Estou bem apesar de…

Daniel Cobianchi
O Campo
Published in
3 min readMar 4, 2021

Uma conversa com Lourdes Alves, uma educadora e psicóloga comunitária.

— Oi. Tudo bem?

— Tudo bem e com você?

— Tudo também.

Acredito que esse é um dos diálogos mais automáticos e rasos que praticamos quase todos os dias. Há um tempo, tento trocar o “Tudo bem?” por “Como você está?”: uma pergunta aberta, mas ainda comumente respondida por um “bem e você?”. Sigo a utilizando porque vez ou outra, logo após eu questionar “Como você está?”, sinto que há uma pausa do outro lado, a pessoa respira fundo e começa a pensar… isso já diz muita coisa, bem mais do que o que virá em forma de palavra.

Lembro-me que uma vez comecei a perguntar “Você está feliz?”, logo depois de um “Oi”, mas confesso que era estranho. Eu não sei você, mas eu não espero que alguém pergunte se estou feliz assim… do nada! rs. Talvez seja uma boa hora de testar novas perguntas.

Isso tudo tem a ver com convivência. E não só a convivência entre as pessoas, mas sobretudo a convivência nossa com a gente mesmo. Esse estalo me deu durante uma aula da Professora Lourdes.

Lourdes é uma pessoa presente. A conheci em sala de aula, seu campo de ofício. Agora, pensando sobre convivência e os desafios em cultivá-la no presente, logo pensei nela, a convidei, ela topou e estamos aqui.

Comecei, é claro, fazendo a pergunta clássica: “Como você tá?”. Lourdes logo respondeu: “Estou bem, apesar de…”. Aquela frase chegou em mim como uma avalanche. Um misto de opostos e complementariedade que, óbvio, só poderia vir dela.

Não hesitei e logo quis reouvir o conceito de “Convivência” que vem dela. É um pouco disso aqui:

Resolvi trazer um pouco mais do que já aprendi com a Lourdes, agora em texto:

“Convivência com a gente mesmo é a nossa capacidade de olhar para dentro de nós mesmos. Eu me acesso. Eu me percebo. Eu me reconheço. E esse é um exercício pra vida inteira. E quanto mais eu vou para esse exercício, que me inquieta… o que vai me dar centralidade e integridade? Isso é poder olhar para dentro. Não está fora. Convivência não está relacionada com o que está fora, mas sobre o ambiente que está dentro e sobre como ele está. No dia a dia a gente não tem ideia de que a convivência está dentro e fora. E que uma coisa impacta a outra.”

Confesso que voltei algumas vezes nesse parágrafo para tentar registrar mais dele em mim. Acredito que cada um tem uma forma de registrar o que gosta para si. Uma das minhas formas e reler várias vezes algo que me traz novas descobertas. E você, sabe o que faz, mesmo que inconscientemente, para registrar essas memórias?

É claro que não tem um certo e um errado. Tem o que funciona para cada pessoa. E cada pessoa é um mundo. A Lourdes compartilha dessa visão também:

Não podemos negar: a boa convivência não é um exercício individual, apenas. É uma equação complexa que leva em consideração o contexto que vivemos, a trajetória que traçamos, as oportunidades que tivemos… e por aí vai. Não quero dizer que somos fadados ao destino, é claro que não, mas precisamos contextualizar a nossa vivência.

Um bom exercício para aumentar a responsabilidade pela nossa parcela nessa equação complexa da convivência é ampliando nosso vocabulário de sentimentos e emoções. Tenho estudado e exercitado que, entre “estou bem” e “estou mal”, existe o “estou abatido”, “estou desamparado” ou “ estou fascinado”, por exemplo. A Comunicação Não Violenta, conceito criado por Marshall Rosenberg, é uma boa aliada nesse processo.

Navegando nesse mundo da comunicação, tomei consciência do quão limitado era o meu repertório para comunicar sentimentos, bem como quão poderoso é poder nomear o que sinto de uma forma mais precisa, primeiro para mim e, também, para o outro.

As palavras são apenas uma perspectiva dessa história toda. A Lourdes vai mais fundo: e nas expressões? Além das palavras, ela fala do "como" comunicamos. Como sabemos o que o outro está sentindo quando olho para essa pessoa?

Pois bem, aprendi então que, para ser o que a gente é, nos relacionamos com outras pessoas, com outras histórias. Existe uma rede que acessa a nossa ancestralidade: aqueles que não vimos, mas que vêm a partir de histórias. Só Lourdes que poderia fechar essa conversa e indicar um caminho:

E por aí, qual é o valor de convivência que você está cultivando?

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