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Soberania Digital e Governança Digital: uma análise distintiva e complementar

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5 min readApr 28, 2024

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Por Marlon Antônio Rosa — Mestrando em Direito Público (UFU), pesquisador na Cátedra Jean Monnet (UE) — Projeto GLOBAL CROSSINGS e do Observatório Interamericano e Europeu dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Advogado licenciado, pós-graduado em Direito Constitucional (UniAmérica Descomplica), Direitos Humanos (CERS), Direito Penal (Damásio) e Direito Tributário (PUC Minas). Atualmente, trabalha com as linhas de pesquisa em Geopolítica e Soberania Digital e Mudanças Climáticas e Ecocídio. Email: marlon1vsp@gmail.com.

A interseção entre soberania digital e governança digital tem sido objeto de crescente interesse e debate no contexto da rápida evolução das tecnologias digitais e sua influência nas esferas políticas, econômicas e sociais. Este ensaio visa explorar e clarificar a distinção entre soberania digital e governança digital, destacando sua relação complementar e a importância de cada conceito na era da conectividade global.

É fundamental começar esclarecendo que soberania digital e governança digital são conceitos distintos, embora inter-relacionados. A soberania digital refere-se à autoridade legítima e ao controle exercido por uma entidade, seja ela um Estado-nação, uma organização internacional ou outra entidade política, sobre as questões relacionadas ao ambiente digital. Isso inclui a capacidade de estabelecer regras, normas e políticas que regulam o uso, acesso e gestão dos recursos digitais dentro de sua jurisdição. (Roberts, et al, 2021)

A soberania, em sentido histórico, é um tipo de poder legítimo e controlador, e se coloca como ponto central no debate em relação a quem pode ser seu detentor, como exercê-lo, em quê circunstâncias e com quais finalidades. A soberania e seus estudos foram de grande contribuição para moldar a era moderna e a figura do Estado. Entretanto, a terminologia hoje possui a necessidade de ser repensada de modo a se adaptar aos novos tempos. (Floridi, 2020)

O conceito de soberania digital é um termo que se torna poderoso no discurso político, que procura manter e fortalecer o Estado-nação, incluindo a competitividade da economia nacional e a proteção da privacidade de seus cidadãos, como uma categoria relevante na governança global das infraestruturas digitais e no desenvolvimento de tecnologias digitais. A soberania digital também reúne às finalidades de autonomia geopolítica, controle de infraestruturas tecnológicas, competitividade econômica e respeito à democracia e aos direitos humanos. (Bellanova, 2022)

Assim, quando se fala de soberania digital, essa envolve uma forma de autoridade com legitimidade e controle sobre os vários tipos de elementos do ambiente digital, como dados, softwares, regulamentações, serviços e infraestruturas digitais. O controle é a capacidade de influenciar algo e sua dinâmica, abrangendo aspectos como comportamento, desenvolvimento, operações e interações. Isso inclui a capacidade de verificar e corrigir qualquer desvio dessa influência, podendo ser agrupado e transferido em diferentes graus. Já a legitimidade é o que concede validade e reconhecimento para criação de regras e atuação de instituições reguladoras. Esta propriedade naturalmente incita ao cumprimento normativo por parte dos envolvidos, pois estes acreditam que a regra ou instituição em questão foi estabelecida e opera conforme os princípios geralmente aceitos de processo correto. (Roberts, 2021)

Por outro lado, a governança digital está mais relacionada com o exercício das capacidades proporcionadas pela soberania digital. Envolve a implementação e administração de políticas, práticas e estruturas institucionais que facilitam a coordenação, cooperação e gestão eficaz dos recursos e atividades digitais. Em outras palavras, a governança digital é o processo pelo qual as autoridades utilizam sua soberania digital para orientar e supervisionar as atividades no espaço digital, garantindo que estas estejam alinhadas com os interesses e objetivos nacionais ou globais.

A Governança Digital, refere-se às estruturas e processos concebidos para garantir a responsabilização, a transparência, a capacidade de resposta às necessidades, o Estado de Direito, a estabilidade, a equidade e a inclusão, o empoderamento e a participação ampla, de todas as variedades, no mundo online, em vez daquilo que é limitado ao mundo físico (território). As ferramentas digitais e as redes sociais capacitaram as pessoas através do acesso generalizado à informação e às ligações globais entre eles. Os cidadãos utilizam a tecnologia para exercerem os seus direitos cívicos.

As principais áreas onde se destaca a aplicação da governança digital são: governança de dados; regulamentação do poder das plataformas digitais; criação de infraestruturas digitais; investimento em tecnologias emergentes; e cibersegurança. (Roberts, 2021)

Embora distintos, é importante ressaltar que soberania digital e governança digital são conceitos interdependentes e complementares. A soberania digital fornece o arcabouço legal e político que sustenta a governança digital, estabelecendo os limites e a autoridade para a tomada de decisões e a implementação de políticas no ambiente digital. Por sua vez, a governança digital é essencial para operacionalizar e traduzir os princípios e objetivos da soberania digital em ações concretas e práticas.

Além disso, a eficácia da governança digital depende da legitimidade e da força da soberania digital subjacente. Sem uma base sólida de soberania digital, as estruturas e mecanismos de governança digital podem se tornar frágeis e suscetíveis a influências externas ou interesses conflitantes. Portanto, a cooperação internacional e a coordenação entre os atores são essenciais para promover uma governança digital eficaz, garantindo ao mesmo tempo o respeito pela soberania digital de cada entidade.

Em conclusão, soberania digital e governança digital são conceitos complementares e interdependentes, que desempenham papéis fundamentais na regulamentação e gestão do ambiente digital. Enquanto a soberania digital estabelece a autoridade e legitimidade para tomar decisões e definir políticas; a governança digital traduz esses princípios em práticas e ações concretas, representando algo que é realizado. Do mesmo modo, a soberania digital só pode ser reconhecida e fortalecida por meio de políticas públicas dentro de uma governança digital. Reconhecer e compreender essa distinção é crucial para desenvolver abordagens eficazes e colaborativas para enfrentar os desafios e explorar as oportunidades apresentadas pela era digital.

Referências

BELLANOVA Rocco, CARRAPICO Helena & DUEZ Denis, Digital/sovereignty and European security integration: an introduction, European Security, 31(3), 337–355, DOI: 10.1080/09662839.2022.2101887, 2022.

FLORIDI, Luciano. The Fight for Digital Sovereignty: What It Is, and Why It Matters, Especially for the EU. Philosophy & Technology, 33(3), 369–378. DOI: https://doi.org/10.1007/s13347-020-00423-6,2021.

ROBERTS, Huw. & COWLS, Josh. & CASOLARI, Federico. & MORLEY, Jessica. & TADDEO, Mariarosaria. & FLORIDI, Luciano. Safeguarding European values with digital sovereignty: an analysis of statements and policies. Internet Policy Review, 10(3). DOI: https://doi.org/10.14763/2021.3.1575, 2021.

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