A infraestrutura de telecomunicações como elemento garantidor da soberania digital: o papel dos pequenos provedores regionais de internet no Brasil

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Por Larissa Guidorizi de Barros — Especialista em Direito Digital e Compliance pelo Instituto Damásio de Direito. Especialista em Advocacia Civil pela a Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP/RS). Pós-graduanda em Coordenadoria Jurídica pela Verbo Educacional. Membro do Programa de Formação Complementar em Direito e Tecnologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), coord. Prof. Ms. Temis Chenso da Silva Rabelo Pedroso. Egressa da 15ª South School on Internet Governance. Autora de capítulos de livro. Advogada.

O presente artigo pretende demonstrar a importância da infraestrutura de telecomunicações em relação à soberania digital, bem como o papel dos pequenos provedores regionais de Internet nesse contexto.

Para tanto, permeará a conceituação de soberania digital, passando para a análise da infraestrutura de telecomunicações e de que modo ela pode desempenhar papel fundamental na soberania digital do Brasil. Assim, ao final, será elucidada a participação dos pequenos provedores regionais de Internet neste cenário, como meio para garantir a soberania digital e a conectividade dos cidadãos brasileiros.

Portanto, no intuito de alcançar o objetivo proposto, será realizada uma pesquisa bibliográfica, bem como um estudo doutrinário, a partir do método dedutivo, a fim de demonstrar a importância das infraestruturas de telecomunicações como um meio garantidor da soberania digital, bem como o papel dos pequenos provedores regionais de Internet neste espeque.

A soberania digital: breve conceituação e contexto brasileiro

Inicialmente, é de suma importância contextualizar a soberania digital, bem como sua definição, a qual pode ser entendida “como a capacidade nacional de controle sobre os próprios dados e infraestruturas digitais, com pouca ou total independência de grandes corporações ou governos estrangeiros” (Sousa, 2023).

Partindo dessa premissa, é notório que, a fim de garantir uma soberania digital nacional, o Estado deve se ater às suas próprias infraestruturas de telecomunicações, o que, por vezes, não ocorre no Brasil. Em verdade, um exemplo marcante desta afirmação ocorre nas cidades do Estado do Amazonas, uma vez que 90% dos municípios da região possuem antenas instaladas da empresa Starlink.

Neste cenário, em matéria divulgada pela Coalização Direitos na Rede, é clarividente a presença massiva da tecnologia na região, tendo em vista que, em menos de dois anos de operação, a empresa americana já está em 10º lugar na Região Norte/Amazônia (BOTELHO; REGATTIERI; BARROS, 2023).

Neste sentido, feito o pequeno recorte do Estado Brasileiro, resta demonstrada a dependência do Norte do país quanto à infraestrutura estrangeira, o que, em última análise, implica na própria soberania digital do país.

Da importância da infraestrutura de telecomunicações e dos pequenos provedores regionais de Internet

Dito isso, é pertinente demonstrar a importância da infraestrutura de telecomunicações, já que é ela própria quem garante a conectividade. Neste espeque, esclarece Jimenez (2019, p. 91–92) que “o objetivo fundamental da instalação de infraestrutura de telecomunicações no século XXI é fornecer o serviço de uma Internet robusta, rápida e segura a um preço acessível para o maior número de pessoas”.

Neste sentido, a promoção de instalação de infraestrutura de telecomunicações brasileira, para além de garantir a própria soberania do país, tende a propiciar o aumento da conectividade no Estado, bem como “é fundamental para acelerar o desenvolvimento econômico, social e político do Brasil.” Ainda, nesta toada, esclarece Peter (2019, p. 156) que “a competitividade do País, dentro de uma economia globalizada, depende cada vez mais do conhecimento e do acesso à informação”. (PETER, 2019, p. 156).

Portanto, ao propiciar a instalação de infraestruturas próprias, o Estado Brasileiro tende a contribuir para a promoção da soberania digital, conectividade e economia do país, conforme demonstrado pelos autores já narrados.

É, justamente neste ponto, que se destaca o papel dos provedores regionais de Internet, já que, por meio deles, poderá ser possível a propagação de instalação de infraestruturas próprias. Um exemplo que marca esta afirmação advém da fala de Jesaias Arruda, vice-presidente da Abranet (Associação Brasileira de Internet), o qual expôs que, na Amazônia, “[há] provedores de Internet que lançam fibra ótica pela copa das árvores e pelo rio, porque temos objetivo de atender às regiões que hoje estão ali’.

