João Paulo Miranda, diretor de "A Moça que Dançou com o Diabo", Menção Honrosa No Festival de Cannes (2016) — Foto: Lex Kozlik

O caipira que dançou com o capeta

Ou Jeca Tatu em Cannes

Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto
7 min readOct 18, 2016

--

Meu encontro com o cineasta paulistano João Paulo Miranda, vencedor de Cannes.

Aconteceu em Curitiba a estreia nacional e latino-americana do curta-metragem A Moça que Dançou com o Diabo (Brasil, 2016. Dir.: João Paulo Miranda). O filme só havia estado em um Festival antes: Cannes. Saiu premiado.

Sim, em 2016 teve brasileiro ganhando Menção Honrosa em Cannes. Mesmo não levando a Palma de Ouro, o prêmio mais conhecido e usual do Festival, João Paulo Miranda não saiu com as mãos abanando. Levou Menção Honrosa do júri. “Quando o filme tem uma originalidade, uma distinção artística, eles querem fazer uma menção especial”, nas palavras do próprio diretor. “É algo mais raro. É o prêmio do prêmio, tem o significado desta distinção.”

Longe de ser uma novidade, o diretor já era reincidente em Cannes. Tinha estado lá no ano passado, na mostra paralela — a Semana da Crítica — com o curta Command Action. “Depois, eu fui em dezembro, fiquei umas duas semanas em Paris, no LAB, um laboratório de desenvolvimento de projetos ligado à Semana da Crítica, trabalhando o roteiro de um longa em que eu já vinha escrevendo”, conta João Paulo. “O que eles não esperavam é que quando eu voltasse eu já tivesse feito outro filme.”

João Paulo Miranda e eu | Lucca Café | Foto: Lex Kozlik

Segundo João Paulo, eles ficaram surpresos com a velocidade do retorno. Porque uma das coisa que acontecem, é que jovens cineastas aparecem com seus filmes de estreia e depois não voltavam mais. Não conseguem. “E eles querem, de alguma maneira, criar uma relação com as suas descobertas. Porque quando Cannes descobre seu filme, a ideia é que esteja descobrindo um novo talento e que você dê certo, traga frutos”, explica ele. “Preferencialmente um longa-metragem.”

Produzido com o dinheiro de uma rifa, o primeiro filme que levara João Paulo a Cannes também já tinha sido viabilizado assim. “Não foi a primeira opção. Tentamos financiamento coletivo, depois Roaunet. Não conseguimos. E aí, fizemos a rifa. Arrecadamos mil reais.” Para A Moça que Dançou com o Diabo a arrecadação caiu pela metade: R$ 500,00.

Com 33 anos, formado em Cinema pela Estácio de Sá (RJ), mestre pela Unicamp, residindo e produzindo cinema em Rio Claro, no interior de São Paulo, João Paulo faz “cinema caipira”. “Quando eu digo isso, as pessoas pensam que eu sou seguidor do Jeca Tatu, do Mazzaropi, faço filmes de temática rural”, ri-se João Paulo. “Não é nada disso. A ideia está ligada à simplicidade. Fazer do simples, algo grandioso.”

Quinhentos reais… Lembra!?

“Aqui, neste café, eu posso fazer um filme que vá para Cannes. O que eu preciso é olhar as potencialidades do lugar, saber ver. Como aqueles caipiras que ficam sentado em frente à casa e olham a vida passar, observando os detalhes. Você tem que ter a paciência e a humildade para olhar ao redor, identificar a beleza de cada coisa. Sabendo olhar, você certamente vai conseguir fazer daquilo uma obra de arte. Tudo que você precisa para fazer uma obra já está do seu lado. O que você precisa é amadurecer o olhar para aquilo.”

João Paulo gosta, sempre gostou, de trabalhar com lugares feios, pessoas marginalizadas. “É algo meu desde adolescente. Eu desenhava os super-heróis feios, o Batman gordo… Eu sempre me interessei por personagens grosseiros, rústicos. Coisas meio tortas, supostamente erradas. Isso para mim sempre foi interessante. O universo do cinema é todo certo, todo perfeito. Eu quero destruir essa perfeição.”

O diretor, que gosta muito de dirigir não-atores, conta que não se deslumbra. Quando pergunto se voltou de Cannes andando dois centímetro acima do chão, ele responde que, “por ser do interior, quando vejo este tipo de oportunidade eu fico muito inspirado, quero fazer mais. Quando eu fui a primeira vez e eles gostaram, saí de lá com vontade de ir além.” E foi!

Trata-se de uma consolidação. “Porque a primeira vez, muita gente diz: ah, quem é você?, nunca ouvi falar, você não é do eixo Rio-São Paulo!?, é do interior!?, como assim!? Ficam meio desconfiados, achando que é sorte. Quando eu voltei pela segunda vez, foi bem diferente. Já era um olhar: pô, esse rapaz tem alguma coisa”.

O próximo filme, primeiro longa de João Paulo, não será produzido nem por rifa, nem por financiamento coletivo, nem por lei de incentivo. Será bancado por uma produtora francesa, outra brasileira, a serem escolhidas dentre as várias que se dispuseram a produzi-lo.

