A romantização do empreendedorismo feminino através da ilusão do empoderamento

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4 min readJul 5, 2021

Por Maria Alice Freire, Fernanda Maurelli, Suelen Philot e Jade Moura

Jade Monchild

As recentes reformas neoliberais, o aumento no índice de desemprego e a crise pandêmica têm impulsionado um crescimento no chamado empreendedorismo. Em números absolutos, estima-se que haja 53,5 milhões de brasileiros à frente de alguma atividade empreendedora. Dentro desse quadro, estima-se que há uma participação maior de empreendedoras por necessidade, quando comparado aos homens. Muitas mulheres buscam um trabalho autônomo como uma forma de complementar a renda familiar em momentos de recessão. É natural que em um cenário de desamparo estatal e poucas oportunidades, o trabalho informal seja visto como uma oportunidade de melhoria e de vida, ainda mais sob o impulso de um discurso de maior autonomia e flexibilidade no trabalho. Dessa forma, muitas se deslumbram com a chance de montar seu próprio negócio. Todavia, é necessário repensar essa proposta de “empoderamento” e analisar o que esconde a ilusão de empreendedorismo.

Primeiramente, pode-se observar que a crise pandêmica escancarou o machismo em nossa sociedade e afetou principalmente os grupos mais vulneráveis, sobretudo as mulheres. A taxa de participação feminina no mercado de trabalho caiu cerca de 10% contra apenas 6% da participação masculina. Esse quadro foi fomentado pela posição histórica de cuidados que uma mulher representa dentro de casa.

A responsabilidade dos afazeres domésticos, gerenciamento do lar e dos cuidados dos filhos é designada às mulheres pela Divisão Sexual do Trabalho. Mesmo quando inseridas no mercado formal não lhes é permitido sair da esfera reprodutiva e nem o compartilhamento das tarefas domésticas. Por isso, a dupla, e até mesmo tripla, jornada de trabalho faz com que as mulheres sejam as primeiras a serem demitidas em um contexto de crise e corte de gastos.

Na tentativa de driblar o desemprego e arranjar qualquer renda possível para sustentar a família, muitas mulheres procuram uma oportunidade no mercado informal e no empreendedorismo. Iludidas com o discurso de ser uma “Super-Mulher” e conseguir conciliar funções domésticas, familiares e profissionais, elas acabam sofrendo com uma sobrecarga. Esse aumento de estresse e da quantidade de horas de trabalho doméstico e de cuidados pode levar a problemas físicos e mentais.

Para a formação do capital inicial de seus empreendimentos, as mulheres tendem a se endividar, e, dado que muitas vezes não possuem crédito no seu sistema financeiro local, essas dívidas acarretam em custos muito maiores. Quando não são tomadas dentro do circuito legal, essas dívidas trazem muitos perigos associados. Sendo assim, o microcrédito surge como uma solução, já que tem como público alvo mulheres, trabalhadoras informais, baixa renda e com acesso ao smartphone.

O discurso favorável a esse crédito diz que o acesso a esse dinheiro possibilita novos negócios em regiões pobres e, dessa forma, propicia a formação de uma economia regional que diminui a pobreza através da geração de emprego e renda. Ou seja, que o empreendedorismo libertaria os pobres através do crédito e da meritocracia.

Nesse sentido, esses programas criam uma ilusão de melhoria social, quando a realidade é a geração de renda e emprego inexpressivos e o endividamento regional, principalmente das mulheres. Posteriormente pode-se notar a criação do ciclo de solicitação de crédito para quitar um pedido anterior.

Esse entrave é agravado pela falta de políticas públicas. O avanço das políticas neoliberais geram o desmonte governamental através das desregulamentações e privatizações no lugar de políticas sociais. Esse é um quadro alarmante que atinge especialmente a população mais pobre e marginalizada, que é a mais afetada com a redução de serviços públicos, os cortes à educação e saúde e a eliminação de políticas de bem-estar.

Além disso, quando o Estado se retira quem mais sofre é a mulher, uma vez que a responsabilidade dos cuidados das crianças sem creche e dos doentes sem hospitais recai sobre elas. A ausência de regulamentações do mercado de trabalho e de políticas promotoras de emprego dificultam ainda mais esse cenário.

Assim, as opções que as mulheres têm no capitalismo neoliberal-patriarcal, sobretudo as mães e chefes de família, é o chamado “empreendedorismo”. Longe de empoderar e emancipar a mulher, ele a coloca em uma situação precarizada, sem direito à férias, décimo terceiro, seguro desemprego e aposentadoria.

Para cumprir com as dívidas adquiridas pelo microcrédito, muitas têm que acabar aceitando qualquer condição de emprego e de remuneração. Esses endividamentos, inclusive no caso dos microcréditos, acabam sendo mecanismos de doutrinação dessas trabalhadoras.

Dessa forma, é importante entender que muitas vezes, essa ideia romântica do “empreendedorismo” feminino como uma via de empoderamento esconde, na verdade, condições de superexploração das trabalhadoras, falta de opções de emprego decente com salários dignos e a ausência de políticas públicas.

Grupo: Mulheres e mercado de trabalho.

Integrantes:

Maria Alice Freire — Jornalismo

Fernanda Maurelli — Economia

Suelen Philot — Ciências Contábeis

Jade Moura — Artes

Projeto de Extensão de Economia e Feminismos 2020.2

Coordenadoras: Margarita Olivera, Clarice Vieira e Letícia Graça

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