Algumas reflexões sobre trabalho remoto

Marcos Paiva
tech nuvemshop
Published in
8 min readNov 9, 2019

Há quatro anos, trabalho em uma empresa multinacional que adota uma modalidade mista entre remoto e remoto/presencial.

Neste artigo, conto algumas reflexões sobre a minha experiência trabalhando, liderando, recrutando e reportando em uma modalidade de trabalho remoto. Talvez ele até sirva de ensaio para uma série de conteúdos sobre o tema também.

Antes de começar, um esclarecimento sobre o texto: quando falo de “trabalho remoto”, estou me referindo a estar 100% longe do escritório, na minha casa — e não eventualmente e em qualquer lugar.

Nem todas as pessoas estão preparadas…

Dizer que “nem todo mundo está preparado” parece uma obviedade para mim agora, mas só me inteirei disso de verdade quando fui para o dia a dia e bati de cara com problemas da vida real.

Em geral, nos processos de recrutamento, se presta muita atenção nas habilidades técnicas que uma pessoa tem. Depois há também um esforço em entender quão alinhada culturalmente essa pessoa está com a empresa. Se há sintonia entre esses conjuntos de variáveis, contratamos.

Durante minha “breve” experiência, vi excelentes profissionais trabalhando com um desempenho muito baixo em relação ao potencial que tinham e, para mim, isso se deve ao fato puro e simples de que eles não estavam completamente preparados para trabalhar de forma remota naquele momento.

Mas afinal, pra mim o que significa estar preparado?

1- É muito mais difícil do que parece

Trabalhar de casa parece um conto de fadas, não parece? Você não precisa enfrentar horas de transporte público, pode dormir até um pouco mais tarde todos os dias, não tem nenhuma preocupação com dress code — afinal você está em casa 🤷‍♂️ — e não tem que se preocupar em ser interrompido por aquele colega mala que te chama de 5 em 5 minutos.

A verdade é que tudo isso realmente acontece e, em parte, pode ser muito benéfico, porque tira da sua cabeça distrações e te faz focar em fazer o que realmente importa — não só no trabalho, mas na sua vida 😉.

Isso é poderoso, não é? E é aí que os problemas, para a maioria das pessoas, começam a aparecer.

Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades — (BEN, Tio 2002)

A verdade é que muitas pessoas não estão dispostas a absorver e lidar com a quantidade de responsabilidades que uma modalidade de trabalho desse tipo requer.

Um exemplo muito prático de complexidades que se tem que absorver é a infraestrutura. Quando você está trabalhando em um escritório físico, quando algo precisa de conserto ou manutenção, sempre existe uma pessoa responsável por fazer com que o problema seja resolvido.

Se você está trabalhando home office, quando algo não funciona — em geral a sua internet 😡 — o problema é 100% seu, assim como a responsabilidade de “correr atrás” e resolver.

Mesmo que a sua empresa tenha algum programa de ajuda de custo ou outro tipo de auxílio, no geral, vai ser você a pessoa que terá de entrar em contato com a operadora, ficar horas no telefone, atender técnicos etc etc etc.

Me lembro da primeira vez que quebrei o OSx do MacBook em que eu trabalho. A loja autorizada da Apple mais próxima da cidade que eu moro fica há 200 Km. Para ajudar, a internet da minha casa (na época da minha cidade) não passava de 4Mb 🐮🐷🐔.

No fim, precisei formatar o computador e o processo para instalar tudo de novo demorou quase uma semana inteira. Durante esse período, tive que me virar e tentar trabalhar em uma máquina “reserva” com Windows para não quebrar a minha sprint.

No final da semana, além de precisar contar com a compreensão do time e pedir muitas desculpas, tive que criar planos a/b/c para quando algo assim acontecesse de novo 🤓.

A lei de murphy vai ser sua melhor amiga ✌️.

2- Parar é um problema

Uma outra situação que acontece com muita frequência com quem trabalha em casa — e que tem um potencial de destruição muito forte — é a dificuldade de se desligar do trabalho.

