Se você gosta de liderar, está fazendo isso errado.

Dannie Karam
6 min readMay 2, 2018

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Por algum tempo, não muito distante, cheguei a questionar minha vontade / capacidade de liderar pessoas. Apesar de um time compacto, a responsabilidade como líder de branding para Nuvem Shop, plataforma de e-commerce onde trabalho há quase cinco anos, vem aumentando. O time aumentando em número de pessoas, o desafio de motivar as mesmas pessoas pelo tempo, ou o entendimento do impacto dessa função, por exemplo, começaram a mexer nas minhas estruturas profissionais.

Chamei o meu próprio líder pra uma conversa. Desabafei, e como sempre, ele me colocou pra pensar. Essas maturações que ele provoca às vezes são instantâneas, mas as melhores, eu demoro umas semaninhas pra absorver. E foi então que eu me dei conta disso. Se eu estivesse gostando de liderar, é porque estava fazendo errado. E posso explicar.

Você avalia pessoas

Pra começo de conversa, parte da tarefa de um líder é avaliar pessoas. Não sei se isso é característica da minha personalidade, mas acho pouco provável que todas as pessoas sintam-se confortáveis avaliando outras na profundidade. Será que eu tenho a moral necessária pra isso? Será que eu sou o exemplo do que preciso pra minha própria equipe?

Uma boa avaliação não é apenas apontar as falhas. É entender como você mesmo pode mostrar um caminho mais eficiente. É ser o exemplo para a correção. E mais ainda: é pontuar um problema de maneira a motivar mudança, e não indignação.

Ou seja: é extremamente delicado, difícil e complexo. É uma autoavaliação constante, uma busca eterna por seu próprio aperfeiçoamento, e uma imersão no exercício da empatia, compreensão e análise. Você precisa pesar contextos, impactos, valores da companhia, personalidade da equipe, seu próprio discurso, seus próprios atos. E isso não é nada fácil.

Você é mal interpretado

Vem com a função. Você vai ser mal interpretado uma série de vezes. Se “defende” a equipe, pode estar desconsiderando a companhia. Se “defende” a companhia, pode estar desconsiderando a equipe. Se une tudo numa coisa só, afinal em algumas empresas isso é possível, ainda assim poderá ser mal interpretado a passar um feedback, a propor uma mudança, a adotar uma estratégia diferente do que todos estavam esperando…

Por melhor que sejam suas ferramentas de comunicação, ser líder significa ter que abordar um milhão de letrinhas para formar uma frase, e ninguém dá conta de um milhão de coisas sempre. Então vai acontecer, você vei ter que se explicar, e mais: você vai ter que se explicar para sua equipe.

Engana-se o líder que pensa que não deve satisfações à seu time.

Pelo extremo oposto! Você deve ser transparente, deve corrigir suas falhas comunicacionais, deve tentar novamente mesmo que na sua mente tudo pareça claro o suficiente. Porque o mais importante é o bem estar e desenvolvimento do seu time, e não o seu.

Se estão falando mal de você, estão certos.

Outro problema que vem de mãos dadas com a função: pessoas falam mal dos chefes. Dos líderes. Mesmo que não os odeie. Falam de coisas que eles precisam melhorar, e dividem isso uns com os outros, não porque estão fofocando. Mas porque quando nós estamos avaliando alguém que está (ou deveria estar) acima da nossa capacidade técnica no momento, é quase que necessário a gente validar se tem razão. E a gente faz isso no outro.

Como posso ter certeza que meu líder está mesmo cometendo uma falha, se eu não tenho a mesma visibilidade que ele? Os mesmos problemas que ele? E acima de tudo, a mesma capacidade de solução que ele, atualmente? Eu preciso sentir se isso impacta só a mim. E aí começam as conversas. E quer saber? Se estão falando mal de você, motivo tem.

Acontece que uma equipe que está bem relacionada com seu líder, vai conversar, mas vai levar pra ele/ela as conclusões. Vai expor os problemas, vai apontar o dedo na sua ferida de gestor. E aí vocês, juntos, poderão entender e ajustar, fazendo todo o time crescer. Mas enquanto isso não acontece, e se não houver espaço para que isso aconteça, tenha certeza: sua equipe tem razão.

Você está falhando na comunicação, está falhando na organização, está falhando no alinhamento de expectativas…

Em algum lugar você estará sempre falhando, porque esse é seu papel. Tentar.

Tentar coisas novas para as companhias, para as equipes, para os projetos. E tentativa vem com falha, e a falha vem com platéia. É a lei da vida. Mas não significa que a gente gosta de ser tema dessas conversas, não é mesmo? O jeito é se aproximar da equipe cada vez mais e ter certeza que eles serão cada vez mais compreensivos com seus erros, assim como você terá abertura para receber os deles.

