“Minha profissão masculina e a vida íntima me levaram a fazer as fotos. Mostrar que sou feminina, mulher.”

Sâmara Correia
Nua e Crua
Published in
5 min readJun 11, 2015

Valentina*

Depoimento a Anamaria Legori
Fotos por Sâmara Correia
Edição:
Leandro Demori

Tive um término de relacionamento bem complicado. Ainda estou tendo alguns problemas, mesmo depois de passados oito meses. Tenho medo de me expor. Pensei muito antes de poder me abrir sobre esse assunto.

Passamos 3 anos ficando e mais 5 anos de namoro firme. Tivemos muitas idas e vindas nesse meio tempo. Protelamos a decisão de morar juntos, mas quando decidimos nos assumimos como casal. Fomos morar na casa dele e com o tempo fomos adquirindo os móveis. Compramos juntos, eu e ele.

Mas ele sempre trabalhou muito: de segunda a segunda — tem dois empregos e, durante o mês, só quatro folgas. Eu ficava bastante tempo sozinha. Nos finais de semana e à noite não saíamos, porque no outro dia ele tinha que trabalhar. Ficávamos sempre em casa, passávamos o dia todo arrumando coisas ou dormindo.

Essa aparente tranquilidade começou a ser abalada quando tive uma perda familiar: meu avô por parte de mãe faleceu. Não conheço a minha família paterna, e meu pai mesmo eu só vi umas duas vezes na vida. Não tenho relacionamento com ele. Quem me criou foram os meus avós. Por isso a perda do meu avô mexeu muito comigo. Ele era tudo pra mim. Meus avós moravam no interior e minha mãe trabalhava na cidade. Ela vinha de vez em quando, nos finais de semana, pra ficar com a gente, de resto era tudo com o vô. A perda dele acabou influenciando no meu relacionamento. Eu fui ficando cada vez mais quieta e desanimada.

Algumas fofocas sobre o passado dele pioraram a situação. Fiquei sabendo que, nos antigos relacionamentos, ele sempre traiu as namoradas. Todas. Não teve uma que não tenha sido traída. Sei porque ele me confirmou.

Quando assumimos o nosso relacionamento, conversamos sobre isso. Ele me falou que já estava chegando aos 30 anos e que esse passado não fazia mais parte da vida dele. Mesmo assim, sempre fiquei desconfiada. Isso mexia muito comigo, eu já não conseguia me controlar, e brigávamos direto.

Até que comecei a desconfiar da rotina dele. Ele trabalhava em outra cidade, um dia sim, um dia não. De lá até a nossa casa dava menos de uma hora de carro. Porém, ele demorava de duas a três horas pra chegar em casa. Era motivo pra gente discutir, sempre. Eu queria saber onde ele tinha estado. Ele desconversava, dava alguma desculpa, mas eu não acreditava.

Ele deu brechas pra eu pensar que ele estava mantendo outro relacionamento — além da chegada tardia em casa, escondia o celular, e chaveava a porta sempre que ia tomar banho, com o celular dentro do banheiro. Minha desconfiança aumentou ainda mais. Horários, celular escondido… Essas coisas vão se somando. Ele não me falava abertamente, o que gerava mais discussões. Pra piorar, as pessoas me contavam histórias sobre ele. A relação foi desgastando. E, no fundo, acho que nunca vou saber a verdade.

O ponto final foi o dia que um amigo íntimo dele me contou algumas coisas. Ele negou tudo, mas não teve jeito: foi então que terminamos. Eu nunca tinha ouvido falar de ele ter agredido alguma namorada. Mas nesse dia ele me agrediu com palavras, e também fisicamente. Me bateu. Me deu um tapa, me deu um soco. Jogou meu celular pra longe, que caiu e desmontou.

Até hoje não superei, isso não serve pra mim.

Mas até penso que eu provoquei ele. Eu queria saber a verdade e ele estava irritado. Depois ele se acalmou e percebeu a merda que fez. Nesse mesmo dia, a gente conversou até a madrugada.

Não o denunciei com medo que ele me agredisse de novo. Hoje não tenho mais esse medo, acho que isso ele nunca mais vai fazer. Ele sabe que errou ao me agredir… mas fico com um pé atrás.

Tive que procurar um lugar pra morar e simplesmente saí da casa dele sem nada. Além de tudo, eu passei a ser o alvo das fofocas. A vida inteira falaram dele, e agora falam de mim. Não foi fácil.

Apesar dos últimos tempos do nosso relacionamento terem sido ruins, eu estava acostumada com ele, em chegar em casa e tê-lo ali. Tive que me adaptar, aprender a ser sozinha. Tínhamos muitos planos. Tínhamos a casa, íamos aumentar o nosso quarto, queríamos ter filhos. Nesse tempo todo, eu já poderia ter me relacionado com várias pessoas, mas ainda não me sinto preparada. Prefiro estar quieta, na minha.

O machismo sempre esteve relacionado ao meu ex-namorado e infelizmente também faz parte da minha carreira profissional. Trabalho em um lugar dominado pelo sexo masculino. Das 65 pessoas do setor, só 20 são mulheres. Muitas vezes, os homens acham que não vou conseguir fazer alguma tarefa porque não teria força suficiente, seria incapaz de levantar peso. A minha capacidade é a mesma que a deles, mas muitos não conseguem entender.

Minha história pessoal e o fato de eu ter uma profissão considerada masculina me levaram a fazer esse ensaio fotográfico, pra mostrar a minha feminilidade, mostrar que sou mulher.

*nome fictício

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Sâmara Correia
Nua e Crua

Fotógrafa no coletivo Nua e Crua: as mulheres e suas histórias