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NFTs: a indústria da arte e os Direitos Autorais voltaram ao palco

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7 min readApr 6, 2021

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Por Tatiane Guimarães*

Resumo: Os NFTs chegaram há pouco no mundo das artes digitais e já deram muito o que falar. Aqui você encontrará a definição dos principais termos para entender por que essa sigla balançou tanto a indústria da arte e, também, entenderá alguns pontos positivos e negativos do uso dessa tecnologia na comercialização de artes digitais. Além disso, você entenderá o que essa sigla representa para o debate dos Direitos Autorais no Brasil, que nos faz repensar os caminhos da reforma da nossa legislação.

Você deve ter visto que, no último mês, falou-se muito dos tais NFTs, usados na comercialização de bens digitais. Se você deixou isso passar, veja alguns exemplos do que andou acontecendo:

Os chamados Non-Fungible Tokens (da tradução livre “token não fungível”) não são novidade. Já em 2012 havia uma criptomoeda chamada Colored Coins, com funcionamento muito parecido com o dos NFTs de hoje. No entanto, pelo recente uso dessa tecnologia na indústria da arte estar revolucionando a forma de produzir e comercializar as artes digitais, não podemos deixar passar alguns pontos que iremos tratar neste artigo.

Definindo termos

Antes de tudo, precisamos entender o que são os NFTs e como, por exemplo, a chamada tokenização e a tecnologia blockchain, termos tão comentados, se relacionam a essa sigla.

Blockchain: basicamente, é uma forma de registrar informações alinhadas em ordem cronológica em uma rede descentralizada de computadores; a blockchain, assim, é uma rede espalhada por uma grande rede de computadores que nenhuma figura central controla;

Tokenização: é a representação digital por meio de blockchain de algum bem ou informação. A onda da tokenização não é novidade, já que as famosas criptomoedas, como a Bitcoin, surgida em 2009, podem ser entendidas como os próprios tokens (chamados, então, de coin tokens) a serem trocados entre os usuários da rede, representando certo valor;

NFT: é um tipo token usado de forma única, ou seja, é um bem que não pode ser trocado ou substituído; é um token único, com autenticidade garantida por uma rede blockchain imutável.

Assim, com a entrada dos NFTs na indústria da arte, as obras artísticas recebem uma espécie de “selo de autenticidade digital”, o que as torna únicas para serem adquiridas; cada obra é vendida com esse “selo” e o proprietário tem a segurança dessa originalidade por meio da rede blockchain.

É importante diferenciar, aqui, propriedade de acesso. Apesar de contra intuitivo, você pode acessar a obra sem ser proprietário dela, mas só é proprietário da obra única quem a comprou. Assim, você pode, por exemplo, acessar legalmente a obra digital do artista Beeple (como você já fez no início deste artigo), mas apenas aquele que pagou os US$ 69 milhões em seu leilão pode ser considerado como o(a) proprietário(a) da obra por ser detentor do NFT.

A criação de escassez em um ambiente de abundância

Os NFTs entraram no mundo das artes digitais para criar escassez em um ambiente em que o “copia e cola” é quem reina.

A cultura da compra de bens únicos e exclusivos é um ponto chave aqui: ao criar tokens não fungíveis, ou seja, bens únicos, cria-se a ideia de exclusividade da propriedade desses bens, mesmo que eles sejam acessíveis a quase qualquer um com acesso à internet.

Inclusive, com a entrada, nessa corrida, de casas de leilão de luxo, como a Sotheby’s, está mais do que claro que NFTs serão colecionados como bens raros e supervaliosos.

Por esse lado, os NFTs seriam bons para artistas digitais, pois permitiriam que eles fossem pagos por seu trabalho vendido, como se vendessem uma obra física. Atualmente, as imagens são facilmente tiradas, duplicadas e espalhadas online, muitas vezes sem nenhum crédito dado ao seu criador original. Os NFTs permitiriam considerar certa obra como a verdadeira, original, valorizando-a e estimulando a indústria das artes ao permitir que colecionadores adquiram esses bens únicos.

Mas os NFTs trouxeram um problema

Até então parece que tudo está bem com o uso dos NFTs na arte. Vários leilões foram realizados e artistas ganharam muito mais do que esperavam ganhar com suas obras. Mas nem tudo são flores.

