Sítio Fazenda Fazendinha

Cabo Verde, Sul de Minas

Dai Dietzmann
O Brasil do Café
7 min readSep 8, 2021

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Essa história faz parte de uma série de conteúdos exclusivos co-criados com a 3Brothers Coffee

Um mergulho pra dentro do verde, um respiro por cima da montanha. Basta olhar atentamente ao redor, abaixo, acima: estamos na Fazenda Fazendinha. Logo que chegamos, sentimos que seria diferente. Ao chegar na cidade de Cabo Verde, no Sul de Minas Gerais, encontramos com Marcos no Centro. Ele estava saindo do penúltimo dia do curso de Classificação e Degustação de Cafés oferecido pelo SENAR. Demos uma carona pra casa e por lá ficamos, um lugar pacato no Bairro Morro das Bicas, sem vizinhos por perto, o silêncio da noite só é rompido pelo grande número de sons que os outros seres noturnos fazem.

A família de Marcos foi uma das primeiras a povoar a região. Seu avô que adquiriu em 1967, onde seus pais casaram e onde o Marcos nasceu. Neide e Bibi, esposa e enteada do Marcos, já estavam preparando o jantar quando chegamos. Marcos precisou subir no telhado porque a internet não estava pegando e Bibi tinha uma palestra da escola pra assistir. Neide e ele se casaram há 3 anos e antes disso o Marcos nunca tinha sido casado. Ele tem 49 anos, mas a timidez e o foco no trabalho com café o fizeram seguir boa parte da vida em um formato mais solitário. Ou seria um caminho de solitude, o prazer de estar sozinho?

As mulheres da casa são da cidade e gostam da vida mais urbana. Se mudaram há uns 2 meses apenas para a roça para ficar junto de Marcos enquanto constroem uma casa na cidade. A grande questão é: será que o Marcos vai se acostumar com a cidade? Ele é um cara da natureza, gosta muito do lugar onde nasceu e cresceu e do formato de vida que se leva ali. Mas ele tem consciência que em um relacionamento é preciso encontrar equilíbrio entre os desejos de um e do outro. Tudo por amor — ou quase.

Já a história de amor entre o café e Marcos é antiga. Quando jovem, ajudava o pai nas atividades da roça. Formou-se na escola agrícola de Muzambinho, como Técnico em Agropecuária e trabalhou 5 anos em granjas de suínos em Indaiatuba, Bragança Paulista, Charqueada. Mas logo depois voltou para o café.

A caminho da sua lavoura, na antiga Ford F75, Marcos nos contou que em Cabo Verde produz, em média, 300/400 mil sacas de café por ano. São mais de 100 hectares de café. Nessa imensidão, ele propõe pausas na andança para me mostrar as belezas do lugar: uma Paineira enorme, florida, rosa, exuberante e contrastante com o verde. Marcos adora essa árvore, usa ela como referência de localização para nos indicar sua lavoura e a dos vizinhos.

Há quase 10 anos que ele trabalha com café especial, e disse que só depois desse curso é que passou a entender o grão como um todo. Da parte produtiva, sabe o que tem que ser feito para qualidade, mas era um mistério o que era o café especial da porteira pra fora. Nesse novo recém feito curso ele passou a conhecer melhor sua própria produção e passou a compreender um pouco mais sobre o que os avaliadores estão buscando e, assim, produzir melhor.

Marcos separa os seus melhores cafés para tomar em casa. Diferente de seu pai, que ficava com a varrição (a pior parte) da lavoura. Além de separar um café chique, ele pede ao Ivan do Café Goulart para torrar. Ou seja, café bem produzido e bem torrado. Ivan colabora bastante com a região, provando cafés com os produtores, aprendendo juntos como podem melhorar.

Cuida de 7 hectares de café, entre as variedades Mundo Novo, Catuaí Vermelho, Bourbon Vermelho/Amarelo e Catucaí. Em média 50/60% ele consegue fazer café especial. Na rotina de trabalho, é ele e os amigos e parceiros Ronei e Jamil na lida. O Seu Jamil está com o Marcos há uns 15 anos, entre várias idas e vindas. Na época da safra, Marcos conta com quatro pessoas para ajudar. Ele comentou que é esperado em torno de 3 mil pessoas de outros estados chegando em Cabo Verde para trabalhar na safra. É quando a cidade se transforma.

Os cafés de Marcos têm selo de região vulcânica, uma denominação de origem que foi reconhecida há uns 3 anos. Refere-se a um recorte de território entre o Sul de Minas e o Nordeste de São Paulo onde um vulcão está extinto há 80 milhões de anos e hoje define uma área de solo vulcânico, com características de clima e relevo que delimita um terroir singular.

Não tem como contar a história do Marcos sem contar um pouco da história da Associação que ele ajudou a nascer, e participa até hoje com muita gana, a Asspro Café. Fundada em 2014, a ideia surgiu a partir de uma pesquisa do CMDRS — Conselho Municipal Desenvolvimento Rural Sustentável que, como resultado, mostrou a dificuldade dos produtores em encontrar mercado e vender melhor o café. E, assim, surgiu a ideia de produzir café de especialidade. Na busca por entender qualidade, descobriram o projeto SOMA, que era desenvolvido no Instituto Federal de Muzambinho. Alunos e professores davam assistência técnica para os produtores para produção de qualidade. Esse foi um contato que mudou tudo, porque, para fazer parte deste programa do Instituto, era preciso ter um grupo formalizado (cooperativa/associação). Foi assim que o grupo começou, com apoio também da EMATER. E foi logo depois disso que o contato com a 3Brothers começou e segue firme até hoje. Hoje em dia 20 produtores fazem parte da associação. Marcos acredita demais no potencial do grupo e por isso investe muita energia na Asspro Café. Comentou que o grande desafio de produzir café especial é conseguir vender bem, e juntos podem colaborar para o crescimento coletivo.

Assim como todo fim, no início de cada dia, Marcos rega a hortinha que fica nos fundos da casa. É um ritual importante não só para colher bons insumos, mas também porque pensa no pai, que gostava até mais de lidar com horta do que com café. E mais uma vez, o amor, a memória, o prazer no cuidado com o solo entram em cena e nos enchem de energia para pegar a estrada novamente, até a próxima visita a Fazenda Fazendinha.

Fotos e Notas de Campo
Dai Dietzmann

Texto
Manuella Graff

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