Gosto de chamar isso de “Síndrome do ‘Ah, mas o computador tá bem ali’ 😬”.

O que vou dizer agora parece uma obviedade, mas não é algo simples de se alcançar no trabalho remoto: desligar-se do trabalho é tão importante quanto se ligar.

Em um escritório, mesmo que sem intenção, você acaba se condicionando e sendo influenciado pelo meio. Em geral, as pessoas têm uma rotina muito ajustada, porque há a necessidade de deslocamento físico. É como se o cérebro delas diferenciasse modo trabalho de modo fora do trabalho.

É nesse ponto onde as coisas começam a se complicar para alguém que trabalha em casa. Como se desligar do trabalho quando você mora nele?

Confesso que, ainda hoje, desligar é um problema muito grande. Mas, com o tempo, entendi que eu preciso de gatilhos, alguns truques e ajuda externa:

  1. Ter um lugar específico da casa para trabalhar — Vou falar um pouco disso em um tópico abaixo, porém, adianto que isso me ajuda muito.
  2. Rotina é a alma do negócio — Li isso no site de um aplicativo de gestão para empresas e acho que se encaixa bem aqui. Um pouco de rotina e organização (com flexibilidade) não faz mal a ninguém.
  3. Ter alguém para te forçar — Tenho duas filhas pequenas. Quando estou começando a passar do ponto, elas invadem a minha sala/escritório e, com a ajuda da mãe, começam a bagunçar tudo.

3- Saúde mental importa

Aqui é onde a coisa começa a ficar séria.

Sofri bastante com isso (vi uma galera sofrendo também) e boa parte desse sofrimento teve alguma relação ou foi potencializado pelas péssimas práticas trabalhando remoto.

Uma delas já listei acima. Não parar de trabalhar (ou não conseguir se desligar) inicia um processo cíclico extremamente tóxico: você fica mais tempo em casa/se preocupa mais, não tem tempo para sair ou se exercitar, tem dificuldades para dormir, acorda no outro dia cansado, o cansaço distorce a realidade, enxergar a realidade distorcida te faz planejar mal ou se preocupar demais com a sprint e, assim, você fica mais tempo ligado no trabalho….

A sua saúde mental importa! Se você está nessa situação, procurar ajuda profissional pode fazer a diferença. Esforçar-se para ter uma vida mais equilibrada também.

Eu, tentando viver uma vida equilibrada.

4- Home também é Office

Principalmente no começo, quando alguém próximo ficava sabendo que eu trabalho em casa, a mesma pergunta surgia: “Nossa, que legal! Então quer dizer que você pode trabalhar de pijamas?!”.

A verdade sobre isso é que sim, você pode trabalhar de pijamas ou do jeito informal que consiguir imaginar! Mas as perguntas que eu sempre me fiz foram: isso é responsável? Por quanto tempo vou conseguir sustentar esse hábito? Ele pode me fazer mal?

A resposta que encontrei no meu dia a dia foi a de que não funciona e um pouco de formalidade não faz mal para ninguém — não quero ser polêmico, mas tenho ressalvas sobre a hype por trás do “nomadismo digital” e muitas dúvidas se alguém realmente consegue produzir de frente para o mar.

Acordar bem, tomar um bom café da manhã, trocar de roupas e vestir algo confortável, de alguma forma, ajudam o meu cérebro a se programar para o que vai acontecer no dia. Quando eu sei que o dia vai ser complicado, eu chego a calçar um par de tênis — que logo tiro ¯\_(ツ)_/¯.

Suit Up 🧥👕👔

Nesse artigo do site MindTools tem uma lista de práticas que podem ajudar muito!

Sobre o ambiente, é muito importante ter em mente que você vai precisar “replicar” uma miniatura de escritório bem confortável em casa, afinal, você vai passar bastante tempo ali.

Em um tópico acima, citei que ter um lugar específico/neutro é muito importante para trabalho remoto. Tenho duas crianças em casa, então faz ainda mais sentido para mim ter um “escritório”, porque, assim, conseguimos — de ambos os lados — privacidade.

