Os melhores livros que li neste ano

A duas semanas de 2019, dificilmente conseguirei ler algo melhor

Marcelo Soares
Numeralha
7 min readDec 17, 2018

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Com toda a correria do ano, acabei lendo menos livros do que de costume. Umas vezes porque faltou foco; outras, por ter faltado tempo; noutras ainda, por excesso de notícias. Bota ano agitado nesse. Ainda assim, deu pra ler coisas muito interessantes, que recomendo abaixo. Infelizmente, a maior parte deles ainda não saiu no Brasil. Mas isso é muito menos um obstáculo hoje do que era nos anos 90, né? Consigo fácil no Kindle. Às vezes, até mais barato do que a versão nacional, que chega mais tarde.

Factfulness, do Hans Rosling

De longe, é o melhor livro que li em 2018. Não é só o zé-graça aqui quem diz. Bill Gates e Barack Obama concordam. É como se fosse o testamento do mestre Hans Rosling para a humanidade, em busca de um debate mais factual sobre os problemas do mundo. Ele tem ao mesmo tempo um tom muito didático e profundamente pessoal. É como se Rosling estivesse falando conosco, sentado em nossa sala. Se você já assistiu aos vídeos dele, é difícil não ouvi-lo a cada frase.

21 lições para o século 21, de Yuval Noah Harari

Dele eu já havia lido o “Sapiens”, obra que entre outros méritos também nos legou um dos mais inesquecíveis discursos presidenciais da história do Brasil, ainda que pelos motivos errados (mas não a intenção). Se naquele livro Harari olhava para o passado e em “Homo Deus” ele olhava para o futuro, aqui ele olha para o presente e para as interações entre tecnologia e sociedade. É uma leitura cheia de insights.

Leonardo da Vinci, de Walter Isaacson

Em maio de 2019, completam-se 500 anos da morte do sujeito mais curioso que já caminhou por este planeta. Isaacson já fez perfis de outros inovadores, tendo sido um sucesso de vendas com a biografia de Steve Jobs. Aqui, suponho que seja outro sucesso de vendas. E merecido: além de contar magistralmente a história de Da Vinci, ele pega imagens de autoria confirmada e não confirmada e disseca. Tentei ler como livro eletrônico, mas precisei da versão impressa para poder voltar à imagem e acompanhar os detalhes a que ele chama atenção. Leia devagar, saboreando.

Willful Ignorance, de Herbert Weisberg

O autor conta a história da noção de probabilidade e como chegamos a um ponto que dá azo a vários mal-entendidos. Foi neste livro que descobri que a noção de dados, da maneira como conhecemos, era uma ilustre desconhecida até a década de 1660, quando o negociante de tecidos John Graunt teve a ideia de tabular nascidos e mortos a partir de registros públicos nominais. Em poucos anos, surgiria daí o embrião das ciências atuariais. Em seguida, viriam cálculos de probabilidade de longevidade. Weisberg tem um cuidado especial com a linguagem. É acessível a especialistas e a curiosos.

The Perils of Perception, de Bobby Duffy

Anualmente, o instituto francês Ipsos faz uma pesquisa sobre o grau de ignorância da população de vários países — e o Brasil aparece como terceiro país mais ignorante do mundo. Recentemente, resolveram mudar o nome para algo mais diplomático: percepções errôneas. Neste livro, que tem mais ou menos a mesma linha de “Factfulness”, Duffy tenta mostrar as origens das percepções errôneas. Um dado curioso: quanto mais a cultura de um país valoriza ênfase emocional ao contar uma história, mais erradas serão as percepções a respeito das coisas. Isso acontece na Itália e no Brasil, por exemplo. Aqui, os entrevistados consideraram que quase metade das adolescentes engravidavam. O que explica muito o apoio equivocado a alguns movimentos da política nacional. (Aliás: teste aqui sua ignorância.)

Evidence, de Howard S. Becker

Que livro saboroso. Becker é um craque da sociologia de campo. Outros livros dele já me abriram a cabeça antes. Aqui, porém, ele vai mais fundo no debate e comenta as maneiras como se obtém evidências, fazendo com que coletas semelhantes de dados possam chegar a resultados diferentes mudando muito pouco nas condições de obtenção. O texto de Becker é fluido, conversador. E planta minhocas na cabeça de qualquer fuçador de dados. Mas tente ler esse livro sem ficar com aquele clássico de karaokê grudado na orelha.

