ganhar vida novamente é a grande fantasia de muitos historiadores.
Quando fui convidado pelos autores da novela Novo Mundo, Thereza Falcão e Alessandro Marson, para dar uma consultoria, acompanhando o trabalho deles na elaboração de uma ficção dentro de fatos históricos, logo me entusiasmei. Trabalhar em uma novela de época já é um trabalho fascinante, mas uma novela histórica que vai dar vida a personagens que de fato existiram, é um enorme privilégio.
O cinema, a televisão e as mídias modernas levam ao grande público histórias, personagens, fatos, que antes estavam restritos a uma elite, a muito poucos.
Minha formação é em história, mestrado (UFRJ) e doutorado (UFF). Sempre fui professor, apesar de não seguir uma carreira acadêmica tradicional. Minha relação com a televisão, em termos profissionais, começou há 26 anos. Tem sido muito rico esse casamento da história formal, da academia, com o mundo da mídia, da televisão. É sair da torre de marfim, onde historiadores falam para historiadores sobre assuntos bastante específicos, e partir para a linguagem de divulgação. Trata-se de lançar mão dos ensinamentos fundamentais que esses intelectuais, historiadores e pesquisadores das universidades elaboram, e “traduzí-los” para o grande público.
Desde os primórdios, o homem tem necessidade de contar fatos, contar história. Desde as inscrições das cavernas da pré-história à televisão dos nossos dias, passando por templos gregos ou catedrais medievais — grandes teatros imóveis — histórias foram contadas.
Mas historia é sempre versão. O fato contado já se foi, não volta mais. O que temos é o discurso, a versão, ou muitas versões. E o historiador trabalha com isso, com a versão do fato. Televisão e cinema são discursos históricos.
O trabalho de consultor implica em um conhecimento do tema, do período, dos personagens. Difere do trabalho do pesquisador. A este é pedido um tema específico. Por exemplo, o autor precisa saber como a epilepsia era vista no início do século XIX. E a pesquisadora, no caso da nossa novela, a competente Natali Zarth, vai em busca dessas informações, contando com seu conhecimento, método de pesquisa, rigor das fontes etc. O consultor parte do geral para o específico. Cabe ao consultor saber a conjuntura, no nosso caso, o Brasil às vésperas da independência, o perfil de personagens e como interagiam, diferenças de hábitos e costumes. Essas duas áreas evidentemente se misturam um pouco e o trabalho em equipe é fundamental.
Certamente não me acho conhecedor de tudo no período ou dos personagens. Mas conto com minha bagagem, e daí a experiência acadêmica ser importante porque dimensiona nosso desconhecimento em vários setores. Por isso, também preciso lançar mão de livros, e meu conhecimento da área ajuda separar os confiáveis, a meu ver, dos “perigosos”. Nunca esquecer que o papel aceita qualquer coisa.
Mas claro que se trata de ficção. Tem que ter romance, tensão, adequar-se à linguagem da televisão.
Acho que meu percurso na televisão me deu essa “flexibilidade”, que um historiador mais ortodoxo poderia ter mais dificuldade. Desde a fase inicial, quando a Thereza e o Alessandro me expuseram as idéias, coube-me falar da história documentada, das versões existentes, para que eles pudessem, a partir das leituras deles, criar. Tenho que ser o dado de realidade… E eles vão usando as licenças poéticas que, como autores, podem se dar.
Tento fazer como Galileu que teve que dizer que a Terra não girava em torno do sol para não ser queimado na fogueira, mas repetia baixinho: “mas que gira, gira”. Assim, cabe-me ler cada capítulo, atender às demandas de colaboradores e autores, colaborar com a pesquisadora, chamar atenção para cenas que contém enganos históricos e respeitar as licenças poéticas. E agora, com a estreia, me deliciar com um trabalho bem feito, um cenário fantástico, atores ótimos.
Desfrutar da história, viva, em movimento, emocionante. Tenho certeza que será uma bela novela. O público vai ver uma nova versão de D. João, Pedro e Leopoldina, e personagens comuns, que poderiam ter estado nos bastidores dos grandes fatos da nossa história.
Com estreia prevista para 22 de março, ‘Novo Mundo’ é escrita por Thereza Falcão e Alessandro Marson, com direção artística de Vinícius Coimbra.
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