Há 40 anos, surgia a primeira planilha eletrônica

Steve Jobs atribuía ao VisiCalc o sucesso do Apple II, apenas isso

Marcelo Soares
Numeralha

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Você certamente conhece o Excel e provavelmente acha um saco, seja por achar demais, seja por achar de menos (eu acho mais útil que bloquinho de anotações). Mas já ouviu falar no VisiCalc? E do Lotus 1–2–3?

O VisiCalc foi a primeira planilha eletrônica usada comercialmente. Foi projetado em 1978 e lançado comercialmente em 1979 pelo incrível Dan Bricklin e seu sócio Bob Frankston. Como na época não era possível patentear software, eles nunca patentearam a invenção — o que beneficiou os concorrentes que vieram em seguida.

Bricklin escreveu um livro fascinante sobre tecnologia: “Bricklin on Technology”. Lá ele conta suas aventuras como inovador, desventuras como empresário e ideias como pensador. Sempre volto a ele e aprendo muito.

Já volto a falar de Bricklin e do VisiCalc. Primeiro, deixe eu contar por que é tão importante o que eles fizeram.

É quase impossível pensar nesses termos hoje em dia, mas imagine um mundo onde as vantagens do processamento eletrônico de dados eram restritas a grandes empresas e apenas a elas. Para todos os outros, havia livros-razão e calculadoras. No século passado, no segundo grau, tive disciplinas de introdução à contabilidade que usavam livros-razão.

É a mesma ferramenta usada pela ciência contábil desde o monge e matemático italiano Luca Pacioli, criador da ideia de partidas dobradas, básica para a contabilidade, e grande amigo de Leonardo da Vinci. Este inclusive fez ilustrações para seu livro de geometria, “A Divina Proporção”. Isso antes de 1500.

Poucos sabem disso, mas tenho um pé na contabilidade por causa da família. Dois tios meus foram contadores. Minha mãe era auxiliar de contabilidade. Meu irmão é contador. Até entrar na faculdade e arranjar um emprego como office-boy em uma redação de jornal, trabalhei como auxiliar de contabilidade por mais de um ano. Foi assim que comecei a usar planilhas de verdade.

Cresci vendo meus parentes suarem em cima de calculadoras eletrônicas de rolo de papel, especialmente em época de imposto de renda. Elas eram preferíveis às de bolso porque o rolo de papel permitia depois conferir como se chegou ao resultado, caso houvesse algum erro.

No Brasil, essa revolução demorou até os anos 90 para chegar à maior parte dos contadores porque tínhamos uma Lei de Informática protecionista que restringia a importação legal de computadores. Quando chegou aqui, o VisiCalc já estava fora da jogada.

Onde era possível e relativamente barato comprar um computador no final dos anos 70 e começo dos anos 80, o VisiCalc mudou o jogo. Primeiro, porque tinha a mesma linguagem visual das planilhas manuais. Segundo, porque permitia seguir a trilha das contas sem precisar redigitar tudo numa calculadora de fita e olhar a bobina para checar depois. Terceiro, porque permitia fazer simulações diretamente na tela.

O estalo veio a Bricklin em 1978, ao fazer um trabalho para uma disciplina do MBA que cursava em Harvard. O professor fazia perguntas e os alunos ganhavam nota pela participação. Se houvesse uma maneira eletrônica de simular as situações de negócios, conta ele, a vida seria mais bacana. E foi isso que ele prototipou no CPD da universidade e depois sua startup de garagem colocou no mercado em junho de 1979.

Por uma série de circunstâncias históricas, o VisiCalc foi escrito para rodar no Apple II, primeiro microcomputador técnica e comercialmente viável para quem não era nerd de eletrônica ou programação. Na época, Bill Gates era “apenas um garoto conhecido por sua versão do Basic e pelas multas de trânsito que levava”, diz Bricklin.