Inobstante o mencionado, tem-se que “os pequenos provedores desempenham um papel de fundamental importância para o desenvolvimento da Internet no país, sobretudo no que se refere ao atendimento à população e às regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos” (BRASIL, 2016, p.5).

Nesta linha, a importância dos pequenos provedores de Internet se destaca no Relatório do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) — Banda Larga Fixa (2º Semestre/2020), realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o qual apontou que, em dezembro de 2020, os pequenos provedores de Internet atingiram “mais de 14,2 milhões de acessos de banda larga no país”. (TELECOMUNICAÇÕES, 2020)

Além disso, no ano de 2022, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) realizou pesquisa sobre o setor de provimento de serviços de Internet no Brasil, ocasião na qual apontou que, cerca de 60% (sessenta por cento) dos provedores de Internet — incluindo empresas de grande e pequeno porte, realizavam o provimento de acesso à Internet ao usuário final por meio de infraestrutura própria. (INFORMAÇÃO; BR, 2023)

Nada obstante, a pesquisa destacou que, cerca de 37 % (trinte e sete por cento) dos provedores de Internet, realizavam o provimento de acesso à Internet ao usuário final por meio de infraestrutura própria e de terceiros, enquanto 2% (dois por cento) realizavam o provimento de acesso à Internet ao usuário final somente por meio de infraestrutura de terceiros. (INFORMAÇÃO; BR, 2023)

Em verdade, entre os anos de 2020 e 2022, houve um decréscimo do percentual de empresas que realizavam o provimento de acesso à Internet ao usuário final somente por meio de infraestrutura própria. Isto porque, enquanto no ano 2020 era de 73% (setenta por cento) o percentual de empresas que realizavam o provimento de acesso à Internet, ao usuário final, somente por meio de infraestrutura própria, no ano de 2022, o percentual foi de 60% (sessenta por cento). (INFORMAÇÃO; BR, 2023)

Por conseguinte, a pesquisa ainda destaca que “essa mudança pode estar relacionada com a diminuição da proporção de microempresas observada, já que elas costumam ter atuação restrita a um município, havendo mais empresas de maior porte que atuam em mais municípios” (INFORMAÇÃO; BR, 2023)

Portanto, dado o papel desempenhado pelos pequenos provedores de Internet e a sua presença no cenário brasileiro, bem como diante do movimento de aumento do uso de tecnologia de terceiros, tem-se como fundamental o incentivo do uso de tecnologia nacional, tendo em vista a relevância a ser desempenhada na própria soberania digital do Brasil.

Neste ponto, merece destaque a fala do professor Luca Belli (2023), o qual entende que “ser soberano significa ser capaz de controlar e proteger suas próprias infraestruturas críticas, suas redes eletrônicas, seus bancos de dados e as infraestruturas políticas que permitem a governança do País”. Portanto, é possível concluir que, ao incentivar o uso de tecnologias próprias e nacionais, em infraestrutura de telecomunicação, o país tende a proteger suas infraestruturas críticas, bem como fortalecer sua soberania digital enquanto Estado.

Por fim, é possível citar que, se devidamente incentivados, seja por incentivos fiscais ou financeiros do Estado, os pequenos provedores regionais de Internet poderão atender as regiões brasileiras ainda sem infraestrutura de Internet, o que impactaria na soberania digital do Brasil.

Conclusão

A partir do exposto, foi possível notar a importância das infraestruturas de telecomunicações para a soberania digital do país, pelo que se demonstrou a essencialidade dos pequenos provedores regionais de Internet neste contexto.

Nesta seara, a fim de demonstrar a urgência da promoção de instalação de infraestruturas de telecomunicações próprias, foi apresentado o caso da Starlink, empresa norte-americana que possui dominância no norte do Estado brasileiro.

Ainda, neste mesmo contexto, foi exemplificado que pequenos provedores regionais de Internet buscam, apesar das interferências geográficas do local, atender as áreas mais remotas no país, o que ocorre, por exemplo, com a instalação de fibra óptica pela copa das árvores e pelos rios.

Portanto, a partir da pesquisa bibliográfica, bem como de estudo doutrinário, a partir do método dedutivo, foi demonstrado a importância de o Brasil se dedicar, seja por meio de incentivos fiscais ou financeiros, destinados aos pequenos provedores regionais de Internet, os quais poderão alcançar mais espaços no território brasileiro e atender uma porção maior da população, utilizando infraestrutura própria.