Desde a estreia em Cannes, João Paulo tem recebido inúmeros convites. “Antes do próprio Festival já começou o burburinho. As pessoas mandavam e-mail do exterior. Recebi uma ligação de Beverly Hills, Califórnia. Atendi. Era um agente dos EUA.” O agente representava ninguém mais, ninguém menos do que figuras como Tim Burton, Tarantino e Christopher Nolan. Ele queria saber quais os próximos projetos do paulistano.

“Mas como assim?”, João Paulo perguntou. “Eu cheguei a falar: eu fiz um filme simples, no interior do Brasil, sem dinheiro, com pessoas caipiras, bregas, feias, cafonas, porque eu gosto de falar sobre personagens rústicos, que muitas vezes são desvalorizados, marginalizados… Vocês aí devem estar procurando diretores para fazer filmes sobre super-heróis, eu falei para ele.”

Os dois deram muita risada e o agente respondeu que não era bem assim. “As pessoas imaginam que a gente está procurando diretores que imitam Spilberg, Tarantino, Nolan, mas não é”, continuou o agente. “Estes, a gente já tem. A gente quer alguém que faça algo diferente de tudo isso. Nós é que vamos fazer virar comercial”, finaliza ele. “Nós estamos interessados em novos olhares.”

O americano finalizou a ligação perguntando se João Paulo já tinha se imaginado dirigindo Angelina Jolie. “Não”, respondeu João Paulo. “Pois vá imaginando. Estas atrizes querem ser desafiadas. Querem papéis dramáticos, diferentes, e você pode ser uma destas pessoas que trará estas coisas ousadas.”

Mas, pelo menos por enquanto, o paulistano não vê ainda a produção de um filme norte-americano como a oportunidade ideal. Fazer seu projeto original é mais instigante para ele.

João Paulo Miranda durante a 5a. Edição do Festival Internacional de Cinema de Curitiba | Junho/2016 |Foto: Lex Kozlik

OLHAR — FESTIVAL

Em relação à estreia na 5a. Edição do Festival Internacional de Cinema de Curitiba, João Paulo fala que estava muito interessado em ver a reação do público brasileiro. “Acabei conseguindo, ainda que falem que o público curitibano é contido e então não tenha tido manifestação forte”, conta ele, que se disse apreensivo em relação à “lenda urbana” nacional de que Curitiba é uma plateia-teste. “No Festival de Brasília, por exemplo, o público vaia ou aplaude em pé, calorosamente”, compara ele. “É uma coisa comum nos festivais. Aqui, ninguém aplaude. Os primeiros filmes passaram e ninguém falava nada. Acabava o filme e todo mundo ficava assim, quieto. Eu ficava pensando como ia ser no meu.” Mas o público entendeu, conta ele.

Modéstia à parte, pergunto se ele acha que seu filme era o mais aguardado dentro daquela sessão. “Acho que acaba sendo, porque era o filme que tinha ido para Cannes, estava todo mundo curioso, foi o único filme brasileiro da sessão”, confessa ele, enumerando os motivos.

Lá em Cannes, uma história bastante interessante aconteceu: “Você tem um monte de exigências a serem cumpridas”, conta João Paulo. “A legenda que eu levei para o filme não foi aceita porque estava fora de sincronia, e eu tive que refazer na França. Só que, no sistema, conflitaram os arquivos e, na hora da projeção, foi projeta a legenda errada. Quando perceberam que estava errado, pararam o filme e começaram de novo. Só que estava errado novamente. Na terceira vez, acertaram e ocorreu tudo bem.”

A plateia, então, viu o primeiro plano do filme várias vezes, como um bis ao contrário. Quando o diretor saiu da exibição, alguns jurados vieram falar com ele: “aquele erro foi algo maravilhoso! Porque a gente viu seu plano de abertura, que é sublime, três vezes! E a gente não enjoava de ver e descobrir quantos detalhes você pensou. Detalhes que à primeira vista não se conseguia ver.”

"A moça que dançou com o Diabo" (Brasil, 2016 — Dir.: João Paulo Miranda), curta-metragem brasileiro premiado com Menção Honrosa em Cannes | (Imagem — Divulgação)

A moça que dançou com o Diabo é um filme que tem um certo duplo sentido, nas palavras do próprio João Paulo, e que por isso ele achava que talvez fosse criar uma confusão. “Mas o público entendeu”, diz ele. “Foi o modo de eu confirmar que tinha acertado a mão.”

Aliás, A moça que dançou com o Diabo foi a maneira de confirmar seu próprio cinema e sua própria linguagem. Apesar de já ter sido selecionado em Cannes, João Paulo ficava tímido, pensando que pudesse ser apenas sorte. Só tinha um jeito de provar: fazer o segundo filme e ver se entrava. Se entrasse, era porque estava fazendo a coisa certa. Entrou.

Participar de Cannes uma vez é difícil. Duas vezes, coisa rara. Duas vezes seguidas, raríssima! Ser premiado!? Quase impossível! Ser premiado com Menção Honrosa, então!? Algo histórico. Um momento único, que João Paulo está vivendo agora.

--

--

Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto

Escritor e jornalista literário. Autor do romance "Quero ser Fernanda Young". Curitiba.