“Perdi muitas coisas por causa da vergonha que tinha de mim mesma. Por que eu deveria ser tão crítica?”

Tatiane

Anamaria Legori
Nua e Crua
Published in
5 min readNov 12, 2015

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Depoimento a Anamaria Legori
Fotos por
Sâmara Correia
Edição por
Leandro Demori

Tenho uma doença auto-imune que afeta a minha aparência. Sou portadora de vitiligo, desde os 9 anos de idade. Eu era pequena, mas mesmo assim eu mesma reparei as primeiras manchas que apareceram na cintura. As manchas eram bem pequenininhas. Mostrei-as pra minha mãe e em seguida ela me levou ao médico. Na consulta, o médico deu 99% de certeza de que era vitiligo. Fiz muitos exames — alguns bem dolorosos — até ter o diagnóstico confirmado alguns meses depois. Naquela época, não tinha percepção de fato do que era o vitiligo e, como as manchas eram tão pequenas, aquilo não fazia diferença nenhuma.

O vitiligo começou a ser algo representativo na minha vida quando entrei na adolescência, porque comecei a dar importância para a vaidade. Agora as manchas não estavam mais somente na cintura, e se alastraram para os joelhos, os pés, os pulsos e as mãos. Foi aí que comecei a ver o vitiligo como algo ruim. Na escola, algumas pessoas tentavam usar isso para me atingir, mas eu nunca fui o tipo de pessoa que se afeta com essas coisas. Eu poderia ficar magoada com o que me falavam e chorar quando chegava em casa. O certo é que não deixava barato e também usava os defeitos das outras pessoas para atingi-las. Posso ter sofrido bullying, mas não deixei por isso mesmo. Mesmo vendo o vitiligo como um defeito.

Eu me achava anormal por ter essa doença que é genética, mas não contagiosa. Como achava feio, comecei a cobrir áreas expostas, como os pés. Eu não era o tipo de menina que usava saia, chinelos ou mostrava a barriga, como qualquer adolescente. Não me sentia bonita o suficiente pra usar esse tipo de roupa. Eu não gostava do que via.

Na Faculdade, encontrei pessoas de todos os tipos e com mente mais aberta. Encontrei inclusive pessoas que também tinham vitiligo. Eu sabia que era estranho, diferente, mas fui compreendendo que isso não era tão feio quanto eu achava. Percebi que se eu não me aceitasse, seria difícil os outros me aceitarem. Como alguém poderia gostar de mim se eu não me gostasse?

Com 19 anos, quando tive meu primeiro namorado, as coisas mudaram. Ele começou a me incentivar a não usar roupas que cobrissem tanto o corpo. E percebi que as pessoas que gostavam de mim não se importavam com as manchas. E se elas não se importavam, por que eu deveria me importar com a opinião dos estranhos? Por que eu deveria ser tão crítica comigo mesma? Então comecei a me vestir de forma diferente, a usar vestidos, sandálias e outras coisas que me faziam me sentir mais à vontade.

Comecei a me aceitar. A mudar o estilo das roupas. Com essa mudança, no entanto, vi o quanto o vitiligo podia ser agressivo. Tive minhas primeiras queimaduras de pele porque agora as manchas estavam expostas. O que de fato não acontecia antes. Percebi que precisava me cuidar mais: usar protetor solar e não ficar tanto tempo no sol. É preciso encontrar o equilíbrio, já que pesquisando, descobri que um dos avanços do vitiligo ocorre se a pessoa não pegar sol: quanto mais sol você pegar mais a melanina é estimulada.

Já fiz diversos tratamentos e um dos últimos mais longos foi com um remédio tão forte que me fazia desmaiar. Não conseguia nem tomar água que vomitava. Eu aceito ter vitiligo, mas não quero prejudicar outras partes do meu corpo, vomitar, desmaiar. Fiquei sabendo de pessoas que de tanto tomar remédios tiveram gastrite. Eu não quero isso pra mim. Os remédios que tomei não adiantaram nada e tinham valores exorbitantes. Não fizeram efeito, porque o vitiligo não tem cura e nem controle e, além de genético, é psicossomático. Na época do meu TCC, por exemplo, as manchas aumentaram bastante. Por isso, eu já pedi demissão de empregos que não eram saudáveis pra mim.

Ainda não sei se quero ter filhos, porque o vitiligo é hereditário. O meu namorado não vê qualquer problema nisso. Mas, só eu sei o quanto foi difícil eu me aceitar. Conheci pessoas chateadas, com depressão, que não sabiam lidar com a doença. E eu também passei por momentos onde eu não soube lidar. Não sei se seria legal levar essa carga pra outra pessoa. É claro que penso no assunto, mas ainda não decidi. Hoje o meu namorado é um pilar muito importante. Eu queria que todas as pessoas que tivessem vitiligo pudessem ter um suporte assim. Ele tem cuidados comigo que às vezes nem eu tenho.

Apesar de eu me aceitar como sou hoje, tenho medo que a doença piore e que se desenvolva no meu rosto. E essa é a minha maior preocupação. Por enquanto, as pessoas não percebem que eu tenho vitiligo, porque não está no campo de visão delas. Eu me aceito, mas ao mesmo tempo sou muito vaidosa, então ficaria triste se isso acontecesse. Seria um novo processo de aceitação. Talvez seria como voltar a enfrentar problemas já superados, como por exemplo que a culpa que a minha mãe sentiu quando descobrimos a doença. Na época da descoberta do vitiligo, a minha mãe se sentia muito triste achando que podia ter feito algo de errado. Ela se sentia culpada por eu ter essa doença.

Resolvi fazer o ensaio sensual porque na minha adolescência eu perdi muitas coisas por causa da vergonha que tinha de mim mesma. Mas, foi uma escolha minha. Hoje eu sei o que posso e não fazer e opto por vestir o que eu quero. Todos temos algo que não gostamos na gente: gordurinha, celulite, seio pequeno, bunda caída. No meu caso eu tenho vitiligo, mas se eu ficar procurando pêlo em ovo vai ser pior. Então, o melhor é aceitar.

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Anamaria Legori
Nua e Crua

Escritora no coletivo Nua e Crua: as mulheres e suas histórias | Consultora e Pesquisadora de Tendências |✉ analegori@gmail.com