Outro ponto importante quando se trabalha em casa é que eventualmente as pessoas (e no começo até você) podem presumir que está tudo bem ser visitadx ou “fazer sala” quando uma visita chega.

Receber visitas é muito legal, porém quando você precisa fazer uma apresentação ou está se preparando para uma reunião — ou até mesmo está em um momento de flow — pode ser bem ruim. Isso aconteceu algumas vezes comigo e não foi a melhor experiência do mundo!

Não vou entrar muito em detalhes, mas acredito que eventualmente você precisará colocar alguns limites/ajustar a rotina para que tudo fique confortável!

Aqui vale uma dica: ter um escritório pode te ajudar a isolar ambientes, logo, sua casa fica realmente multifuncional e tudo pode ficar mais organizado.

5- Se expor faz parte do jogo

Ao longo do tempo, também percebi que algumas pessoas não se sentem 100% confortáveis em se expôr. Aqui vale a ressalva de que não estou falando de detalhes da vida pessoal e nem que não é um tipo de trabalho para introspectivos.

Está tudo bem se você não se sente à vontade para se expôr. O problema acontece se esse sentimento te atrapalha ou impede seu time de trabalhar de forma empática, organizada e eficiente.

Um dia, durante uma entrevista via Skype, sugeri que a pessoa com quem eu estava conversando ligasse a câmera, porque gostaria de ver além de escutar, assim como ela estava me vendo e escutando.

Isso pode soar invasivo para alguns, mas a motivação por detrás do pedido é a de que somos seres humanos. Olhar nos olhos — mesmo que virtualmente — faz toda diferença se você quer construir uma relação a longo prazo com alguém.

Você já se perguntou porque algumas pessoas simplesmente odeiam falar ao telefone?

É uma excelente prática ligar a câmera em uma vídeo conferência.

Nem toda empresa está preparada…

Por outro lado, nem toda empresa está disposta a pagar o preço de promover uma cultura de trabalho remoto. Aqui estou utilizando “pagar o preço” no sentido de que qualquer escolha tem um trade-off.

Nesse sentido, é uma verdade que nem todas podem ser dar ao luxo.

Ter uma cultura de trabalho remoto é mais do que permitir que as pessoas trabalhem de casa ou de qualquer lugar. Tem muita organização interna e esforço para fazer acontecer.

Promover uma cultura de trabalho remoto envolve: times organizados, rituais e rotinas importantes para alinhamento, processos comunicados e documentados em um nível quase exaustivo, líderes esforçados para criar um clima de segurança psicológica à distância, investimento em infra-estrutura etc.

É óbvio que se espera que qualquer empresa tenha processos claros — isso não deve ser uma característica apenas de quem promovem um trabalho remoto. Entretanto, trabalhar remoto em times sem processos minimamente documentados se torna uma experiência frustrante e quase impossível.

Talvez seja por isso que muitas empresas rejeitem essa modalidade. O que você pensa sobre o assunto?

Eventualmente fico na TV, em frente a um monte de gente 😅…

Para o alto e além!

Para finalizar esse longo texto, preciso dizer que trabalho remoto e trabalho presencial não são antagonistas. Na minha versão eles são complementares e se usados de maneira inteligente, potencializam a capacidade de desenvolvimento tanto das pessoas e empresas.

E você, o que acha do assunto? Quais são as suas opiniões?

Super obrigado a todo mundo que me ajudou e puxou a minha orelha nesse tempo, em especial uma galera que está/esteve muito próxima trocando ideias sobre o assunto: José Abuchaem, Damian Horn, Raquel Lisboa (não tem medium 🤦‍♂ hehe), Dannie Karam, Bruno Rodrigues, Nicolás J. Engler, Natalia Dalbem, Pedro Vargas, Bruno Fernandes, Mariana Braga, Roberto Ortiz e mais um monteeeeee de gente.

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