Entrevista: o idiota que só sabe buzinar

O Boteco
O Boteco
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4 min readAug 30, 2019

Uma das propostas do projeto O Buteco era uma sessão de entrevistas imaginárias. Nosso piloto foi o seguinte texto, escrito em 2016:

Pesquisando essa imagem pra ilustrar o texto encontramos esse blog e achamos que dialoga com o nosso tema: http://kahbell.blogspot.com/2011/04/11-dicas-para-aumentar-o-stress-no.html

Nesta sessão vamos propor a tarefa árdua de fazer entrevistas sem nenhuma base concreta na realidade. Para a abertura, entrevistamos o IDIOTA QUE SÓ SABE BUZINAR

Era próximo do meio dia da última sexta-feira quando o encontramos. Não foi difícil e nem mesmo inusitado. Nosso repórter simplesmente se deslocava para a parada de ônibus a caminho da redação, quando percebeu uma conversão irregular, um “fino” de um carro no outro, quando o “barbeiro” se posicionou ao final de uma fila de carros que paravam no semáforo fechado.

Farejando o que poderia ser uma entrevista exclusiva, o jovem escriba observou atentamente quando a luz do semáforo passou para verde, mas o fluxo de carros não destravou. Ato contínuo — se apresenta o nosso entrevistado — O IDIOTA QUE SÓ SABE BUZINAR começa uma barulheira infernal como que tentando mover a fila de carros pela força do som. Ao perceber que não conseguiria passar o cruzamento antes do fechamento, nosso prosaico personagem ainda tenta uma sequência ainda mais rápida de buzinadas. Em vão. Teve de esperar a próxima luz verde.

Oportunidade para o nosso repórter, já com bloco e caneta em mãos, atravessar a rua e bater no vidro fechado do carro. Sem nem mesmo olhar, O IDIOTA QUE SÓ SABE BUZINAR acena com a mão mandando-o embora. Nosso repórter insiste, gesticula com bloco e caneta, e quando o vidro é baixado tem início nossa entrevista.

O Seu Boteco — Eu sou repórter d’O Boteco, só queria fazer uma entrevista. É que não dá pra passar uma oportunidade dessas, né.

O IDIOTA QUE SÓ SABIA BUZINAR — Entrevista? Que maluquice é essa? Por quê?

OB — Ora, o senhor é uma figura folclórica no trânsito do nosso país. É de interesse público entender sua vida, sua visão de mundo, enfim, o seu comportamento.

OIQSSB — Tá, tá, tá, mas fala logo que eu tô com pressa e o sinal vai já abrir.

OB — Em primeiro lugar, queria confirmar se o senhor tem a carteira de habilitação, ou melhor, se pelo menos passou pelas aulas de legislação pra tirar uma carteira. Vi que o senhor não respeita muito o código de trânsito pela conversão que fez ali atrás.

OIQSSB — Conversão?… tu tá falando do retorno?

OB — É… apesar de não ser um local em que fosse permitido…

OIQSSB — Olha só, esse negócio de legislação, estudar lei pra dirigir é só uma formalidade, tá sabendo? Não tem nada a ver aquilo lá com o dia a dia, com a vida real. Nem faz sentido aquilo. Mas eu estudei sim, tirei minha carteira do jeito certo. [orgulhoso] E nem precisei molhar a mão de ninguém não. Dirijo desde os meus 15 anos, e passei de primeira.

OB — Entendo…Mas então, já que o senhor não acha que a legislação se aplica no dia a dia, faz sentido também não saber que a buzina só deve ser usada de forma moderada e pra fazer alguma advertência pros outros carros.

OIQSSB — Mas quando já… não tem nem sentido. Olha só, a buzina [apontando pro equipamento e visivelmente se contendo pra não buzinar], ela tem que acompanhar a intensidade do que tu quer dizer. É como se fosse a tua voz, mas através do carro, entende?

OB — Entendo não… mas usar de forma errada dá multa, não é?

OIQSSB — Ah, multa leve, não pega nada. E quem fiscaliza, né? Passa em branco, todo mundo faz.

OB — Mas é eficiente mesmo? O senhor acredita que resolve alguma coisa?

OIQSSB — Olha, não importa muito. Como eu disse: a buzina é a tua voz através do carro.

OB — O senhor não se importa de ser um incômodo pros outros?

OIQSSB — Como incômodo? O que é pior, eu dar uma buzinada pra alertar o cara de que ele tem que sair ou deixar ele atravancando o trânsito, piorando tudo?

OB — E por acaso o senhor só usa a buzina em caso do outro carro se distrair quando o semáforo abre?

OIQSSB — Olha, vou repetir só mais essa vez: a buzina é como se fosse nossa voz através do carro. Então, não, não é só no semáforo. A gente usa a buzina quando chega pra pegar alguém em algum lugar, também usa pra gritar pro outro carro não meter a cara na hora de entrar na rua que eu tô passando, usa na hora de ultrapassar, sei lá… é muito uso.

[a luz do semáforo já está prestes a mudar pro verde, ele tá impaciente]

OB — Mas olha só, o senhor se refere só à relação com os outros carros, mas e com relação ao convívio social? A buzina incomoda todo mundo, causa irritação, estresse…

OIQSSB — Mas aí já é demais, né? Olha pra essa cidade, o que mais tu vê? É rua, é asfalto, é tudo feito pra quem? Pro carro, ora! Não tem essa de ‘ai, vai incomodar’, a prioridade é isso aqui [bate no volante indicando o carro], e eu quero é ver quem consegue grita aí mais alto que a minha buzina.

[a luz fica verde, imediatamente o carro atrás dele começa a buzinar]

OIQSSB — Olha só! [gargalhando] É bom saber que a gente não está só, não é?

Ele arranca com o carro cantando pneu e nosso repórter precisa se esquivar ágil para não ser atropelado.

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