O impacto do trabalho é profundo nas pessoas

Isso muda muito de pessoa para pessoa. Para algumas, o trabalho é um item decorativo. Para outros, é a motivação da vida. E você vai lidar com todo tipo de gente quando se tornar um líder. E eles estarão atentos às suas ações, seja pra jogar mais um “trabalho chato” pro alto, seja para encontrar uma razão pra vida.

E eu não sei você, mas detesto saber que a gente tem esse tipo de “poder” nas mãos. É muito sério o que você causa em alguém quando o demite. Quando o contrata. Quando o promove. Quando o adverte. Você não sabe se essa pessoa vai chorar, vai sorrir, vai ignorar. Se ela vai estudar mais, se ela vai mudar de emprego. E acima de tudo você não sabe como ela está além do trabalho para entender como sua ação vai resultar nela.

Numa reação mais extrema, já vimos várias vezes no jornal, pessoas tirando a própria vida por conta do trabalho. Seja por ter sempre sido maltratado, seja por ter trabalhado muito mais do que podia, as consequências perdemos de vista. Pessoas se divorciam. Pessoas passam a beber. A fumar. Ou param. Adotam rotinas mais saudáveis, vivem melhor. Tudo por conta de uma atividade cuja função de observar, avaliar e intervir é sua!

É extremamente desconfortável impactar a vida de alguém! Porque isso mostra como você mesmo precisa sair da sua zona de conforto um tanto de vezes.

E mais! Como líder, você representa uma companhia. Você nem sempre sabe, mas existe uma história para aquela empresa existir. O suor de alguém, a luta, o sonho, anos de dedicação. Existem investidores, clientes, parceiros. Existem pessoas que estão entrando em contato com aquela marca pela primeira ou última vez, e você, como gestor, precisa estar preparado para respeitar isso também.

A verdade é que é exaustivo deter essa responsabilidade. E por que fazer, então? Porque alguém precisa. Alguém que se importe de verdade com a companhia e com as pessoas. Que entenda esse peso e queira que esse impacto seja positivo. E há alguma coisa de muito cansativo e muito bonito nessa decisão diária.

A função pesa na sua vida pessoal

Se você for um bom líder, você não pode fazer da sua vida o que bem entende. Você não pode colocar tudo na mala e ir embora pra outro lugar de um dia para o outro. Você não pode não trabalhar porque está com preguiça. Você não pode se dar ao luxo de negar um espaço de conversa com a equipe. Você não pode não se envolver com as questões da companhia, façam parte do seu time ou não.

É uma função 24h/dia, 7 dias por semana, e que se mistura na profundidade com quem você é. Se você é um bom líder, é empático. É estratégico. É cuidadoso. É proativo. Busca conhecimento contínuo. Pensa o tempo inteiro em soluções (espero muito ser uma líder tão completa assim um dia!!!). Você se importa! E não tem como fazer isso só das 09 às 18h. Ou você é ou não é.

E assim, impacta em suas escolhas pessoais. Desde as mais simples, até as mais profundas, como quando ter um filho, por exemplo. Isso tudo pode ser impactado por sua função. E aí como priorizar? Como definir quando sua “família-time” virá antes do seu “time-família”? E vice-e-versa? Até quando abrir mão de partes de si para isso?

Essa medida, só você em seu íntimo poderá encontrar. Mas não sei se eu vou acreditar caso você me diga que são escolhas fáceis. Não são. Às vezes, o simples fato de cuidar de si se torna um ato de egoísmo, quando seu time também precisa do seu cuidado. Quando sua companhia também precisa de reforço. E setar esses limites é complicado, turbulento e demorado até que seja natural.

Ao fim do dia, ser líder não ter um cargo. É assumir uma personalidade.

É carregar o peso destas decisões em troca de resultados para gestores, sorrisos para pessoas, desenvolvimento coletivo e sucesso de todos. Não (só) seu. De todos. E o que você ganha com isso?

No meu caso, é uma tremenda honra de assistir essas pessoas tão mais capacitadas que eu, inclusive, se tornarem profissionais ainda mais reconhecidos pelo mercado, crescerem, e gerarem para si mesmos as vidas que eles desejam. E ainda que eu um dia não possa mais estar nesse papel, espero de verdade que alguém tenha visto esse período com bons olhos.

Porque ser líder é isso: é saber que valeu à pena pra mais alguém.

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Dannie Karam

Comunicadora / Líder de Branding da Nuvem Shop / Autora do livro Edifício de Alice disponível na Amazon ;)