Ansiedade 101: Introdução à Prática de Viver Neuvosor
Atenção.
Limpe a sua mente.
Isso vai ser fácil.
Respire fundo até doer um pouco.
Segure aí por mais uma linha.
Agora sim, limpe a mente de verdade. Havia sobrado um pouco daquela discussão com seu colega no trabalho ontem, né? Será que hoje, quando ele não lhe deu bom dia antes da reunião, foi porque ele ficou chateado? Será que ele discutiu com você, em primeiro lugar, porque você havia feito algo de errado antes?
Calma.
Solte a respiração, bem devagar.
Quer dizer, você não estava mais segurando a respiração, né? Tudo bem, eu sei que é difícil.
Ainda mais quando falta pouco para o fim de ano e você ainda não decidiu o que vai fazer na festa de réveillon, e o pessoal do escritório vai cada um fazer algo diferente, e o pessoal da sua família também, e esse ano o trânsito vai ser complicado pra caramba, e —
E você olha pro relógio e já são 22h. E você ainda não começou a fazer o que havia planejado fazer às 22h, que é assistir ao próximo episódio de Black Mirror, que tem 45 minutos — o que é perfeito, porque às 23h você planejou ler um livro por uma meia hora pra depois ainda dar tempo de ver alguns e-mails antes de apagar a luz pra ficar ouvindo música e pegar no sono ali por volta da meia-noite.
Certo.
Melhor ir ligando a Netflix.
VOCÊ PAGOU A INTERNET? Era pro dia 15 e já é dia 20.
Ah, pagou sim.
Certo.
E a reserva no Mexicano pra daqui a 3 semanas quando o seu primo e a esposa dele vierem do interior para lhe visitar e vocês saírem pra jantar juntos?
Está paga também, você lembra.
Você deixou seu primo confirmar que eles viriam mesmo, pra poder pagar a reserva antecipadamente e também cancelar o fim de semana na praia com o pessoal da faculdade, e então ficar com o casal. Foi um saco, porque você queria muito ir para a praia com o pessoal da faculdade. Mas também sabia da importância de receber o seu primo e a esposa dele depois de dois anos sem os ver. E você curte muito os dois, na real. E com o pessoal da faculdade você sai uma vez por mês, né? Mas nunca pra ir à praia… E vai ser divertido pra caramba, lá.
Calma. Respire fundo. Feche os olhos e segure um pouco. Vá soltando deva —
Seu celular vibra.
Seu coração acelera.
Você abre os olhos e se lança ao aparelho.
Há duas notificações ali. Você logo vê que uma delas é uma chamada perdida de sua namorada.
Há 49 minutos.
Puta que pariu.
Ela deve ter saído mais cedo da aula, ligado pra você pedindo pra buscar ela, e você não atendeu, então ela pegou carona com um colega que é super cool, mas também um trouxa irresponsável, e ele vai querer impressionar ela dirigindo como o Vin Diesel, e eles vão bater o carro contra uma carreta na contramão quando ele não conseguir ultrapassar o ônibus na frente deles a tempo e vão morrer.
Você liga pra sua namorada e começa a caminhar pela casa.
Tuuuuu…
Você está molhando os lábios e de repente rabiscando quadrados num pedaço de papel em frente ao balcão da cozinha.
Tuuuuu…
Você está na frente da geladeira com a porta aberta. Como fica o velório do corpo, se em um acidente de carro contra uma carreta na contramão tentando ultrapassar o ônibus da sua frente, ele fica realmente feio?
Tuuuuu…
Como ficam os planos de vocês? E a viagem comprada pra Nova Zelândia no ano que vem? Será que você vai sozinho ou cancela?
Tuuuuu…
Será que depois de um ano está tudo bem se apaixonar por alguma neozelandesa? Mas ninguém nunca vai querer namorar com você de no-
“Alô?”, diz voz de sua namorada do outro lado da linha.
Você fecha a porta da geladeira e se escora no balcão da cozinha, passando a mão no cabelo.
