A Rabeta

Lucas Rezende
O Bloco de Notas
Published in
2 min readApr 20, 2018
[Vida ribeirinha]

Que bela rabeta tem dona Lúcia, antiga, mas sempre potente. Faz o tudo que lhe é de direito: não há um Ser deste lado do Solimões que tenha alguma reclamação a fazer. Antes de qualquer confusão, deixe-me lhe explicar que o barquinho com um pífio motor é um dos mais certeiros símbolos do interior amazônico, e como tal, está presente no vocabulário de quase todo amazônida nascido na terra do sol moreno, seja este corado ou não que nem jambo.

O fato que este é um significado apenas para esta mesorregião, mas a palavra não. Anos atrás, em específico o tempo dos antigos, pouquíssimos associariam, como fazem hoje de forma quase herética, a palavra rabeta a uma parte do corpo (sim estamos falando de bunda. “ Vai rabetão, tão, tão, tão”).

É parte da construção da linguagem de um povo a significação e ressignificação das palavras, o curioso aqui é que num país continental onde existem regiões, sotaques e culturas diferentes, essa construção não é a mesma em toda a extensão dessas terras tupiniquins, o que é de se esperar. Para maior parte dos cabôcos (ou caboclos, para os cultos) rabeta continuará sendo sempre esta mínima-porém-imponente embarcação, ao passo que nas outras regiões rabeta tem sua outra significação.

Isso mostra como o Brasil é este país desconhecido para os que o habitam. Quando eu falo coloquialmente (o meu coloquialmente, de um herdeiro do Forte de São José da Barra do Rio Negro) causo um certo desentendimento aos meus colegas de classe, todos com origem em algum interior paulistano. Quando abro a boca pra falar do desejo de comer um kikão naquela fome pré-madrugada vem o espanto e até risadas. Ora, como saber que kikão é uma invenção do norte, quiçá do Amazonas?

Como chamar alguém de galeroso não remete ao estereótipo que eu e você formamos na mente neste exato momento? Questionar a leseira de alguém e perguntar se a pessoa tica bodó?

É estranho aceitar isso. Porém, deveras necessário. Por fim, fica na minha mente que:

Ao me mudar, mudei-me, e mudei também, o meu entorno.

E é isto, senhores, um manauara vivendo no interior paulistano e escrevendo pensamentos e crônicas, afim de não surtar em uma cidade com 2500 habitantes. Se gostar pode deixar seu aplauso (de 1 a 50), um beijo, um cheiro, um abraço, e até.

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