Querem tungar os dados de quem anda de ônibus em São Paulo

Além de vender seus dados, se você caiu no conto de recarregar o bilhete com tarifa velha eles querem ficar com sua grana

Marcelo Soares
Numeralha
4 min readFeb 5, 2019

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Vai ficar mais difícil andar anônimo no transporte público paulistano. Alegando combate a fraudes, a prefeitura vai limitar a carga de um bilhete único anônimo a R$ 43 — dez tarifas, ao contrário das 88 que cabem atualmente nos R$ 350 permitidos.

Quem quiser mais vai precisar se identificar. Identificando-se, vai ter seus dados vendidos sabe-se lá para quem fazer sabe-se lá o quê.

Pior: a passagem aumentou em R$ 0,30 há apenas quatro semanas, certo? Certo. Sempre que vai aumentar a passagem, a prefeitura oferece a chance de carregar com quanto se queira; enquanto esses créditos estiverem no cartão, será cobrado o preço antigo. É uma maneira de fazer caixa. Até que bastante honesta, eu pensava.

Pois é. Se você anda relativamente pouco de transporte público e não conseguir usar em quatro meses a carga que tem, o que passar de R$ 43 vai ficar para a prefeitura. Tipo o confisco da poupança do Collor.

Perdeu, playboy.

Claro, você sempre pode se cadastrar para a prefeitura vender seus dados sabe-se lá para quem fazer sabe-se lá o quê. Eu me recuso porque sei tudo o que se pode ser feito com dados pessoais.

Para ganhar apoio à tunga, eles marquetam essa empurração como “combate às fraudes”. Mais ou menos como o pai do chefe do miliciano generoso diz que combate a corrupção.

Desde sua criação, em 2004, o Bilhete Único para transporte público em São Paulo tinha duas modalidades: anônima e identificada.

Na anônima, você apenas paga e usa; a prefeitura sabe quanto o bilhete com aquele número usa, mas não sabe quem é você. Não precisa mais que isso para fins de planejamento, né?

A identificada era geralmente para quem tinha algum benefício tipo meia tarifa — estudantes, aposentados — ou vale-transporte. Faz sentido para fins de controle.

Nos primeiros anos, era fácil conseguir bilhetes únicos anônimos para carregar, em qualquer lotérica. Depois, eles sumiram do mercado. O que de certa forma torna meio estranho o argumento da prefeitura de que existe um grande mercado ilícito de bilhetes únicos anônimos fraudando o sistema.

O que eles querem é forçar a barra para vender os seus dados pessoais.

Em 2017, quando o atual governador assumiu a prefeitura de que desistiria, fez um “road show” pelo exterior vendendo a identidade dos passageiros paulistanos. Análise do Gizmodo:

Além da gestão de cerca de R$ 16 milhões por dia pela venda de créditos para o Bilhete Único, segundo dados de janeiro de 2017, interessa aos investidores lucrar com a venda combinada de serviços, como vale-refeição e pagamentos com cartão, e capitalizar a montanha de dados disponível — um pote de ouro hoje administrado pela SPTrans, ligada à Prefeitura. Com o surgimento de uma economia baseada em dados, a privatização do Bilhete Único pode significar, na prática, a venda de informações privadas, como o número do CPF, idade, sexo, endereço, horários e itinerários do deslocamento de cada cidadão titular de um Bilhete Único.

Em entrevista à Folha, o então prefeito disse que o atrativo eram os dados:

“São 15 milhões de cartões já emitidos. Isso tem um valor inestimável”, disse Doria à Folha na quarta-feira (15) em Doha, capital do Qatar.

“O banco de dados tem um atrativo muito grande para qualquer instituição financeira, seguradora, rede de varejo. É valiosíssimo.”

Usuários demonstraram, no entanto, reservas quanto à venda de suas informações. “É o mesmo zelo que você tem quando faz um crediário nas Casas Bahia, no Ponto Frio, no Pão de Açúcar, onde milhões de pessoas têm contas”, disse Doria.

Em março de 2017, a prefeitura anunciou que havia ao menos dez interessados.

No mês seguinte, começaram a anunciar descobertas de fraudes gigantescas, de criação de créditos falsos especialmente em bilhetes únicos anônimos. (O crédito é gravado no cartão físico ou no banco de dados do sistema?)

Em agosto, começaram a tentar a privatização. Em outubro, a Câmara Municipal aprovou.

Um ano e tanto depois, não rolou — assim como praticamente todas as privatizações tentadas pela gestão interrompida.

Em julho do ano passado, resolveram não emitir mais bilhetes únicos anônimos, alegando fraudes. Segundo o Adamo Bazani:

Em entrevista à TV Globo na manhã desta quinta-feira, 07 de junho de 2018, o secretário municipal de Mobilidade e Transportes, João Octaviano Machado Neto, disse que o motivo é o alto índice de fraudes neste tipo de bilhete.

“Dos 650 mil bilhetes fraudados que foram apreendidos desde o ano passado, 450 mil eram do tipo do Bilhete Anônimo” — disse Octaviano.

O secretário disse que na semana passada foi presa uma quadrilha especializada em fraudes no Bilhete Único e o tipo “anônimo” era o mais utilizado pelo grupo criminoso.

Acho bem curioso dentro do período de tempo. Quase conveniente demais. Será que são verdade esses “biletes”?

Suponho que a pressão para cima do passageiro anônimo tenha a ver com interesses de possíveis compradores. Se estão vendendo nossos dados, os interessados QUEREM mais dados.

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