Ele lê para você o trecho de seu livro em que fala do lançamento do VisiCalc:

Steve Jobs era imensamente grato a Bricklin e sua invenção por isso. Em suas palestras, Bricklin mostra uma frase de Jobs dizendo que a Apple só virou o que virou por causa do VisiCalc. “Se o VisiCalc tivesse sido feito para o computador de outra empresa, você estaria entrevistando outra pessoa agora”, disse Jobs em uma entrevista nos anos 90.

Isso porque até então todos os aplicativos para microcomputadores eram basicamente jogos. O surgimento do VisiCalc para o Apple II tornou o microcomputador imediatamente útil para microempresas que não tinham grana para comprar ou alugar tempo em um mainframe IBM. “Antes disso”, disse Jobs em entrevista à Playboy em 1985, “você precisava programar seus próprios aplicativos, e é pequena a fração de pessoas que querem programar”.

“O VisiCalc pegou 20 horas de trabalho por semana de algumas pessoas e transformou-as em 15 minutos, liberando-as para ser muito mais criativas”. DAN BRICKLIN

Por que Jobs é mais famoso do que Bricklin?

Parte da explicação é que Bricklin quebrou. E o software que popularizou ainda mais as planilhas, criado com base na falta de patente do VisiCalc, foi feito por outra empresa, para rodar no MS-DOS.

Quando a Apple surgiu no mercado, criou a categoria de microcomputadores pessoais fáceis de instalar e com software digno de aplicações empresariais.

Mais ou menos na mesma época, a gigante IBM se viu ameaçada e criou o IBM PC. Para criar o seu sistema operacional, contratou outra empresa de garagem criada por jovens nerds geniais, a Microsoft. Bill Gates lhes ofereceu um sistema chamado MS-DOS (MicroSoft Disk Operating System), que permitia iniciar o computador com o uso de um disquete. Ainda eram assim os primeiros PCs que usei, lá em 1989.

Em 1983, a empresa Lotus, de Mitch Kapor, criou um sucedâneo do VisiCalc feito para rodar no PC. Era o Lotus 1–2–3, que só saiu de linha de vez em 2013. Hoje, Kapor é dono de um fundo de investimento em empresas de tecnologia que buscam ter impacto social.

Foi no Lotus que aprendi a trabalhar com planilhas, lá naquele cursinho de 1989. O Lotus também trouxe funcionalidades gráficas à análise de dados, o que permitia dar novos saltos nas aplicações contábeis e empresariais.

Como a VisiCalc estava com problemas, a Lotus acabou comprando a empresa de Dan Bricklin.

Em 1985, a Microsoft criou o Excel para o Mac, tentando fazer melhor o que o Lotus 1–2–3 fazia.

Em 1987, foi lançada a primeira versão para Windows, a 2.0. Este é um screenshot da 2.2:

Com o tempo, e sendo fabricado pela mesma empresa que oferecia o Windows, o Excel acabou escanteando o Lotus.

Quando comecei a usar o Excel, lá por 1994, provavelmente a versão disponível era a 5.0.

Melhorou muito desde então. Mas cobra assinatura anual; neste ano, pela primeira vez, não renovei a minha. Acho que estou confiante o bastante para usar programação e BigQuery para a maior parte da carga pesada e Google Sheets para a carga mais leve e aulas.

Hoje há concorrentes bastante dignos, mas diferentes. Os dois principais são estes aqui:

  • LibreOffice Calc: é de graça tem todas as funções do Excel, mas é MUITO lerdo. Parece mais pesado do que empurrar um elefante ladeira acima num carrinho de mão. Se você tentar fazer um PROCV com mais de dez mil linhas, o Excel dá uma bobeada de um minuto e o LibreOffice trava seu computador. Crianças, não tentem isso em casa.
  • Google Sheets: está dentro da suite Google Drive, tem todas as funções do Excel e tem todas as vantagens de viver na nuvem — uso muito para robôs simples que monitoram RSS, por exemplo. Mas aceita menos linhas do que o Excel. Enquanto o Excel aceita mais de um milhão de linhas por planilha, um dos meus monitoramentos de notícias aceita só duas mil. Em um ano e meio, tudo o que eu recolhi cabe num Excel gigante, mas perfaz mais de 200 planilhas do Sheets.

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