Uma nota sobre Cuba, Fidel Castro e a demagogia política

Ontem, dia 25 de novembro de 2016, El Comandante morreu e acabou suscitando ardentes discussões e divergências nas redes sociais.

Junior Ferretti
o absorto
7 min readNov 27, 2016

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Fidel Castro. Disponível em: <http://cdn.history.com/sites/2/2014/01/castro-H.jpeg>

Em 1898, finalmente, após duras batalhas com a participação estadunidense, Cuba estava livre do domínio colonial espanhol. Até 1902, ano em que elegeu seu primeiro presidente, o país permaneceu sob ocupação ianque. A Emenda Platt selou a permanência da influência dos Estados Unidos no país, acordando fornecimento de matéria prima e abertura para a intervenção militar, caso necessário.

Em 1952 o general Fulgêncio Batista, com auxílio (de você já sabe quem), deu um golpe de Estado, anulando a realização das eleições. A oposição fortaleceu-se gradualmente e em 1953 o advogado Fidel Castro foi detido ao tentar tomar um quartel militar. Sua anistia veio em 1955, quando partiu para o México a fim de se preparar para uma nova tentativa revolucionária. Lá conhece Ernesto Che Guevara — o médico argentino executado em 1967, na Bolívia, enquanto fazia sua jornada “contra o imperialismo”.

Em 1956 desembarcam na ilha oitenta e seis homens sob o comando de Castro, seu planejamento é novamente frustrado e o ataque tem de ser reorganizado, agora para seu sucesso final em 1959, com a retirada de Fulgêncio Batista.

A aproximação com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas aconteceu apenas no decorrer da década de 1960: antes, não havia um sentimento comunista generalizado entre os rebeldes de Castro. Os revolucionários juntaram-se aos comunistas por conta de um inimigo comum: o imperialismo norte-americano, mas não só por isso, já que para os cubanos era útil ter uma proteção dessa magnitude e, para os soviéticos, ter livre acesso a uma ilha aliada há quilômetros das terras do Tio Sam era de alto valor estratégico.

Grosso modo, essa foi a Revolução Cubana.

Castro discursando após a vitória. Disponível em: <https://convencao2009.blogspot.com.br/2015/12/historia-cuba-consolidou-sua-revolucao.html>

Alguns detalhes merecem atenção. Castro não tinha homens suficientes para enfrentar o exército estatal. Seu sucesso se deve não só a sua atuação, mas a participação de diversas outras organizações políticas que, aos poucos, se juntaram à causa revolucionária. O Partido Comunista cubano, que até pouco tempo via Fidel como um “aventureiro burguês”, é um dos que assinaram o Pacto de Caracas, em 20 de julho de 1958, confirmando a unificação das oposições.

A Declaração de Unidade do pacto trazia, em seu segundo ponto, a seguinte proposta:

“Conducir al país, a la caída del tirano mediante un breve gobierno provisional, a su normalidad, encauzándola por el procedimiento constitucional y democrático.”

A história nos mostra que isso não ocorreu e que, ainda que Fidel tenha prometido as eleições para poucos meses após a tomada de poder, a oposição não é reconhecida e luta, até hoje, pela possibilidade de concorrer contra o Partido Comunista, o único legalizado no país.

Os números de Cuba

Um dos pontos notáveis trazidos à tona quando se fala de Cuba refere-se aos aspectos estatísticos da nação. Medicina de qualidade, redução da mortalidade infantil e alfabetização beirando o cem por cento são os destaques.

A respeito da qualidade do sistema médico cubano o Mercado Popular fez um levantamento relevante (com indicações de fonte) que mostra que, bom, não é tudo aquilo não. Segundo as apurações do site, a saúde da ilha é focada em atendimentos primários, com limitações para especializações cirúrgicas e uma política bastante autoritária — como já era de se esperar — de vacinação. A prática frequente de abortos reduz drasticamente o número da mortalidade infantil (sic), já que “Em Cuba, qualquer gestação que sequer insinue alguma complicação é ‘terminada’.

Os outros números, como o que se refere a educação, já eram altos antes da Revolução Cubana. O historiador Luis Fernando Ayerbe (2004), faz menção a alguns destes números: sexto lugar mundial no ranking de carros por habitante, sétimo regional na importação de tratores, primeiro lugar da América Latina com relação ao número de televisões, sexto em número de jornais, quarto em número de rádios e salas de cinema. A expectativa de vida da ilha era já próxima da terceira das repúblicas latino-americana e o número de médicos por habitantes já se destacava. Em uma reunião de dados sobre o país o Spotniks aponta outros números surpreendentes, como a taxa de 76% de alfabetização e uma mortalidade infantil menor que as dos Estados Unidos e Canadá no mesmo período. O artigo ainda faz notar o pífio desempenho econômico da gerência socialista se comparado com países como Botsuana no mesmo recorte temporal. É evidente, no entanto, que tudo isso em um país sem liberdade, como era no repressivo governo de Batista. As estatísticas positivas na ditadura do general não faziam da vida dos Cubanos a melhor do mundo, mas, como lembra o artigo supramencionado, “não foi com a Revolução que tudo isso acabou”.

