Legal Ops e Eficiência Jurídica, na Prática

Um case de sucesso

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9 min readSep 2, 2024

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Por Aline Melsone Marcondes Trivino*, Caroline Rosa de Souza**, Lucas Tejedor da Silva*** e Renata Nunes Cappucci****

Este artigo apresenta um estudo de caso sobre a implementação de Legal Operations e automação em um escritório de advocacia, destacando o papel da tecnologia na prática jurídica. A pesquisa explora como a automação de fluxos de trabalho e a utilização de ferramentas tecnológicas podem impactar positivamente e auxiliar nos desafios operacionais de escritórios de advocacia e departamentos jurídicos. A apresentação se inicia com o diagnóstico detalhado dos processos existentes, seguido por um planejamento estratégico alinhado aos objetivos do escritório e do cliente. O estudo aqui apresentado demonstra que a adoção de práticas de Legal Operations aliada à inovação pode aumentar significativamente a eficiência e eficácia na gestão de projetos jurídicos complexos, agregando valor às soluções oferecidas aos clientes e reforçando a expertise dos profissionais que os atendem. Portanto, este artigo é relevante para aqueles interessados em compreender a contribuição da tecnologia ao Direito e suas implicações na criação de soluções jurídicas inovadoras e, ao mesmo tempo, eficientes.

Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar um caso prático de sucesso à comunidade interessada no aprofundamento em uma das diversas relevantes contribuições da tecnologia ao Direito, ao buscar demonstrar o potencial expressivo de transformação propiciado por tal interdisciplinaridade à rotina de escritórios de advocacia e departamentos jurídicos voltados à criação de soluções inovadoras e pertinentes diante das principais dificuldades enfrentadas por seus clientes, sejam eles externos ou internos.

Trata-se da implementação de Legal Operations e eficiência jurídica à criação e estruturação de um projeto de alta complexidade por meio de automação aplicada a fluxos de trabalho, com a formulação de soluções factíveis para desafios operacionais enfrentados por parte de uma entidade privada de grande porte.

Neste contexto, destacam-se como pontos chaves, a serem explorados ao longo do presente estudo: (i) o diagnóstico inicial, uma análise detalhada dos processos existentes e consequente identificação de gargalos; (ii) o planejamento estratégico, enquanto elaboração de um primeiro plano de ação, mais abrangente, alinhado aos objetivos estratégicos do cliente; (iii) a implementação de tecnologia, com integração de ferramentas de automação e, a depender do caso, softwares jurídicos para otimizar os fluxos existentes e reduzir a carga manual de trabalho; (iv) a gestão de processos, com auditorias, monitoramentos e atenção aos possíveis pontos de risco, antecipando inconsistências.

Desse modo, o estudo de caso a ser apresentado buscará ilustrar de que forma a adoção de práticas em Legal Operations, aliada à aplicação de tecnologias inovadoras, poderão transformar a prática jurídica, proporcionando eficiência e eficácia na gestão de projetos complexos e trazendo maior valor agregado às soluções prestadas aos clientes — reforçando e consolidando a expertise técnica e excelência dos profissionais envolvidos.

1. Em que consiste o projeto?

O caso prático corresponde a um projeto inovador desenvolvido, do início ao fim, de forma personalizada para atender às demandas técnicas e operacionais de um dos clientes atendidos pelo escritório de advocacia. Resultou da parceria de sucesso estabelecida entre o grupo de prática especializado em Direito Público e Regulatório e a equipe de Jurídico Interno — departamento responsável por conduzir as iniciativas de Legal Operations dentro do escritório.

O projeto consistiu em acordos entre três partes, nas quais havia uma necessidade de garantir que (i) o manifestante era efetivamente elegível, (ii) os documentos enviados eram verdadeiros e estavam dentro dos padrões estabelecidos, (iii) a data da aposentaria era verdadeira, pois o valor era vinculado à data, (iv) que não havia processo discutindo o tema previamente, e que, se houvesse, a desistência foi homologada e, (v) se não havia nenhum outro impedimento (como ação coletiva, interdição, dentre outros).

Para isso, foram desenvolvidas diversas métricas, padrões e processos de conferência para garantir que não haveria falhas.

2. Quais são os fluxos de trabalho envolvidos

A temática específica do projeto dizia respeito à condução das tratativas de acordos tripartites para aproximadamente nove mil beneficiários, cuja expectativa inicial foi pensada para adesão de mil aposentados e o projeto foi finalizado com a adesão de quase três mil deles. O projeto iniciava na manifestação de interesse inicial, seguindo até o envio dos respectivos documentos assinados por todas as partes a cada um.