Em meio a este otimismo da indústria da arte, veio uma onda de denúncias e reclamações de artistas acusando a falsidade de certos NFTs.

Artistas como Derek Laufman e Simon Stålenhag tiveram seus trabalhos transformados em NFTs e listados para venda sem sua permissão e, tal como nesses casos, as plataformas que hospedam a obra apropriada só parecem moderar os produtos vendidos se o artista descobrir e postar sobre isso nas redes sociais.

O problema que está por trás disso é: como o sistema NFT não exige que as pessoas comprovem a titularidade de direitos autorais sobre algo para transformá-lo no token, pode ser que esteja sendo criado um mercado aberto para violações.

Assim, os NFTs também trazem grandes riscos à própria indústria da arte. Inúmeros criadores estão tendo seu conteúdo apropriado por terceiros e artistas estão se manifestando furiosamente e restringindo acesso às suas contas em redes sociais como tentativa de conter essa onda de apropriação indevida de artes digitais.

Apesar de toda a animação da indústria da arte com essa tecnologia, o próprio funcionamento dela, por sua característica descentralizada, pode estar causando mais prejuízos que benefícios nessa tentativa de resolver a baixa remuneração (ou ausência dela) de artistas que produzem e vendem seu conteúdo de forma digital.

Reacendendo debates sobre Direito Autoral no Brasil

A Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998) é vista como uma lei que nasceu desatualizada. Apesar da existência da internet comercial já naquela época no Brasil, ela é silenciosa em diversos pontos que dizem respeito a onda de inovação na produção e compartilhamento de obras digitais.

Não é de hoje que se discute a atualização de nossa legislação autoral na tentativa de dar conta de temas como combate à pirataria, remuneração de autores e o próprio reconhecimento da autoria de obras digitais.

Os NFTs estão reacendendo o debate e nos mostrando como precisamos reavaliar o caminho que o Brasil está seguindo. Seja o atual rol de condutas que configuram a pirataria — no entendimento brasileiro — seja na dificuldade de se garantir a autoria de obras sem registro — já que o Brasil não requer o registro para se fazer nascer o direito autoral sobre as obras criadas (veja aqui um artigo em que explicamos melhor estes pontos de atenção na nossa atual legislação autoral), precisamos repensar a nossa lei à luz de casos como os trazidos neste artigo.

Algumas questões que podem ser levantadas são:

  • A apropriação indevida por terceiros de artes digitais, transformando-as em tokens sem a permissão dos artistas, pode ser entendida como um novo tipo de pirataria? Como devemos lidar com essa nova modalidade?
  • Como garantir o reconhecimento da autoria de obras digitais? Iremos criar obrigações para os intermediários lidarem com isso?
  • Os NFTs poderiam ser vistos como um meio de se remunerar de forma mais justa os artistas digitais em oposição à remuneração baixa que eles recebem via outras plataformas?

O Brasil não está perto de responder a essas perguntas. Precisamos levar esses e outros pontos em conta nos futuros debates sobre a reforma e atualização de nossa legislação autoral.

Esperamos que este artigo contribua para o engajamento da comunidade acadêmico-científica na construção de uma atualização da legislação autoral que olhe para a realidade e entenda como podemos reformar a nossa lei. Precisamos repensar a nossa legislação para que ela procure alcançar a evolução das ferramentas de criação, compartilhamento e monetização de obras digitais, de forma a incentivar seu uso e de forma a proteger e beneficiar produtores e consumidores de conteúdo online.

Realmente, os NFTs chegaram há pouco no mundo das artes digitais e já deram muito o que falar!

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional do CEPI e/ou da FGV e/ou as instituições parceiras.

Este artigo foi escrito por:

*Tatiane Guimarães— Pesquisadora no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP. Mestranda em Direito e Desenvolvimento na FGV Direito SP. Agraciada com a Bolsa Mario Henrique Simonsen de Ensino e Pesquisa. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade de São Paulo — PUC-SP. Atualmente, desenvolve pesquisa nas áreas de Direitos Humanos Digitais, Direito Autoral e Ensino Jurídico. Contato: tatiane.guimaraes@fgv.br

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