Insegurança latino-americana passa pelo controle ineficiente de armas
A cidade mais violenta do mundo — San Pedro Sula (Honduras), com taxa de 169 homicídios por 100 mil apavorados habitantes — assim como aquela com os maiores números absolutos: Caracas, 4 mil mortos em 2012.
Seis dos sete países com maiores níveis de violência armada no planeta entre 2004 e 2009, pela ordem: El Salvador, Jamaica, Honduras, Colômbia, Venezuela e Guatemala, segundo o estudo suíço Global Burden of Armed Violence. Primeiro país no ranking de homicídios por arma de fogo (35 mil por ano) e com o maior número de cidades (15) entre as cinquenta mais violentas do globo: Brasil.
Em um mundo no qual uma pessoa morre por violência armada a cada minuto (mais de meio milhão por ano) — somente 10% delas em conflitos bélicos ou ataques terroristas — a América Latina (e Caribe) é triste e inconteste protagonista.
As causas são múltiplas e complexas, e cada país (ou metrópole) tem suas peculiaridades: maras (América Central), traficantes de drogas mais (México) ou menos organizados (Caribe), criminalidade comum desenfreada (Venezuela e partes do Brasil), reflexos de guerra civil (Colômbia), passivos sócio-econômicos, polícias matadoras, sistemas prisionais e de justiça criminal falidos…
O fator onipresente: muitas armas em circulação e/ou tragicamente mal controladas. Nas Américas, 74% dos homicídios são cometidos com arma de fogo. Todos os países no mundo com mais de 70% de participação de armas nas mortes são americanos, e todos estes tem taxas de homicídios maiores de 20 por 100 mil — mais do dobro da média global.
O número absoluto de armas em uma sociedade, ou a taxa relativa de posse por civis, não determina isolada e inexoravelmente seus níveis de violência. As 17 milhões de armas em mãos de brasileiros dão ao nosso país a 8ª posição global em números absolutos, mas em termos de taxa relativa (8 armas por 100 pessoas) o Brasil está na 75ª posição. El Salvador, Colômbia e Honduras têm taxas até um pouco menores.
Mas um revólver na mesa da cozinha pode ser mais perigoso que duas pistolas em um cofre, e ambos são mais nocivos do que a ausência de arma de fogo em uma situação de conflito interpessoal. Igualmente relevante é quão fácil é o acesso de criminosos às armas, quais barreiras estão postas em termos de uso, e as punições para os transgressores.
Há países bastante armados, mas com níveis baixíssimos de violência armada — são 25 milhões de armas na Alemanha, que assim como Áustria, França, Finlândia e Suíça têm 30 ou mais armas por 100 civis. Porém, todos têm sistemas de controle bastante restritivos e altamente eficientes: raramente há arma “na mesa da cozinha” ou sendo portada pelas ruas sem consequência.
É isso que falta na nossa região, onde a banalização do uso de armas de fogo, especialmente revólveres e pistolas, ilegais ou não, ajuda a explicar a sangria. Para atingir níveis “não-epidêmicos” de violência (menos de 10 por 100 mil na perspectiva da Organização Mundial de Saúde), precisamos urgentemente de políticas públicas abrangentes e inteligentes para o controle de armas.
Tal esforço vai além de legislação, que apesar de ser a pedra angular não se implementa sozinha. Grande parte das melhores políticas de controle de armas ocorre em nível administrativo ou operacional, ou seja, sem grandes esforços legislativos e financeiros, desde que priorizadas politicamente por todos os níveis e poderes dos Estados.
As políticas nacionais devem também ter coordenação regional: fronteiras extensas e porosas significam que a omissão de um Estado (em controlar os estoques de suas Forças Armadas, por exemplo), cobra mortes em países vizinhos.
Não há solução “bala de prata” para a epidemia de violência armada que assola nossa região, mas políticas mais eficientes de controle de armas são essenciais para que deixemos de liderar os rankings mais mórbidos do planeta.
Originally published at www1.folha.uol.com.br on January 9, 2014.