Em síntese, o fluxo operacional envolveu (i) o envio de cartas com aviso de recebimento a todas as pessoas possivelmente interessadas e elegíveis para fins do acordo; (ii) a recepção de e-mails nos quais o interesse em aderir ao acordo era expressamente manifestado; (iii) resposta, via endereço de e-mail, canal oficial para contato, com as orientações cabíveis para o preenchimento de um formulário com os dados pessoais e envio de documentos exigidos para prosseguimento, como anexos; (iv) a recepção de formulários preenchidos e a elaboração dos termos de acordo correspondentes, conforme as peculiaridades de cada caso, (v) o envio de termos de acordo para coleta de assinaturas dos beneficiários; (vi) a recepção de termos de acordo assinados; (vii) a análise e validação da documentação e submissão à segunda parte envolvida para coleta de assinaturas; a coleta de assinaturas em nome do cliente; e (viii) o envio do termo de acordo assinado por todas as partes aos beneficiários. Por fim, o ponto mais sensível: a elaboração de uma lista de pagamentos que deve relacionar cada beneficiário aos respectivos dados e valores devidos.

Um dos principais desafios era garantir a veracidade dos documentos, bem como que as minutas de acordos fossem efetivamente as pactuadas, sem qualquer alteração por parte dos aposentados, visto que, por serem um público mais idoso, poderiam cometer diversos equívocos no momento da assinatura, como deleção de páginas, alteração de informações e até a minuta correta para o caso, já que o processo dependia de análise do caso concreto para escolha da minuta.

Outro grande desafio era o custo, manter um custo aceitável diante do volume de informações e documentos que precisam ser avaliados, além do tempo de análise, que não poderia comprometer o projeto.

Por fim, um último desafio era conseguir manter o cliente e as demais partes interessadas atualizados, de modo que não houvesse solicitação de informação constante, o que exigiria a dedicação de uma pessoa para atender a demanda dos solicitantes.

3. De que forma a automação pode ajudar?

O sistema foi criado em uma plataforma low code[1] destinada ao desenvolvimento de aplicativos e possibilitou a elaboração de aplicações sem necessidade de conhecimentos técnicos e práticos avançados em programação. Desse modo, planilhas, bancos de dados e outras fontes de dados comuns serviram como base sólida para a estruturação de aplicativos funcionais e facilmente adaptáveis às demandas decorrentes do projeto.

A automação implementada possibilitou ganhos concretos à equipe, em termos de eficiência, com baixo custo significativo, gerando valor agregado — principalmente, em razão da economia de horas correspondentes a trabalho humano que seriam empenhadas na execução de tarefas operacionais.

Assim, fluxos voltados à comparação e análise de documentação, que demandariam um processamento extenso, foram reduzidos ao acompanhamento e à atualização de um sistema editável.

Utilizando-se de algoritmos e automação de análise de documentos, foi possível confirmar a veracidade de aproximadamente 40 mil documentos, com percentual de erro abaixo de 0,2%, além de terem sido verificados processos judiciais em nome dos quase três mil aposentados aderentes. O uso de algoritmos aqui foi fundamental para fazer verificações e exclusões de processos por tema, valor, comarca, instância e deixar para análise humana apenas aqueles casos em que havia necessidade de leitura do processo. Todo esse sistema gerou uma economia de mais de duas mil horas em verificação de processos.

Apesar da facilitação, o fator humano continua indispensável para fins de acompanhamento e auditoria, sendo pertinente à medida que a precisão dos dados possui relevância central em todos os entregáveis, com especial atenção à sensibilidade dos dados tratados.

Outro fator de extrema relevância foi a criação de um PowerBI para acompanhamento do status do projeto pelo cliente. No início, antes do PowerBI, recebíamos pedidos, por várias vezes durante o dia, de status, atualizações e andamentos. O PowerBI possibilitou que o próprio cliente pudesse fornecer informações aos aposentados, sem nos demandar, o que gerou um ganho de tempo e dedicação de pessoas imensurável. Antes da implementação do sistema, cogitou-se a contratação de uma pessoa para atender as solicitações das partes quanto ao status de cada caso, o que foi suprimido com a implementação do sistema.