Isto feito, o impacto seria positivo na conectividade brasileira, na economia e política, bem como na soberania digital do Brasil.

Referências bibliográficas:

TELECOMUNICAÇÕES, Agência Nacional de. Relatório de acompanhamento do setor de telecomunicações. 2020. Disponível em: https://sei.anatel.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?NMLZh5iV6nbOCmPPhjssYO7ecW3Ia5ZtxFzuL_reIqZ8L3mCXpDwpWj43Y64iTm1DEA9jNIPIyHBKZq354jBP71fMe1sO_1Q1aZ75HOS2-wvsCYhAE5N16qmLMhu_OI2. Acesso em: 11 abr. 2024.

BELLI, Luca. Brasil precisa reconstruir sua soberania digital. 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/brasil-precisa-reconstruir-sua-soberania-digital/. Acesso em: 11 abr. 2024.

BOTELHO, Jéssica; REGATTIERI, Lori; BARROS, Thiane Neves. Starlink nos rios e céus da Amazônia Brasileira. 2023. Disponível em: https://direitosnarede.org.br/2023/11/29/starlink-nos-rios-e-ceus-da-amazonia-brasileira/. Acesso em: 18 fev. 2024.

BRASIL, Comitê Gestor da Internet no. Panorama setorial da Internet: os provedores de acesso à Internet no brasil: como atuam e qual sua importância para o desenvolvimento da Internet brasileira. Os provedores de acesso à Internet no Brasil: Como atuam e qual sua importância para o desenvolvimento da Internet brasileira. 2016. Disponível em: https://nic.br/media/docs/publicacoes/6/Panorama_Setorial_11_2.pdf. Acesso em: 18 fev. 2024.

INFORMAÇÃO, Centro Regional de Estudos Para O Desenvolvimento da Sociedade da; BR, Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto. Pesquisa sobre o Setor de Provimento de Serviços de Internet no Brasil: tic provedores 2022. TIC Provedores 2022. 2023. Disponível em: https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20231206171400/tic_provedores_2022_livro_completo.pdf. Acesso em: 11 abr. 2024.

JIMENE, Maryleana Mendez. O papel fundamental da infraestrutura de telecomunicações. In: BELLI, Luca; CAVALLI, Olga (org.). Governança e regulações da Internet na América Latina: análise sobre infraestrutura, privacidade, cibersegurança e evoluções tecnológicas em homenagem aos dez anos da south school on Internet governance. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, 2019. p. 91–104. Disponível em: https://www.gobernanzainternet.org/libro/livro_pt.pdf. Acesso em: 18 fev. 2024.

KNIGHT, Peter. A Infraestrutura da banda larga e a inclusão digital no Brasil. In: BELLI, Luca; CAVALLI, Olga (org.). Governança e regulações da Internet na América Latina: análise sobre infraestrutura, privacidade, cibersegurança e evoluções tecnológicas em homenagem aos dez anos da south school on Internet governance. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, 2019. p. 155–173. Disponível em: https://www.gobernanzainternet.org/libro/livro_pt.pdf. Acesso em: 18 fev. 2024.

PRESCOTT, Roberta. Jesaias Arruda, VP da Abranet: “Conexão vai além do acesso à Internet, ela gera negócios”. 2023. Disponível em: https://www.abranet.org.br/Noticias/Jesaias-Arruda%2C-VP-da-Abranet%3A-%22Conexao-vai-alem-do-acesso-a-internet%2C-ela-gera-negocios%94-4671.html. Acesso em: 18 fev. 2024.

SENRA, Ricardo; COSTA, Camilla. Elon Musk domina Internet por satélite na Amazônia com antenas em 90% das cidades: junto a avanços importantes em comunidades que não tinham internet, expansão da starlink na amazônia também impulsiona atividades ilegais, apontam autoridades. 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2edkw84zmo. Acesso em: 18 fev. 2024.

SOUSA, Stenio Santos. O medo, a incerteza ou qual soberania tecnológica queremos? 2023. Disponível em: https://www.nic.br/noticia/na-midia/o-medo-a-incerteza-ou-qual-soberania-tecnologica-queremos/. Acesso em: 18 fev. 2024.

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