“Ah, porque no meu tempo”

Mateus Feld
O Centro
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5 min readSep 27, 2017

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Uma vez li um grande texto aqui no Medium sobre como a História é cíclica. Eu gostaria muito, muito mesmo, de encontrá-lo novamente. Tentei, porém falhei.

O argumento principal era o de que vivemos presos em um clico de repetições de grandes eventos da história da humanidade. Não me aprofundarei na teoria, pois não faria justiça aos exemplos dados. Em resumo, o autor dissertava sobre como os mesmos conflitos ou grandes eventos políticos que já aconteceram há 50, 100 ou 150 anos atrás, continuam voltando a acontecer — e pelos mesmos motivos, ou, ao menos, variações deles. As mesmas indignações de gerações passadas voltam a nos assombrar. Separatismos, preconceitos, guerras, regimes, o que for.

Estaríamos, assim, fadados a esse ciclo. Eu até hoje não sei se concordo com essa ideia ao lembrar-me do texto — entretanto, sem dúvidas, ele me faz pensar (ei, ultimamente no Brasil tem gente achando que a ditadura militar deveria voltar, afinal. Sinto muito, professores de História).

Enfim. Comecei com esse exemplão sério quando queria, na verdade, falar de algo bem mais simples.

Ao invés de falar sobre Guerras Mundiais, Brexit e Donald Trump, quero falar sobre o seu tio.

É, aquele um que diz que “Ah, porque bão era no meu tempo, quando a gente saía pras festa pra conhecê as pessôa e não tinha essas coisa de celularr pra se incomodá”, enquanto ele compartilha piadas de bêbado no WhatsApp da família.

Ou sobre a sua avó, que diz que “Ah, porque bom era no meu tempo, que com dez anos a gente já tava trabalhando pra aprender a ser responsável”, como se isso fosse uma realidade ótima para uma criança de dez anos.

Ou, quem sabe, sobre você, que diz que “Ah, porque bom era no meu tempo, quando a gente ficava na rua até noitinha, com pé no chão mesmo, se sujando e brincando de pique-esconde. Minha geração foi a última!”.

É claro que tudo aí em cima tem o seu valor — a sociedade, inserida na realidade de sua época, funciona da forma que precisa. Entretanto, apesar de o tempo ser um só, não podemos esquecer que a humanidade evolui conforme o seu passo, e não o dele.

Imagine o tempo como um trem, e nós como os seus passageiros. Agora, imagine que você tenha o seu lugar no trem e ele nunca muda: por toda a sua vida, esse é o seu lugar. Por muitos dos primeiros anos, é um lugar novinho e maravilhoso: você afunda no estofamento, de tão confortável. Tudo é brilhante e bonito, a decoração é moderna, as cores lhe agradam e tudo é exatamente o melhor que se pode ter naquele tempo.

Entretanto, os anos vão passando conforme o trem viaja. O seu lugar vai, com o andar do tempo, se deteriorando aos poucos, como acontece com tudo (inclusive conosco). O estofamento vai ficando duro e velho, as cortinas vão sujando, a mesa à sua frente começa a ficar capenga. Ao mesmo tempo, novos passageiros vão subindo no trem a cada dia, e seus lugares são totalmente novos, com tudo o que eles gostam.

Muitas vezes, essas coisas novas que os novos passageiros têm podem não significar muito para você. Pro inferno se o pessoal lá de trás assiste televisão através de uma lente fixada nos olhos. Você gostava mesmo era do seu estofamento de couro que o fazia afundar. E de cortinas limpas. E então você se pega dizendo “Ah, por que bom mesmo era o meu lugar aqui no trem quando cheguei”.

O que quero dizer é que nos apegamos ao que vemos de melhor em nossas vidas. E, geralmente, é nesse espaço de tempo entre a infância e início da vida adulta em que depositamos nossas melhores e mais importantes memórias — aquilo que nos torna o que somos hoje e aquilo pelo qual temos maior apreço.

Podemos questionar cinquenta gerações, e todas elas vão nos dizer que a sua foi melhor do que é a atual, ao mesmo tempo em que a atual dará de ombros e continuará o que estava fazendo, simplesmente porque a anterior não importa. A geração atual está vivendo o seu momento.

“A gente não usava tênis não! Só pra ir na igreja tinha sapato!”

Ou seja, essa sensação de ciclo se repetindo “assombra” não apenas grandes eventos históricos, mas também nossas relações com o mundo e com a sociedade ao nosso redor.

Dessa forma, não é improvável que no futuro você ouça (enquanto não inventarem a imortalidade) coisas como o seu neto dizendo:

Ah, porque bom era no meu tempo, quando a gente falava por vídeo com as pessoas e tinha que se enquadrar na tela da TV ou do celular pra caber todo mundo! Holograma é muito fácil, rsrsrs”;

Ou seu bisneto resmungando que:

Ah, porque bom era no meu tempo, quando a gente podia conversar com pessoas nas lojas e nos restaurantes! Esses robôs nunca dão bom dia ou boa noite…”;

Quem sabe seu trineto com:

“Ah, porque bom era no meu tempo, quando a gente fazia viagens de carro deliciosas, ouvindo música e curtindo a paisagem! O teletransporte acabou com aquele gostinho”

Talvez seu tetraneto dizendo que:

“Ah, porque bom era no meu tempo, quando a gente morava na Terra! Essas batatas vermelhas aqui de Marte simplesmente não têm o mesmo sabor…”

Ou, até mesmo, seu pentaneto:

“Ah, bom era no meu tempo, quando vivíamos com os humanos! Desde que decidiram erguer esse campo de força e sair da União Galática, o preço da cerveja triplicou!”

Ei, você chegou até aqui nessa leitura? Esse texto exige 5 minutos de leitura e hoje em dia ninguém tem mais do que 2 minutos livres. Uau, muito obrigado.

Sabe de uma coisa? Bom mesmo era no meu tempo, quando a gente o tinha de sobra.

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Mateus Feld
O Centro

Fundador da adormecida publicação O Centro. Eventual escritor de contos curtos, curtos demais.