Ensaios da Madrugada: A despersonificação dos homossexuais enclausurados no armário

Efeitos da vida no armário.

Lucas Panek
Não faz a frígida
3 min readMay 23, 2016

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Entenda: quando você dirige palavras de ódio aos homossexuais que não saem do armário, seja por falta de coragem ou opção própria, quem está errado e sendo injusto é você. Essa situação é resultado da opressão social, do medo ou da imagem negativa que a homossexualidade tem na sociedade. Você precisa entender isso. As pessoas que estão no armário precisam se dar conta disso.

Mas por que falar disso agora e apontar algo que parece ser tão óbvio? Porque isso é uma constante na vida dos LGBTQs. Você sempre estará um pouco dentro do armário. E essa conclusão é exemplificada quando nos deparamos com as #sigilo e #descrição em aplicativos gays. Ou quando ouvimos a história da finalista da 8ª temporada de RuPaul’s Drag Race, Kim Chi, que nunca contou para a sua família sobre o seu trabalho como drag queen, nem mesmo depois de se consagrar como uma das melhores artistas do planeta, por medo da reação. Mas foi só quando lembrei da história de um amigo que me dei conta de como viver no armário vai além de uma questão de anonimato. Ele despersonifica a luta dos LGBTs.

Ao longo do último mês, eu refleti e li muita coisa sobre o momento em que os homossexuais passam no armário. Pensei sobre a metáfora desse móvel de madeira grande com duas, quatro ou oito portas, mas a compreensão do fenômeno me fugia todas as vezes.

História de um amigo

Foi quando lembrei da história desse meu amigo, que eu já entrevistei muitas vezes para reportagens e documentários, que eu me dei conta de como esconder sua orientação sexual não te transforma apenas em um gay anônimo, mas também tira a humanidade de você.

Logo que passou a se dar conta da sua identidade sexual, ele começou a ter quase que uma vida dupla. A sua persona gay só existia em baladas e espaços onde ser LGBT era permitido. Fora de lá, ele era mais uma pessoa que escondia a sua verdade. Nessa época, eu o entrevistei para um documentário de rádio e lembro de ter colocado seu nome. Afinal, ele havia autorizado e o trabalho só seria ouvido dentro de sala. A crítica da professora foi: você não pode colocar o nome dele, é anti ético. Ela estava certa, porque fora dali, a história dele não existia. A história dele seria apenas mais um discurso sem uma voz.

Algum tempo depois, ele fez um intercâmbio na América do Norte, mais liberal, e sua experiência e visão sobre as questões da sexualidade humana amadureceram ao ponto de planejar se abrir para a sua família. A nossa conversa rendeu uma entrevista incrível, com muitas lições importantes para quem pensa em sair do armário. Mas, mais uma vez, eu não podia colocar seu nome e expor sua história. Mais uma vez, aquela importante história era contada e escrita sem sujeitos.

Eu não tinha me dado conta disso porque eu estava bebendo direto da fonte, então sabia de onde aquela inspiração vinha. Mas hoje mesmo, ao escrever sobre esse fenômeno, não sei se posso citá-lo. E mais uma vez o anonimato, forçado pela opressão da heteronormatividade, despersonifica os agentes da luta LGBTQ. E assim, as nossas histórias perdem o seu poder e são apagadas.

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