Eu quero estar nesse vazio

Daniel Cobianchi
O Campo
Published in
3 min readMar 2, 2021

Uma conversa com José Bueno, um arquiteto social.

Tem perguntas que, quanto a gente “menos sabe”, mais fácil é de responder. Foi assim quando, há muitos anos, um amigo meu, o Felipe, me fez uma pergunta: “O que é imaginação?”. Eu, sem titubear muito, respondi mais ou menos assim: “Sabe quando alguém fala sobre um dragão? Então, a gente nunca viu um, mas a gente consegue pensar. Isso é imaginar”. Se fosse hoje eu daria uma volta muito maior, buscaria a etimologia da palavra ou citaria uma pessoa que pesquisou muito tempo sobre o tema.

Cultivar aquela criança que eu era, e que respondeu de bate e pronto, é bem difícil, mas igualmente incrível. É uma posição disponível, aberta, curiosa, sensível. Não sei se aquela resposta ficou com o Felipe, mas com certeza segue em mim até hoje.

Fico pensando que nestes tempo que temos vivido, onde quase tudo que é feito precisa ser marcado (reuniões, encontros, discussões, conversas etc.), temos perdido o espontâneo. Com o que estamos sendo chocados naturalmente? Para viver, precisa marcar?

Ao mesmo tempo, lembro de algumas pessoas que criaram projetos de um absoluto acaso, de colisões espontâneas. Como o “Rios e Ruas”, que nasceu a partir de um café numa padaria com objetivo de “reconhecer a natureza de rios soterrados por ruas e construções contribuindo assim para despertar uma compreensão afetiva sobre o uso do espaço urbano.” Uma das pessoas que tomou aquele café e criou o projeto foi o José Bueno.

Conversei com o Zé sobre esses acasos. Ele tem uma forma de explicar isso analisando uma escola: “O vazio é o corredor. Tem o que acontece na sala de aula e tem o que acontece no corredor, no recreio. Os encontros que não têm a formalidade da aprendizagem, mas são extraordinários. Um lugar sem meta, sem planos, sem desejos: esse é um bom lugar. Estar disponível, curioso, relaxado.”

Ao mesmo tempo, esse vazio pode gerar inquietação, angústia, medo. E me parece que naturalizamos esse estado de ansiedade constante.

Um dos caminhos possíveis para ressignificar esse lugar de ansiedade é cultivar o espírito curioso — algo natural quando somos crianças que, com o passar do tempo, vemos ir embora.

Quando eu estava na 7ª série resolvi participar de uma peça de teatro na minha escola. Seria uma montagem do “Pequeno Príncipe” e eu queria ser o protagonista. Em um dos testes, a Professora Bete pausou a cena e pediu: “Agora improvise”. Eu travei. Fiquei olhando para ela como quem diz: “Até aqui eu sabia. Daqui em diante eu não sei mais.”. Depois disso, achei que aquilo não fosse para mim. Essa coisa de improvisar, de criar na hora… parece que não era possível. Se eu te convidar a buscar em seu passado uma história semelhante, onde você se sentiu numa posição de teste, julgamento ou crítica, acredito que você encontrará facilmente. São histórias assim que vão apagando essa curiosidade tão presente na infância.

Acho mágico como o Zé se mantém criança. Essa capacidade de guardar, como ele mesmo me falou, “sonhos, fantasias e atitudes que parecem infantis, mas dentro de um corpo e de uma mente adulta. A permanência de um espírito infantil, ingênuo, sensível, curioso, disponível, querendo brincar”.

Acredito que nunca vimos tantos cursos, livros, lives e conteúdos sobre “criatividade para adultos”. Não lhe é engraçado isso também? Parece que precisamos reaprender a ser espontâneos, a brincar, a ter menos expectativas… para sermos melhores, pessoas mais inovadoras, para surpreender e por aí vai.

Mas como “ser criança” nos ambientes onde crianças não são bem-vindas? Como estimular a criatividade sendo que o mais importante é o resultado?

Quando o Zé publica um desenho, ele publica um pouco de seu laboratório. E é nesse laboratório que ele cultiva um repertório suficiente para navegar em contextos completamente diferentes: dentro de organizações, em projetos, cursos, encontros e conversas.

Espero que eu possa cultivar esse laboratório também e responder novas perguntas como fiz com o Felipe há tanto tempo. Aquela resposta genuína, simples, que vem de dentro naturalmente. Que os novos conhecimentos não ofusquem a visão de mundo mais sensível.

Aqui fica um convite: na próxima pergunta que lhe fizerem, resista em cair no caminho das respostas complexas e distantes. Pause. Respire. E responda como uma criança.

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