Imagem do sistema interno

Conclusão

Os resultados obtidos reforçam a importância da interdisciplinaridade entre o Direito, a gestão de processos e o desenvolvimento de sistemas, evidenciando como essa combinação pode proporcionar soluções inovadoras. A experiência adquirida e as lições aprendidas ao longo do projeto servem como um guia valioso para outros profissionais que buscam implementar práticas de Legal Operations em suas próprias organizações.

O projeto descrito envolveu uma série de etapas, acompanhada de desafios, desde a identificação dos obstáculos nos processos existentes até a integração, de fato, de ferramentas tecnológicas para otimizar fluxos de trabalho.

A automação das tarefas deste projeto, especialmente através do uso da plataforma low code e de algoritmos, permitiu uma economia de tempo e recursos de grande significado à equipe envolvida no projeto e ao cliente, uma vez que a integração de ferramentas tecnológicas permitiu a otimização dos processos, minimizando a carga manual. A criação de dashboards interativos como o PowerBI eliminou a necessidade de solicitações constantes entre as equipes envolvidas. Esse avanço não apenas melhorou a comunicação e transparência entre tais equipes, mas também garantiu uma gestão mais proativa e eficaz de todo o projeto.

Em suma, o Legal Operations desempenha um papel fundamental nas organizações, proporcionando eficiência, transparência e redução de custos nos processos jurídicos, permitindo uma melhor gestão de riscos e um maior alinhamento com os objetivos de negócio, sendo que se espera que o Legal Operations se torne uma parte indispensável do ambiente jurídico e empresarial, continuando a impulsionar a inovação e a eficiência nas organizações.

Portanto, com os resultados obtidos neste projeto, resta claro que a interseção entre Direito e tecnologia reforça a importância da inovação contínua dentro da área jurídica, visto que a adoção de Legal Operations não se trata apenas da modernização de procedimentos, mas também da elevação do padrão dos serviços prestados dentro dos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, promovendo, cada vez mais, uma cultura atrelada à excelência e à inovação, que são essenciais ao enfrentamento — seja no cenário atual ou futuro — dos desafios da área.

[1] Plataformas de Desenvolvimento Low-code (LCDP — Low-code Development Plataforms) se destacam como uma solução que visa facilitar a transformação digital, permitindo o desenvolvimento rápido e escalável de aplicações, a integração de sistemas legados e a automação de processos (ARAÚJO, 2022).

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, F. H. D. Desenvolvimento de sistemas de informação com tecnologia LowCode. 2022. Tese (Doutorado em Engenharia e Gestão de Sistemas de Informação) — Universidade do Minho, Braga, Portugal, 2022.

* Gerente Jurídica, de Compliance e Legal Ops na Trench Rossi Advogados Associados. Mestre em Direito pela PUC-SP. Advogada com mais de 15 anos de atuação. DPO certificada. Professora na Pós Graduação em Compliance Digital e Proteção de Dados na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora no Curso de DPO e no Curso de Proteção de Dados e Compliance da PUC/Campinas. Professora no Curso de Gestão Jurídica da PUC Campinas.

** Internacionalista e advogada, com MBA em Gestão e Business Law pela FGV, formada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu e em Relações Internacionais e Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC, Analista Sênior de Jurídico Interno, Compliance e Legal Ops na Trench Rossi e Watanabe Advogados.

*** Graduando em Direito na UFRJ, formado em informática pelo CEFET/RJ. Estagiário de Jurídico Interno, Compliance e Legal Ops na Trench Rossi e Watanabe Advogados. Vencedor do Premio Jovem Inovador Global em 2022. Eleito em 2023 Forbes Under 30. Eleito um dos 50 melhores estudantes do mundo pela Varkey Foundation. Premiado em segundo lugar na Feira Brasileira de Jovens Cientistas com o Projeto de Prevenção e Combate a Incêndio. 1º Lugar na Feira de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro. 10 Finalistas Nacionais no Prêmio Prudential Espírito Comunitário.

**** Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Assistente de Jurídico Interno, Compliance e Legal Ops na Trench Rossi e Watanabe Advogados. Presidente acadêmica do Legal Design Lab, laboratório de estudos e aplicação prática do Legal Design dentro da Universidade. Vice-presidente acadêmica da Assistência Judiciária João Mendes. Pesquisadora voluntária em Proteção de Dados e monitora acadêmica bolsista da Prof.ª Maria Rita Neiva em Contratos e Responsabilidade Civil.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional do CEPI e/ou da FGV e/ou das instituições parceiras.

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