Ô, Cride! Fala pra mãe!

Liliane Machado Rodrigues Mazzucco
O Centro
Published in
5 min readFeb 18, 2018
Artista: Reha

E aí? Já assistiu TV hoje? Ah, mas é claro que sim! Eu já. Dei uma espiada em um programa de entretenimento, conferi a previsão do tempo e, claro, “novelei” um pouco (confesso que voltei a assistir uma novela a pouco tempo, porque o tema chamou minha atenção).

Pois então! Não adianta, há muitíssimo tempo a televisão vem sendo a mídia mais efetiva em nosso país. Existem previsões sim, de que a mídia digital ultrapasse a TV em termos de publicidade. Nós já acessamos diariamente a internet e isso já traz grande percentual para estatísticas futuras. Entretanto, não há perspectiva de que o universo da internet ameace o predomínio da TV, que ainda é o meio de comunicação mais utilizado por nós brasileiros, por exemplo. Quase 100% dos lares dispõem de ao menos um aparelho de televisão.

Não temos como evitar. Faz parte da rotina do brasileiro, todos os dias assistir televisão e se informar do que está acontecendo em seu ambiente e no mundo. Contudo, o contato diário com a TV pode vir a influenciar em muitas questões e áreas de nossas vidas, por vezes, erroneamente e de forma negativa.

Negativa ou positivamente, não é à toa que a televisão usufrua de considerável poder de inserção e tenha grande domínio sobre opiniões, crenças e visões de mundo das pessoas, como já comentei.

Na crise política que atualmente vivenciamos, por exemplo, a televisão vem desempenhando um papel fundamental como meio influenciador. Todo esse universo midiático e seu atual status até me faz lembrar de uma música do Titãs — dos anos 80, mas tão 2018 — , relacionada ao que estamos vivenciando:

É que a televisão me deixou burro, muito burro demais. E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais. (Televisão, Titãs)

É… “Ô, Cride! Fala pra mãe”! Cadê o Sr. Euclides Gomes dos Santos para avisar a mãe que o negócio está ficando feio? Deixando o trocadilho de lado e com o Seu Cride já falecido, o que consigo absorver da letra desta música é nada (ou tudo) além de nossa realidade hoje.

Infelizmente, por (muitas) vezes, a televisão vem conseguindo estampar uma visão deturpada sobre a vida, trabalho, política, família, relacionamentos, etc. Vem trabalhando para informar e comunicar de uma forma em que o conteúdo é exposto totalmente diverso do correto e justo, voltado somente para o convencimento publicitário e seus interesses.

E com isso, é quase impossível não reconhecer a força com que a TV rege a opinião pública. E pior: além de impor os padrões a serem, digamos, definidos, a mídia televisiva está conseguindo estipular quais conteúdos servirão como pauta para a população e de que forma serão apresentados para que determinado posicionamento seja tomado.

E é aí que mora o perigo. Aí que já quero que o Cride fale para a mãe de novo! Esse enorme poder acaba excluindo a televisão do papel de mero meio de comunicação noticiador, para transformá-la, principalmente, em agente político, publicitário e por aí vai, interferindo diretamente no dia-a-dia de cada um de nós. Afinal, tristemente, milhões de pessoas se baseiam unicamente pelo que a TV exibe.

Artista: Javier Mayoral

O fato é que os conteúdos transmitidos pela TV são objetos pouco discutidos na maioria das famílias e na sociedade, no geral. Ou seja, grande parte da população não dá a devida atenção para temas relevantes, de ordem política ou social, por exemplo, e acabam por ocupar seu tempo ocioso enaltecendo suas mentes com conteúdos e debates rasos, sobre o Big Brother ou de que forma um certo vídeo deverá ser produzido, “na horizontal, deitado”.

Poderia citar inúmeros exemplos do quão influenciadora (ou tentativas de influenciar), de forma desfavorável, a TV tenta ser para com o espectador — recentes até, como a indiferença de uma determinada rede televisiva para com o desfile de uma escola de samba carioca que criticou e ironizou a situação política atual. Ou, ainda, a projeção errônea do exercício e atividade de um psicólogo, sendo menosprezado como profissional, em uma novela desta mesma emissora de TV. E ficaria por horas preenchendo meu tempo e as extensas linhas deste texto, divagando acerca do conteúdo e correndo até o risco de ser rotulada como uma esquerdopata. Mas não precisamos ir tão longe. Sejamos apenas sensatos e realistas. O processo de manipulação da mídia é sutil, mas muito mais forte do que mensagens subliminares, pasmem!

Não restam dúvidas de que a mídia televisiva tem sim, grande influência e poder sobre o nosso cotidiano. É papo velho, história antiga até… Mídia como quarto poder e tal... No entanto, também não podemos omitir o óbvio: se a mídia influencia, é porque nós nos deixamos influenciar. Oras, ninguém é obrigado a assistir péssimos programas ou comprar determinados produtos, só porque foram colocados na televisão. Nós temos condições de fazer escolhas de quais informações transmitidas pela TV podem nos conceder conhecimento valioso e cultural. Não podemos permitir que sejamos vistos como animais enjaulados, dentro de mentes restritas, como bem diz a letra daquela música.

É chato, mas essa é a realidade que consigo vislumbrar. E para o bem da própria TV — neste caso, emissoras — , acredito que esta precisa, com urgência, mostrar-se imparcial, ao menos no que diz respeito o jornalismo, na forma como transmite as notícias, possibilitando a nós, a opção de, ou assentir a tal posicionamento, ou mudarmos de canal.

Se a mídia utilizasse mais o seu poder para conteúdos enriquecedores e a favor do público, certamente as pessoas teriam conhecimento com maior qualidade e senso crítico mais apurado para as inúmeras situações de suas vidas. É certo que o poder da mídia vai selecionar o que é favorecedor e importante naquele momento e âmbito para ela. Porém, caberá a nós, aceitar e transferir (ou não) aos outros tal conteúdo.

E que bem o diga Caetano Veloso… “Que a televisão não seja sempre vista como a montra condenada, a fenestra sinistra, mas tomada pelo que ela é de poesia”. Bem, ainda estou tentando encontrar essa tal poesia, juro…

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Liliane Machado Rodrigues Mazzucco
O Centro

Turismóloga turista, agnóstica, doida por música, cinema, arte urbana, bateria, vinho, cerveja, política, Irlanda e por aí vai… 🗺 instagram.com/naoperaviajei