Censo e (in)sensibilidade

Será que está mesmo garantida a realização do Censo de 2020 no Brasil? Marcado, está; garantido, não sei

Marcelo Soares
Numeralha
3 min readMay 9, 2018

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Rara ocasião em que os governos procuram saber sobre a vida de todos os seus cidadãos, o Censo tem uma importância crucial para conhecer o mundo em que vivemos. É por meio deles que os países podem planejar seu futuro.

A próxima rodada é a de 2020, em praticamente todos os países do mundo. Aqui, porém, os recursos para realizá-lo (que não são poucos) ainda não estão na mão do IBGE.

Há um mês, o presidente do instituto, Roberto Olinto, foi à Câmara pedir apoio dos deputados para liberar essas verbas. Deve custar uns R$ 3 bilhões, porque envolve compra de equipamentos, custo de viagem e algo como 300 mil recenseadores. O concurso para selecioná-los só deve sair em 2019, devido à incerteza de verbas. (Para o Censo de 2010, o recrutamento começou em 2008.)

“Sem o censo demográfico, o Brasil não vai conseguir trabalhar na agenda 2030 das Nações Unidas de Desenvolvimento Sustentável. Vários dos indicadores de desenvolvimento sustentável são basicamente obtidos no censo”, disse Olinto.

As dificuldades não são de agora.

Entre um Censo e outro, o Brasil procurava fazer uma contagem da população nos anos terminados em 6. Houve em 1996, houve em 2006. Em 2016 faltou não apenas dinheiro como também funcionalismo. Muitos funcionários estavam ou aposentados ou à beira da aposentadoria. Com a crise e a turbulência política, não houve dinheiro para abrir concurso e repor pelo menos parte das vagas.

Há pouco, foi realizado o Censo Agropecuário, espécie de prévia do Censo Demográfico mas restrito ao mundo rural. Por falta de recursos, foram suprimidas perguntas que os pesquisadores deviam fazer (o IBGE não disse quais). A princípio perguntar só não custa nada, mas o IBGE só pôde contratar um terço dos pesquisadores necessários. Com isso, cada um precisa fazer o triplo de entrevistas. Para caber no tempo e orçamento, cada entrevista precisa ser mais curta do que o originalmente prevista.

O Censo Agropecuário custaria R$ 1,6 bilhão. Não rolou. Esta aspa veio do Estadão:

“Não tinha orçamento, não tinha mais projeto. Foi alocado para o IBGE, através de emenda parlamentar, uma verba R$ 505 milhões para refazer o projeto. Mas tivemos de renegociar para receber mais R$ 280 milhões no ano que vem. Esse orçamento está garantido, porque a gente não iria a campo”, contou Antonio Carlos Florido, coordenador técnico do Censo Agropecuário no IBGE.

As dificuldades também não são novidade.

Em 2010, quando vivíamos praticamente em outro país, a situação era tão diferente que se cogitava fazer censos anuais. Em 1990, quando vivíamos em ainda outro país, o Censo foi adiado em um ano pelo então presidente Collor. Os resultados do Censo de 1991 saíram apenas em 1994.

Além do adiamento de 1991, o Brasil pulou o Censo de 1910 por falta de organização, pulou o de 1930 devido à revolução de Getúlio Vargas e levou 18 anos para publicar os dados do Censo de 1960, em parte por causa da ditadura e em parte por causa da bagunça toda mesmo.

Até agora, não há definição alguma sobre como vai ficar o Censo.

Que o de 2020 não entre nessa triste tradição.

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