O principal telejornal da maior emissora brasileira. Foto: Reprodução/Google

A mídia hegemônica é de esquerda?

Fernanda Salla
O Centro
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4 min readNov 13, 2017

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Incomoda-me muito, ao abrir portais de notícias, ler coisas descabíveis. O problema não é — nem nunca foi — a ignorância, mas sim os discursos que se propagam devido a ela. Não saber não é errado. A adversidade vem ao falar sem saber, seja por ignorância ou má fé. Quando leio que a Globo é de esquerda ou que o Partido dos Trabalhadores (PT) instaurou o Comunismo no Brasil, meus olhos ardem. E para falar sobre isso, vou navegar, de forma muito pontual e com grande recorte, na história do jornalismo no Brasil.

No Brasil Colônia, o que podia se entender por jornalismo era nada mais que jornais fazendo a assessoria da Corte (vulgo Gazeta do Rio de Janeiro). O acesso era limitado e a maior parte da população era analfabeta. Com a Independência, não houve uma grande evolução, mas algumas coisas mudaram. Ficou mais clara a divisão entre oposição e apoiadores (liberais e conservadores).

O marco, evidentemente, foi a campanha pelo abolicionismo e a queda da Monarquia já no fim do período. A imprensa se dividia entre apoiar a Monarquia ou não, assim como a abolição. Tudo sempre foi pautado por interesses. Quem era a favor da queda da Monarquia não necessariamente era a favor da abolição. E aqui falo também de imprensa.

Por questões políticas, as ideologias podiam ser deixadas de lado por dinheiro e sustentação da imprensa num período de poucos investimentos. É importante ressaltar isso: nesses períodos não havia incentivo à imprensa senão pautando interesses pessoais. A população podia ser toda analfabeta que não estavam nem aí. E nisso, pensamentos e ideologias poderiam sucumbir aos interesses de sustentação dos veículos. Aconteceu com muitos, mas não todos.

Já com a República, vou ir direto para a Era Vargas. É bom lembrar que estou fazendo um recorte muito pontual sobre a história do jornalismo. Deixo para trás vários momentos e ricos elementos, desde o partidarismo descarado aos modelos de produção. Com Vargas, surgiu a ideia de um Estado autoritário consolidado. A censura apareceu por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Contudo, havia uma negociação direta entre imprensa (apoiadora) e Estado. Este liberava verba aos apoiadores e muitos se beneficiaram. Houve mais proximidade a divergências, na verdade. E nessa época, como uma onda mundial, o Estado se opusera ao Comunismo, o que atraía simpatizantes.

Mas foi no período de JK, com a era da “modernização”, que podemos pensar mais no jornalismo que vemos hoje, sob influência do Positivismo de Comte. Definiu-se um padrão textual e até mesmo estético. A partir desse período surgiu (no Brasil) o lead, a pirâmide invertida e toda a lógica quadrada do jornalismo. Deixadas as ideologias nada latentes e o jornalismo literário de lado, passou a se acreditar que o jornalista era o cara que falava a verdade. O jornalismo era então objetivo.

Com a evolução da indústria, os recursos aumentaram (ou começaram a existir) e o jornalismo ficou marcado pelo formato e pelo que acreditava. Foi a partir desse momento que se criou o conceito de imparcialidade no jornalismo, coisa fomentada até hoje. Porém, podemos pensar algumas coisas. Os interesses econômicos sempre moldaram o jornalismo. Não foi — e não é — diferente a partir do período de JK.

De lá para cá, podemos pensar na Ditadura Militar e nos dois processos de impeachment (o primeiro, renunciado; o segundo, golpe) e a mídia nisso tudo. Por mais que ela, hegemonicamente, declare-se imparcial, essa mídia sempre teve lado. E esse lado nunca foi o do povo. Toda a história do jornalismo é pensada por meio de períodos políticos. A História de maneira geral, é. E pensando em política, o jornalismo sempre teve lado.

Seja conservador ou liberal dos tempos antigos, seja a nossa direita ou esquerda dos dias de hoje, interesses políticos e econômicos as constituem. E quando pensamos que, em nosso país, poucas famílias comandam a hegemonia da comunicação, não há como não pensar o que há detrás disso. Parcialidade não necessariamente é se posicionar de maneira aberta. É o que se omite. É o recorte que se faz de uma situação. É o que tenta ser passado.

Falar sobre alguma contradição do Bolsonaro ou abordar gênero e sexualidade em telenovelas não faz da mídia tradicional um portal de esquerda. Fazer uma pauta que aborde direitos humanos não é “coisa de comunista”. As pessoas precisam começar a entender de onde vem as afirmações que são tidas como verdade na internet para que esses absurdos parem de ser propagados. E aí, entre tantas coisas, é que a democratização da mídia é tão urgente e necessária.

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Fernanda Salla
O Centro

escrevo sobre o que vier à cabeça | jornalista