Se isso não melhorou a culpa é do embargo!

Em parte sim — e ainda que não faça sentido um país socialista culpar os capitalistas por não comercializarem com ele: o embargo não impediu totalmente o comércio exterior da ilha. Como este outro artigo do Spotniks aponta, além de comercializar principalmente com os EUA, a ilha tem uma movimentação comercial internacional proporcionalmente maior que a do Brasil.

Revolucionário bem intencionado ou genocida diabólico?

Embora tenha vencido uma ditadura repressiva, realizado reformas de base e adquirido popularidade, Castro transformou-se no que tanto criticava: um líder autoritário e violento.

A matéria produzida pelo jornal El País resume bem a história do revolucionário num excelente texto, dentre suas atitudes no governo, ressalta-se:

“Já em 17 de maio de 1959, Fidel deu início a uma reforma agrária que expropriou os grandes latifúndios produtores de açúcar, muitos deles norte-americanos, ao que se seguiu uma série de medidas de cunho social. As escolas religiosas foram nacionalizadas, houve uma campanha nacional contra o analfabetismo, e tanto a educação quanto a saúde passaram a ser gratuitas e universais. Em junho, Fidel abandonou a promessa de promover eleições livres em 18 meses (“Primeiro a revolução, depois as eleições”, disse) e empreendeu um drástico reordenamento das instituições […]”

Recentemente Fidel reconheceu a perseguição de homossexuais, e sua sobrinha, Mariela Castro, também admite tais fatos. Nesta entrevista a professora mestre em sexualidade afirma que as atitudes homofóbicas do governo cubano são culpa “das heranças culturais” — os revolucionários inovaram, todavia, ao pretender corrigir os gays em campos de trabalho forçado. As políticas LGBT tem desenvolvimento lento na ilha. Em 2008 a primeira Parada do Orgulho Gay foi cancelada pelo Estado. Quando, em 1979, a homossexualidade deixou de ser crime em Cuba, outros países como França, México, Argentina e Canadá já não condenavam judicialmente as relações homossexuais.

Fuzilamentos de opositores eram frequentes, Che Guevara e Fidel Castro reconheceram orgulhosamente as práticas. Vagam pela internet dados que indicam mais de 100 mil mortos pelo regime castrista. Dados mais conservadores indicam, no entanto, 3.615 mortos por esquadrão de fuzilamento e mais de 1000 execuções extrajudiciais. O mesmo relatório ainda informa que Batista é responsável direto por cerca de 1200 assassinatos, durante seu governo.

Fidel Castro auxilia guerrilheiro cubano. Disponível em: <https://tormentopabulum.wordpress.com/2016/04/10/guerrilheiro-cubano/>.

Mais recentemente, em 1996, o Estado Cubano foi acusado de afundar uma pequena embarcação com cerca de 72 pessoas a bordo, que pretendia abandonar a ilha. A denúncia chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que acabou responsabilizando o governo cubano pela violação do direito à vida — já que 41 pessoas morreram —, da integridade pessoal e do direito de ir e vir. A derrubada de dois aviões de civis americanos também foi admitida pelo governo cubano.

De fato, Fidel revolucionou não só a pequena ilha de Cuba, mas o mundo: mostrou que é possível desafiar os Estados Unidos e sair vivo — não necessariamente inteiro. Marcou, como afirmou o presidente Temer (no típico estilo isentão), “a segunda metade do século XX com a defesa firme das ideias em que acreditava” e representa, ainda, o “símbolo de uma Era”, como colocou o presidente russo, Vladimir Putin, já que permaneceu como um fragmento incômodo da Guerra Fria.

Sua importância não impede, no entanto, que o critiquemos. Os índices econômicos e sociais não nos fazem exaltar o Regime Militar brasileiro, a Revolução Cultural Chinesa ou a ascensão do Nazismo. O “bem comum” não pode justificar o mal individual generalizado, como fazem alguns:

“Para os ativistas, o mal não está no crime em si, mas em quem a pratica. No adversário, é uma falha grave; nos companheiros, é apenas uma ação tática — ou estratégica, a depender do teórico — para implementar um projeto que beneficiará a todos.”

A morte de Fidel é um passo fundamental para a construção de uma democracia para o povo cubano?

O clichê é válido: só o tempo dirá.

Quando o outro Castro partir, conversamos novamente.

Para além das linkadas, outras fontes consultadas:

AYERB, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: UNESP, 2004.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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