“Oi, não vi sua ligação antes, tudo bem?”
Ela queria saber qual era o nome da palestra que você vai ir na semana que vem, para indicar a uma colega.
Vocês conversam um pouco e desligam. Ela vai voltar de ônibus.
A outra notificação é uma mensagem do seu primo no Facebook.
“Cara, precisamos ver um assunto”.
Fodeu.
Ele vai dizer que não pode mais vir visitar você e jantar no Mexicano. E agora a reserva já está paga.
Um sopro gelado lhe congela a espinha.
Você cancelou a praia com a galera da faculdade.
E tinha até três dias atrás para confirmar se você iria ou não. Agora já fecharam o aluguel da casa e você não vai mais poder ir. E sua namorada vai estar em um congresso em São Paulo, no qual ela só confirmou presença porque você estaria ocupado de qualquer jeito. E agora você vai ficar sem nada.
“Opa,” você manda de volta para o seu primo, seus dedos agarrados ao celular como se fosse um copo de água no deserto.
“Cara, tudo bem se chegarmos um dia depois? A Mariana vai precisar trabalhar um dia a mais,” são as palavras que aparecem no balãozinho azul na tela do seu celular.
Você respira fundo e se joga no sofá pra responder.
“Claro, cara. Sem problemas. A nossa reserva pro Mexicano é só pro sábado à noite msm”
“Blz, vlw!”
Você olha para o relógio do seu celular.
22h27.
Você sente aquela queimação em seu peito.
Ei, você está ofegante.
Respire fundo.
O Netflix vai ter que ficar pra amanhã.
Bosta.
Você abre o Spotify e coloca um George Harrison pra tocar. Será que era seu Beatle favorito? Nah… Era o Paul. Será? Isso é uma opinião importante para se ter pronta caso um dia alguém lhe pergunte.
Você passa os próximos trinta minutos com dezoito abas abertas pesquisando sobre a vida pessoal de cada um dos garotos de Liverpool.
São 23h.
Você pega uma cerveja e vai pra cama. E, apesar de não ter visto o Black Mirror de hoje, você se parabeniza por estar deitado no horário que havia planejado.
Você pega o seu livro e deixa o George Harrison cantando no fundo. Nada vai atrapalhar esse momento. Você desliga o Wi-Fi do seu telefone. Você mergulha no livro e viaja na história que aquelas palavras lhe contam.
Ao terminar um capítulo, você abre seu notebook para ver seus e-mails, como planejado.
São 23h49.
Tudo bem. Você toma um gole da sua cerveja e se estica na cama.
Então seu olho cai sobre um e-mail “Sem Assunto” do seu colega de trabalho.
Aquele que não lhe deu bom dia, hoje. Aquele da discussão de ontem.
Puta que pariu.
Ele vai cagar em você. Vocês eram bons amigos. Ele era o único que sempre topava um happy-hour com você.
Você lê todos os e-mails antes, deixando o dele por último. Deixa ele paradinho lá, como Não Lido.
Então você clica no e-mail: seu coração está suando e o seu peito está pesado.
Uma rodinha gira no centro da tela por doze segundos até as palavras surgirem na tela.
“Cara, fiz um vídeo zoando a galera que passou do limite na festa de fim de ano da firma. Vê aí se ficou legal, abs!”
Você sorri e olha para o relógio.
23h59.
Melhor deixar o vídeo para amanhã, afinal, ele tem 3 minutos e 49 segundos, e se você assisti-lo, vai precisar responder a mensagem, também. Você a marca como Não Lida novamente e fecha seu e-mail.
Você vai fechando as abas do seu navegador quando de repente pula na sua timeline um texto aleatório no Medium.
“Ansiedade 101: Introdução à Pratica de Viver Neuvosor”.
Você dá de ombros e bebe o último gole de sua cerveja. Já passou da meia-noite, afinal. Melhor apagar a luz e deitar. Amanhã o dia vai ser louco.
(m. f)