Valsa Brasileira, de Laura Carvalho

Laura é uma economista muito interessante. Gosto das colunas dela, acompanho suas intervenções nas redes sociais. Neste livro, ela reconta a história recente da economia brasileira, com seus erros e acertos e miopias, especialmente nas últimas duas décadas. Embora ela seja identificada com a esquerda — trabalhou no programa econômico de Guilherme Boulos — , Laura não deixa de reconhecer méritos do Plano Real e burradas econômicas do governo Dilma Rousseff. A linguagem é fácil, embora contida. Não garante aplausos de pé das massas, mas oferece uma bem-vinda serenidade ao debate político brasileiro. Os meus aplausos, leva.

Computational Propaganda, editado por Samuel Wooley e Philip Howard

Merecemos um livro melhor sobre o assunto, que é tremendamente atual. Mas, enquanto ele não existe, este aqui (que saiu em outubro) é bem interessante. É uma coletânea de artigos acadêmicos sobre como ataques de “propaganda computacional” — incluindo robôs tuiteiros e campanhas de desinformação — ameaçam desestabilizar democracias ao redor do mundo. Achei muito bons os artigos mais gerais, mas a parte sobre o Brasil tem vários equívocos. Suponho que no próximo ano haverá muito mais o que ler a respeito. Até agora, é o que há.

Pancadaria, de Reed Tucker

Foi minha leitura no começo do ano. Depois, saiu em português. Tucker conta os bastidores da história das duas principais editoras de quadrinhos do mundo, DC (Superman, Batman, Mulher-Maravilha) e Marvel (Homem-Aranha, Vingadores, X-Men). Hoje elas são responsáveis pelas maiores bilheterias do cinema, mas nem sempre foi assim. Ambas já estiveram à beira da bancarrota devido a decisões erradas. Com personalidades fortes e curiosas detrás das pranchetas e os mais incríveis personagens saltando delas, a história só pode ser curiosa. Bônus: se você quer entender quem era o falecido Stan Lee para além das pontas nos filmes da Marvel, você precisa ler este livro.

Coprodução de Cinema com a França, de Belisa Figueiró

Este é literalmente de casa. A versão em livro da dissertação de mestrado da minha companheira acabou de ser publicada pela editora Senac. Um dos maiores problemas das políticas públicas no Brasil é a falta de avaliação sobre sua eficácia. Em áreas “soft”, como a produção artística, isso é ainda mais grave, pois além da indisposição nacional para usar dados ainda existem consensos tácitos sobre o fato de a cultura ter valor em si e a noção de que avaliar resultado de arte em termos de eficiência seria redutor. Com isso, o que dá certo parece sorte e o que dá errado parece azar. A Belisa fez uma pesquisa aprofundada sobre o que, de fato, faz com que um filme coproduzido com um país estrangeiro chegue ou deixa de chegar ao seu público nos dois países. Ela o faz por meio da rigorosa coleta e organização de dados, entrevistas reveladoras com alguns dos protagonistas do processo e pesquisas minuciosas da cobertura da imprensa francesa sobre as coproduções. Se você faz cinema, se pesquisa cinema ou se é um curioso onívoro como eu, leia este livro. Nem parece fruto das escolas de ciências humanas brasileiras.

Cinco Escritos Morais, de Umberto Eco (in) (es) (sebo)

Este aqui é releitura, mas foi por birra; puxei da estante ainda anteontem. A editora Record lançou, por R$ 29,90, uma edição de bolso do ensaio “O Fascismo Eterno”, segundo dos cinco escritos deste livro. Quase comprei, mas lembrei que tinha a edição de 1997 em casa sem precisar gastar um real a mais. Valeu muito a pena. Além da triste atualidade do ensaio recém-lançado à parte, temos aqui a lucidez de Eco sobre outros temas relevantes. Ele abre com “Pensar a Guerra”, e tomara que este não volte a ser atual em breve. Depois vem “O Fascismo Eterno”, ora relançado. Em seguida, “Sobre a Imprensa”, um discurso feito nos primórdios da internet sobre a cultura do espetáculo que hoje corrói o debate público no mundo inteiro. O quarto ensaio, “Quando o Outro Entra em Cena”, é uma das cartas abertas trocadas entre ele e o cardial Carlo Maria Marini nos anos 90, que deram ensejo ao excelente livro “Em Que Creem os que Não Creem”; nesta carta, Eco trata de outra questão tremendamente atual, que é a dos princípios éticos ao se lidar com aqueles diferentes de nós. Por último, e este ainda estou por ler, vem “As migrações, a tolerância e o intolerável”, que também é um tema muito atual em tempos de tentativa de fechar fronteiras. Segure seu ímpeto de comprar o de bolso e vá atrás deste. Só tem no sebo, mas custa a metade.

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