A escolha de um menino

Roberta Roth
O Centro
Published in
4 min readMay 30, 2017
"Willie Gillis' Package from Home", Norman Rockwell (1941)

Desconheço a origem da tradição, mas no local onde passei a infância com a minha família, era costume que os meninos se empenhassem em uma atividade profissional desde cedo e a seguissem pelo resto da vida. Meu pai era criador de cavalos e tinha anunciado sua decisão aos 7 anos de idade.

O limite para que um menino oficializasse para a família qual seria o seu trabalho era de 12 anos, mas na minha casa era uma questão de orgulho pronunciar seu desejo ainda antes. Meu pai achava que isso determinava que éramos mais propensos a prosperidade se desde cedo tivéssemos em mente o futuro sustento.

Enquanto todos trabalhavam e ajudavam nos afazeres da casa desde pequenos, aos 13 os meninos se tornavam aprendizes naquilo que haviam escolhido. Meus irmãos mais velhos já começavam a fazer seus nomes como homens de honra e bons trabalhadores quando chegou a minha vez de oficializar meu desejo.

Apesar da rigidez em relação ao prazo da decisão, meus pais se orgulhavam de não impor nenhuma restrição quanto a escolha do ofício. Diferentemente das famílias dos meus amigos, a minha não desprezava uma ou outra profissão e preferia que todos fossemos livres para escolher o que quiséssemos.

Meu pai perguntou mais uma vez se eu havia decidido. Falei que sim e ele pediu a atenção dos meus irmãos, todos mais velhos e que já eram aprendizes ou auxiliares de padeiro, bombeiro e mecânico. Minha irmã ainda era muito pequena e a pressão profissional caía exclusivamente sobre os meninos, então era a última vez que esse ritual se passaria naquela mesa de jantar.

Todos olharam para o meu pai e então ele repetiu pela enésima vez a pergunta sobre o que eu havia decidido sobre meu futuro sabendo que dessa vez arrancaria uma resposta. Eu estava no limite do tempo que meu pai achava ideal para escolher uma carreira: 9 anos.

Engoli a comida que ainda mastigava, encolhi os ombros, olhei para a mesa e disse o que eu queria ser. Ao mesmo tempo em que eu falava, meus irmãos, impacientes, haviam começado a dar palpites. De tudo que foi dito, meu pai deve ter percebido que uma palavra que saiu da minha boca era:

"Policial!"

Minha mãe, que pouco interferia durante o jantar, sempre comandado com voz autoritária pelo meu pai, sorriu e suspirou feliz. Olhou para mim e balançou a cabeça como se afirmasse que eu tinha feito uma boa escolha. Eu estava satisfeito por não ter recebido nenhum olhar repreensivo, me senti aliviado.

O assunto tinha tido seu pico ali mesmo naquela noite e pouco foi comentado depois. Ouvi um ou outro pensamento em voz alta do meu pai e dos meus irmãos, mas jamais falei sobre isso novamente. Tinha me surpreendido positivamente com a reação de todos e queria manter esse sentimento vivo sem que outro tomasse conta.

Algumas semanas depois, meu pai convocou a todos novamente e avisou que precisávamos ir até a cidade vizinha, comprar alguns mantimentos para a troca das estações. Minha mãe adorava esses passeios com propósito porque eram os únicos que tínhamos. Eu adorava ir para a "cidade" e apenas observar como era a vida lá.

Fazia algumas horas que rondávamos aquelas ruas cheias de gente. Logo após o almoço pegamos todos os pertences e partimos em direção a estação, prontos para pegar o trem de volta para casa. Eu estava cansado e só pensava em retornar para o nosso ambiente doméstico. No entanto, tive a atenção roubada quando minha mãe deu um gritinho emocionada.

"Meu filho, veja! É você no futuro! Vá lá falar com ele!"

E, de fato, lá estava o que eu havia escolhido. Ao contrário da minha mãe, eu não via razão alguma para declarar que me inspirava nele e que havia escolhido aquela para ser a minha profissão. Ainda assim, fui gentilmente direcionado pela mão da minha mãe e decidi que não havia problema algum em agradá-la.

Parei em frente àquele homem vestido de azul. A farda era de tecido bom, do tipo que minha mãe raramente comprava para as nossas roupas, e enfeitada com algumas estrelas, pequenas medalhas e insígnias. Eu não entendia nada sobre a ornamentação toda e também não prestei muita atenção. Respirei fundo, me ajoelhei no chão, olhei bem para o seu cão policial e disse: quando eu crescer, quero ser como você.

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Roberta Roth
O Centro

Jornalista, Brasileira e em dúvida. Já deitei no trilho do tram em Amsterdã.