Menos chips, mais conectados

Esqueça o “um celular por habitante”; o número não conta a história mais interessante que vem ocorrendo

Marcelo Soares
Numeralha
4 min readApr 28, 2017

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Na semana passada, quase todos os sites de notícias deram a informação de um estudo da FGV que previa que o Brasil chegaria a um celular por habitante neste ano. Perguntado a respeito, chequei.

Na verdade, era a nova edição de um estudo sobre tecnologia usada em escritórios. O questionário não incluía nenhuma pergunta sobre uso de celular. Na apresentação havia dois slides sobre celular, ambos com informações de origem secundária — imagino que basicamente para não deixar de fora o principal tema de tecnologia de 2017.

Os dados da Anatel são bastante completos. O que eles mostram, na verdade, é que o total de linhas móveis está caindo desde 2015, não aumentando, o que à primeira vista parece um contrassenso se formos pensar no quanto cada vez mais o celular é importante na economia:

Essas linhas equivalem a mais de uma por habitante. Em março, circulavam 242,8 milhões de chips, ou 1,17 per capita. Essa proporção, chamada “teledensidade” pela Anatel, segue a concentração de renda do país, sendo maior em Brasília (1,75) e menor no Maranhão (0,86). Na Bahia, há quase exatamente um chip por habitante. Em São Paulo, 1,38.

Mas essa não é a história mais interessante que esses dados contam. A maior parte da queda, como podemos ver, está nos celulares mais simples, principalmente 2G e mais recentemente 3G. Os dois gráficos abaixo têm a mesma informação, só organizada de maneira diferente:

Mas ao mesmo tempo há menos proporção de celulares pré-pagos e mais de celulares conectados, 3G e 4G:

Perceba que, em março de 2014, menos da metade dos celulares era conectada. Hoje, são três a cada quatro.

Mas olha que curioso: o volume total de linhas com acesso à internet praticamente não muda no Brasil desde 2015. Fica em torno de 180 milhões.

Por que a queda, então? Porque, com acesso à internet e a aplicativos de comunicação no celular, muita gente não precisa mais ter uma segunda linha baratinha de outra operadora para poder receber telefonemas de quem usa aquela operadora como sua principal. Se não acabou, está quase acabando o “mas de que operadora é o seu?”.

Podemos presumir que a linha mais cara (3G e cada vez mais 4G) seja a principal, enquanto a mais barata (geralmente 2G) seja a secundária. Se for como parece, já chegamos à saturação há dois anos num país de 204 milhões de pessoas, se levarmos em conta que os muito jovens, os muito idosos e os muito pobres têm muito menos chance de usar celular.

Em março, escrevi uma reportagem sobre inovação mobile que dava conta disso. Eu citava um relatório da Kantar Worldpanel Comtech, segundo o qual as vendas de smartphones praticamente pararam de crescer. Em mercados de países ricos, chegaram a cair. O crescimento está em países onde a maioria da população ainda não usa smartphone.

Não é mais o caso do Brasil.

(Mas a situação ainda pode mudar mais ainda, dependendo do software. Na China, mendigos já estão aceitando esmola por meio de QR Codes. Lá, acabou o “estou sem trocado”.)

Este texto é uma versão focada em dados de uma reportagem que escrevi para a Folha, “Com apps substituindo ligações, chips pré-pagos perdem espaço na telefonia

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