Menos semáforos, mais segurança no trânsito?

Por inércia, gambiarra e descaso, cruzamento sem faróis há semanas lembra experiência de microcidades europeias

Marcelo Soares
Numeralha
4 min readJun 21, 2017

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O imorredouro Sr. Rodante virava fera conforme o semáforo se aproximava de abrir

Quem mora em São Paulo já se acostumou com a noção de que a qualquer chuvinha os semáforos páram de funcionar. É uma bagunça. O prefeito anterior não resolveu, o prefeito que veio antes dele também não, o anterior tampouco e por aí vai.

O atual, por sua vez, inovou: deixou vários semáforos sem consertar. No Largo de Santa Cecília, eles estão simplesmente desligados há semanas. Ouvi que é uma questão de licitação. Tanto faz: o resultado é embolada.

Hoje, porém, passando pelo largo, vi uma cena interessante. Diante da situação adversa, com três mãos simultaneamente sem sinal e nem guarda apitando, todos os carros desaceleravam e, na prática, negociavam o seu espaço. Quando tirei a foto abaixo, no começo da tarde, eram poucos carros. Não demorou meio minuto para embolar. Mas andava.

Os pedestres são forçados a fazer contato visual com os motoristas, algum gesto simpático, para poder atravessar. Como todos estão no mesmo barco mesmo, boa parte dos motoristas acaba dando espaço. Suponho que a existência de uma unidade de policiamento comunitário 24h a cinco metros do semáforo ajude na civilidade dos Senhores Rodantes da vez.

Não tenho quaisquer dados sobre acidentes na região, e tampouco confio nos dados esquisitos sobre acidentes que a prefeitura tem divulgado na atual administração. Todo mês, eles contradizem os dados do governo estadual, que aparentemente continuam medindo a febre com o mesmo termômetro do ano passado.

Imediatamente lembrei de algo que li há alguns anos, sobre algumas cidades que intencionalmente aboliram os semáforos em regiões como a zona central. Lógico que é bem diferente do que ocorre na Santa Cecília, onde a situação foi criada por inércia, gambiarra e algum descaso.

Onde a coisa é planejada, os urbanistas chamam de “espaços compartilhados”.

A ideia foi proposta pelo engenheiro de tráfego holandês Hans Monderman, para o qual existe um excesso de regras no trânsito que, na prática, acabam sendo facilmente burladas com gosto pelos motoristas. Dica: essas não são as regras de que o taxista médio costuma reclamar. É uma ideia contra-intuitiva: segundo ele, se não tem semáforo, os motoristas precisam prestar mais atenção ao entorno e, com isso, dirigem com mais cuidado.

Algumas frases de Monderman:

“Não quero comportamento no trânsito, quero comportamento social.”

“Estamos perdendo nossa capacidade para o comportamento socialmente responsável. Quanto mais regras, mais se afrouxa o senso de responsabilidade pessoal.”

“Quando não é claro de quem é o direito de passagem, tende-se a buscar contato visual com outros usuários da rua. Você automaticamente reduz sua velocidade, faz contato com outras pessoas e toma mais cuidado.”

Ele e outros que adotam essa filosofia experimentaram em cidades muito menores do que o bairro de Santa Cecília, em países muito menos toscos que o Brasil, e ainda por cima de maneira planejada.

Em Drachten, na Holanda, os acidentes na região onde foram abolidos os semáforos caíram de oito por ano para um por ano. É uma cidade de 44,6 mil habitantes, então imagine o quanto isso colabora na queda da taxa de acidentes por dez mil pessoas. Esta é uma vista local:

Em Norrköping, na Suécia, foram tirados os sinais de trânsito de uma praça e a velocidade média caiu de 21 km/h para 16 km/h. Entre outras, também há iniciativas em Graz, na Áustria; no bairro de Kensington, em Londres; e em Hereford, no Reino Unido. E vejam esta praça em Cheshire, no Reino Unido:

Vi uma referência a uma taxa de 90 carros por hora como sendo ideal para implementar a tática de espaços compartilhados. Está bem longe do que ocorre na Santa Cecília. Mas MUITO longe.

Também vi referências a críticas importantes. Por exemplo: pessoas cegas não têm como fazer contato visual com o motorista, e como dependem da audição ouvir motores parados é uma saída melhor. Representantes de idosos dizem que ganhar espaço para atravessar uma rua compartilhada depende de um grau de assertividade que não é tão fácil (tenho uma tia-avó que há alguns anos parava o trânsito com sua bengala, mas entendo a situação).

De qualquer forma, acho que acaba sendo um experimento social importante. Nunca esqueço da primeira vez em que passei pela praça Panamericana da primeira vez em que morei em São Paulo. Havia um cruzamento de onde vinham carros de todas as direções. Contei mais de 20 “sinaleiras”, como eu ainda dizia denunciando a origem — isso, repito, num só cruzamento.

Será que realmente precisa de tudo isso?

E se, em vez de fazer uma licitação para comprar muitos semáforos caros, resolvessem definir algumas áreas da cidade (não avenidas, imagino) para, pelo menos provisoriamente, abolir o semáforo?

DISCLAIMER: Sim, de fato o autor é pedestre convicto; nunca aprendeu a dirigir e nem faz questão, porque assim sobra mais tempo para ler.

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