Transferências de dinheiro e violência doméstica

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3 min readFeb 24, 2021

A casa, nem sempre, é um lugar seguro. Muitas mulheres ainda sofrem com a violência praticada pelo seu parceiro íntimo. Estudos apontam que 1 em cada 3 mulheres já foi abusada fisicamente ou sexualmente por um parceiro em sua vida. A violência pelo parceiro íntimo tem múltiplas consequências para a saúde física e mental das mulheres, bem como uma série de efeitos adversos para seus filhos. Embora essas consequências sejam bem documentadas, há menos evidências sobre a eficácia das políticas e programas na redução da violência pelo parceiro íntimo no mundo em desenvolvimento. Baseados principalmente na América Latina, vários estudos recentes encontraram evidências de que programas de transferência de renda, voltados principalmente para mulheres, podem reduzir a violência contra a mulher.

A pesquisadora e microeconomista Melissa Hidrobo da Divisão de Pobreza, Saúde e Nutrição do International Food Policy Research Institute (IFPRI) investigou os impactos dos programas de transferência de renda e programas de assistência alimentar por meio de seu trabalho com o Programa Bono de Desarrollo Humano, no Equador, e o programa Jigisemejiri no Mali. Ela utilizou uma estrutura aleatória para analisar como um programa de transferência incondicional de renda afeta a violência doméstica, concentrando-se em violência física e psicológica. Segundo o trabalho, verificar tal relação através de programas incondicionais é uma vantagem, pois programas condicionais não podem completamente isolar o efeito da renda na violência doméstica por causa do efeito das condicionalidades, que afetam a frequência com que mulheres passam por consultas médicas, tornando mais complicado esconder violência física e sexual.

Os resultados sugerem que o efeito do programa depende da educação da mulher e seu nível relativo ao parceiro. Para mulheres com nível educacional superior à escola primária, o programa diminuiu significativamente a violência emocional em 8% e o comportamento controlador do parceiro em 14%. Já para mulheres com educação primária ou menos, o efeito depende de sua educação relativamente a de seu parceiro: casais em que o parceiro não tem escolaridade maior que a mulher, o programa aumenta a violência emocional em 9%. Ainda, observa-se que, embora a direção dos impactos da violência física tenha sido bastante similar à da violência psicológica, seus resultados não foram significativos. A modalidade de transferência oferecida — alimentação, dinheiro ou voucher — causa impactos no combate à violência praticada pelo parceiro íntimo.

No Brasil, o programa de transferência condicional de renda ‘Bolsa Família’, — que conseguiu como política pública dar melhores condições de vida a milhões de brasileiros que antes viviam na extrema pobreza e cujo benefício é aportado à mulher-, apresenta evidências de que o recurso aumenta o poder de barganha da beneficiária, ajudando-a nos objetivos relacionados a melhor alocação do valor recebido em favor dos filhos e dependentes, permitindo a essa mulher menos disposição a aceitar comportamentos violentos do seu parceiro e, também na geração de consequências positivas para a sociedade, através da maior igualdade de gênero.

É importante registrar que a associação entre renda da mulher, programas de transferência de renda e violência doméstica é ambígua e complexa, podendo ser positiva em alguns países e negativa em outros, influenciada pelas condições culturais, educacionais e legais do lugar em questão.

Grupo: Violência contra a Mulher, Transferência de Renda e Gap Salarial.

Adriana Lima, Fernanda Yung, Jamile Souza, Karla Borba, Natasha Menezes e Sabrina Thomaz

Projeto de Extensão de Economia e Feminismos 2020.PLE

Coordenadoras: Caroline Santos e Margarita Olivera.

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