O Porta-tempero

Empatia envolvendo o seu colega de quarto

Lucas Rezende
O Bloco de Notas
5 min readMar 13, 2018

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Nessa tal de Terra, onde ataques covardes a integridade de pessoas e excessos de violência gratuita todos os dias, impossível não termos ouvido por aí o significado de empatia. Muito bem, eu sei e você sabe que é basicamente colocar-se no lugar do outro. Isso se aplica ao nosso primário, onde a professora (a tia Vera) dizia pra gente não morder o coleguinha, também se aplica a não furar a fila na hora do almoço. Ou seja, a empatia é uma coisa que permeia toda nossa vida, desde as coisas mais delicadas até às mais cotidianas. Como por exemplo, não guardar o porta-tempero em cima da geladeira. Parece um exemplo estranho de empatia né, senta aqui do lado que eu te explico.

Há quase um mês me mudei para outra cidade, e a fim de diminuir gastos optei por dividir apartamento com outro estudante que faz o mesmo curso que o meu, porém em outro turno. Até aí tudo bem, me parecia ter sido a melhor ideia do mundo dividir um apartamento com uma pessoa que eu nunca tinha visto antes e não sabia nada sobre. O que mais me confortava era saber que ele também estava na mesma situação que eu e passando pelos mesmos dilemas, além, claro, de um contrato assinado e com validade de um ano.

Na primeira e segunda semana foi uma maravilha, nos demos muito bem logo de cara, mesmo sem termos gostos parecidos, tivemos longas e ótimas conversas sobre temas diversos, além de trocarmos muitas ideias sobre a faculdade: professores, colegas de classe, trabalhos, tarefas e tudo o mais.

Com o passar da empolgação inicial, minha mente começou a apitar mais alto em relação a pequenos detalhes, que na verdade sempre estiveram ali, mas só nessa hora vieram à tona. Para ilustrar esses pequenos empecilhos faço agora uma série de perguntas ao leitor: na sua casa, onde ficam guardados os talheres de mesa? Será que na primeira gaveta como em 99% das casas? E as vasilhas plásticas? As Tupperware? As tampas das mesmas? Ficam dentro do armário ou em alguma gaveta? E o porta-tempero? Este fica perto do fogão? Ou em cima da geladeira (quando a pouca altura desta permite)?

O fato é: se fosse eu respondendo essas perguntas, terias respostas A, ao passo que meu colega tem as respostas B. Por alguns dias, eu colocava o porta-tempero em cima da geladeira, e mais tarde no mesmo dia eu o encontrava na pia, perto da torneira. Tornava a colocá-lo em cima da geladeira, por conseguinte, o encontraria depois, mais uma vez, perto da torneira.

Foi uma verdadeira Guerra-fria: uma luta silenciosa em busca de colocar sua ideologia e ideais como dominantes.

- Mas João, por quê colocar as tampas das vasilhas na gaveta?
- Pra poder ter mais espaço, olha como tá mais vazio!
- Verdade né (concordei mesmo sem concordar).

-João, que tal não colocar os temperos perto da pia? A umidade pode fazer estragar etc e tal

-Tá, pode ser.

(“ao menos uma vitória”, eu pensei)

Dia após dia havia um teste de empatia batendo à porta. Seja o lixo esperando para ser jogado fora, seja o espaço a mais ou a menos no congelador, seja até o guardar a louça depois de seca. Era um eterno dilema na minha cabeça: “mas de quem é a vez? Será que eu faço tal coisa mais do que ele? Será que menos?”. Até que então veio a fadinha da empatia e falou pra mim “mas e aí Lucas, o que tu queria que ele fizesse por ti?” depois de momentânea epifania, respondi entusiasmado a ela “nossa, é isso!”

Cultivar esse tipo de pensamento é quase um elixir da vida tranquila. Minha consciência estava sempre em paz, levíssima. E esse mesmo elixir me afastava as dúvidas e qualquer negatividade. Se em algum momento ele tirou proveito do meu exercício de empatia, a consciência dele que o julgue, não serei eu.

Descobri o segredo da boa convivência!

Estava sempre tentando fazer minha parte, tendo em mente que se talvez eu achasse que ele não estava fazendo a dele, talvez eu estivesse “achando errado”. Quem sou eu pra dizer o que ele deve ou não fazer? Se ele se esquecia de enxugar a pia é porque talvez nunca na vida ele o fizera antes de sair da casa da mãe. Em resumo, se o que eu esperava dele não correspondia com a realidade, talvez o problema fosse meu crivo e não o discernimento dele sobre os deveres que deveria assumir.

Pena que não foi assim até o fim.

O verdadeiro final da história: estamos em processo de “divórcio”. E infelizmente, ocasionado por discussões envolvendo dinheiro. Junto com um sabor amargo que fica depois de brigas que não são inteiramente superadas. Mas isso é história pra outro texto…

A Empatia é uma palavra muito bonita e poderia ser mesmo uma fadinha que aparece do nada quando estamos em situação de desarmonia com o próximo. Ela nos lembraria de que nós não somos perfeitos, logo, erramos também. E por que meu colega de quarto não pode errar? Ele pode esquecer-se de levar o lixo? Se eu tenho esse direito, ele tem também.

Ouvi os conselhos da fadinha o máximo que pude, mas no final, talvez o melhor fosse realmente evitar as situações onde ela devesse aparecer. Explico: Talvez evitar situações de desgaste para as duas partes foi o melhor para ambos, respeitando assim que, embora na tentativa de cada pessoa em se melhorar cada dia mais, às vezes é melhor suprimir de vez as ocasiões X do que tentar passar por elas machucando a si ou ao próximo.

Nós sempre queremos que as pessoas olhem pelo nosso ponto de vista, pelo nosso lado da moeda, pela nossa versão da história. Sabe-se que a distância entre o que eu faço e o que eu espero que o outro faça deve ser nula, mas, pasmem, nem sempre enxergamos assim.

E é isto senhores, espero que o texto tenha acrescentado em algo, nem que seja na lista de textos lidos aqui, se gostaram podem aplaudir entre 1 e 50.

Um beijo, um abraço e até.

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