Resenha sobre o filme “A Negra de…” (1966). Economia e Feminismos 2021.1 IE/UFRJ

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3 min readOct 18, 2021

Autora: Mariana R. M. Cortes

A Negra de… (1966), de Ousmane Sembène

O filme “A Negra de…”, do diretor senegalês Ousmane Sembène, tem como enfoque a história da personagem Diouana, uma jovem de Dakar, cheia de sonhos e vontade de ascender socialmente através do seu trabalho. Diouana avista na França um lugar promissor para um futuro melhor, quando após muito tempo procurando emprego é lhe oferecida uma vaga como babá por uma família francesa. A personagem, a principio é iludida por um tratamento que demonstrava boa fé por parte dos patrões, mas ao longo da trama um caminho tortuoso a esperava pela frente. O filme é marcado por um grande simbolismo e poucos diálogos que remontam à critica almejada aos abusos retratados. A personagem pouco se comunica diretamente no cenário Francês, mas suas opiniões são evidenciadas em uma espécie de narrativa que recorda um diário, onde os pensamentos de Diouana são esclarecidos.

Para entender a totalidade da obra, é necessário ressaltar os processos de descolonização e a questão do nacionalismo, em voga na década de 60 no Senegal. O ano de 1960 foi reconhecido como “o ano Africano”, pois foi um momento de conquista dos vários anos de submissão aos franceses por meio de oposições pacíficas. A política de colonização implantada pelos franceses foi desenvolvimentista, buscando construir instituições burocráticas que passavam para os colonizados os valores dos colonizadores que deveriam estes deveriam seguir. Em todos os territórios franceses, a condição colonial submetia as populações ao trabalho forçado, ao fornecimento de soldados para o exército, ao pagamento de diversos impostos, entre outras práticas autoritárias e etnocêntricas. Até meados de 1930 eram comuns feiras e exposições coloniais ou de cunho científico, que apresentavam famílias e produtos locais como se fossem “zoológicos humanos”, mostrando de que forma tratavam os habitantes de suas colônias.

Lançado em 1966, o filme evidencia a herança colonial presente nas relações interpessoais, em gestos cotidianos. Quando Diouna chega à França, ela espera vivenciar as experiências que sonhava por sua visão romantizada da Europa, mas na verdade vivência uma situação análoga à escravidão na casa dos patrões que não lhe pagam salário, e demandam mão de obra como uma criada de tempo integral da casa.

Uma das falas marcantes da personagem, em seus pensamentos é: “Para mim, França é

a cozinha, a sala, o banheiro e os quartos. Onde estão as pessoas da França?”, que evidência a decepção e desilusão sofrida por ela, que se vê presa a propriedade. Os franceses aparentam suposto respeito pela cultura africana, mas na verdade, classificam a como exótica e inferior, em determinado momento é questionado até a capacidade de Diouana compreender o que está sendo falado por amigos do casal, que solucionam tal questionamento comparando-a com um animal que entende intuitivamente. Além disso, a sua patroa, que apesar de ser uma mulher (branca) submissa ao marido, trata a personagem principal como uma criada e com repugnância, literalmente como um objeto que não tem vontade própria e está ali única e exclusivamente para servir. Assim como seu marido, que apesar de não destratar diretamente a personagem, e em algumas cenas demonstrar um resquício de comportamento respeitoso, não paga o salário de Diouna e é tão responsável quanto sua esposa pela situação de escravidão que a senegalesa vivenciava.

Como citada acima ao longo da trama, é revelado diversas tipos de relações de poder discrepantes e preconceito que se relacionam com o colonialismo francês, ainda existente disfarçado nas relações intrapessoais. A partir do tipo de narrativa, em que a personagem principal não tem lugar de fala e se encontra literalmente calada na maioria dos diálogos mas seus sentimentos são explicitados por uma espécie de diário interno,o espectador acompanha o processo de desilusão de Diouna e definhamento da sua saúde mental.Fica claro que enquanto mulher, negra, africana e pobre, ela está sujeita às mais diversas formas de dominação, não somente por ser mulher e sim pela sua cor e pela sua nacionalidade, que são indiretamente usados como justificativa para sua perda de direitos.

Curso de extensão de Economia e Feminismos — IE/UFRJ

Professoras: Margarita Olivera e Clarice Vieira

Autora: Mariana R. M. Cortes, extensionista e monitora

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2021

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