A Máquina

7 de fevereiro de 2011

Kazz
O Casulo

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Escrevi esse pequeno conto numa madrugada pensativa. O suicídio de um colega me perturbava e me inspirou a escrever esse quase desabafo.

Mais tarde meu grande amigo Daniel Franco resolveu adapta-lo para uma história em quadrinhos que você pode conferir aqui!

Inquieto, ele se revirou na cama pela milésima vez. Já faziam duas noites que não conseguia dormir, nem os remédios faziam mais efeito. Olhou pela janela e viu que o dia estava clareando. Se levantou com dificuldade, seu corpo doía e seus ossos rangiam.

Apanhou seu iPod e um maço de cigarro e saiu do quarto bagunçado que cheirava a mofo. Passou água no rosto e saiu do apartamento. Parou em frente ao elevador, mas depois de um instante decidiu-se pela escada. Se arrependeu da decisão depois de dois lances, mas agora já era tarde, faltava apenas um andar.

Quando abriu a porta do terraço sentiu o ar fresco que não experimentava há muito tempo. Foi pra grade de proteção que dava para o leste e se apoiou pesadamente sobre ela. Colocou os fones e apertou o play. Em um instante o som do metal preencheu seus ouvidos, frases desconexas invadiram sua mente.

“Although ya try to discredit
Ya still never edit”

Acendeu um cigarro e deu um longo e prazeroso trago. Subiu sob a grade e se sentou, equilibrando-se perigosamente sobre o beiral do prédio de 20 andares. Aos poucos o sol ia tingindo o céu de um azul claro. Lá em baixo os primeiros carros começavam a preencher a avenida.

Ele gostava de olhar para as pessoas, em seus carros, em suas rotinas, ele olhava e imaginava quais seriam suas histórias. Será que eram felizes? Será que tinham alguém esperando-as no final do dia? Quais eram suas ambições, quais eram seus sonhos?

Se ele pudesse pedir um poder especial, como os dos quadrinhos, certamente ele pediria pela habilidade de ler as pessoas. Comparar sua história com a delas. Será que era realmente tão infeliz?

“I’ll give you a dose but it could never come close to the rage
Built up inside a me
Fist in the air in the land of hypocracy”

Ele olhava e imaginava porque ninguém se importava. Todos, submersos em suas próprias vidas, em seu próprio egoísmo, ninguém se importava. E não podia culpá-los, ele também não se importava.

Se sentia cansado, não só fisicamente. Cansado das pessoas, das mentiras, de seus fracassos. Cansado de ser tratado como um lixo e ninguém se importar, e pior, cansado de não se importar com ninguém. Ninguém, ninguém para esperar no fim do dia, ninguém para perguntar onde ele passou a noite como na música do Nirvana.

“Ya betta beware
Of retribution with mind war
20/20 visions and murals with metaphors”

Era assim que se sentia naquela manhã, cansado, esgotado, um desistente. Ele olhou para o horizonte, para como os primeiros raios invadiam o dia e se projetavam nas paredes dos prédios. Sentiu a brisa úmida passar por seus cabelos e se lembrou de quanto tempo fazia que não sentia isso, que não via o nascer do sol dessa maneira. Anos, talvez.

“What was the price on his head
What was the price on his head
I think I heard a shot”

Sentado ali, fumando, ele pensou em tantas coisas. Tantos arrependimentos, tantas coisas que deixou de falar e outras que não deveria ter falado. Pessoas que ele magoou, pessoas que magoaram a ele, mas mesmo assim ele continuou ao lado delas. Tudo chegaria ao fim em breve, ninguém sentiria sua falta.

Cansado… cansado de ter saudades de ilusões.

Deu um último trago no cigarro, saboreou seu gosto amargo pela última vez. Arremessou-o de lado e fechou seus olhos. A brisa era tão prazerosa, por que ele não aproveitou mais?

Os gritos da música alta nublaram todos seus sentidos, nada de dor, nada de ressentimentos, nada de cansaço, só a libertação.

“WAKE UP!!!
WAKE UP!!!
WAKE UP!!!
WAKE UP!!!
WAKE UP!!!
WAKE UP!!!”

Deixou sou corpo cair e mergulhou na longa queda.

O iPod, entrelaçado em dedos esfolados, ainda tocava.

“How long, not long
Cause what you reap
Is what you sow!”

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