Caos

Fabryce Scharlau
O Centro
Published in
3 min readMay 8, 2017
Photo by Jeff Pioquinto.

A única fonte de luz era a tela do computador. Preenchia o quarto escuro com sombras mescladas e incertas, transfiguradas. Envolvida por um cobertor quente, protegida, as pernas encolhidas em cima da cadeira. Digito, paro, vagueio, respiro, repito. Por ora, tudo estava bem. O controle estava em minhas mãos novamente. Me encontrava reclusa em meu casulo particular, me reconstruindo. Esperando sair melhor do que quando entrei.

Há poucas horas eu estava confiante de todos os aspectos da minha vida. Positiva, inabalável. De cima da montanha, eu vi o primeiro dominó vacilar. Quando a realidade lhe atinge você sabe que tudo vai desabar muito antes de você conseguir piscar. E um a um eles tombaram. A montanha tremeu e se desfez sob meus pés. Uma grande boca abriu-se na terra e eu fui soterrada e sufocada. Pela primeira vez, toda a minha realidade, meus pensamentos e minhas expectativas começaram a ser questionados ao mesmo tempo.

O medo me pegou tão desprevenida que eu comecei a dissecar cada pedaço da sensação para tentar descobrir e entender a fonte da desordem. O dedo por trás daquela reação em cadeia. Bastaram segundos de escaneamento mental para concluir que não havia nenhuma. Era apenas um vento passageiro e não havia o que entender, pois era invisível e sem raiz.

Essa percepção fez tudo pior. Não havia chão a ser explorado, nenhum corpo a ser analisado. Nenhuma ideia ou situação física a qual se agarrar e com a qual justificar. Não era medo de nada. Era medo de tudo. A primeira coisa que você quer fazer ao se deparar com esse tipo de sentimento é correr e se esconder, pois se agarra à fortíssima esperança de que o medo não vai lhe perseguir e lhe perturbar quando estiver longe e em um local seguro. Mas não era esse tipo de medo. E fui paralisada.

Não apenas fiquei fisicamente petrificada aonde me encontrava como de repente vi todas as minhas engrenagens mentais atrofiarem. Do meio de tudo, as dúvidas e incertezas foram saltando, uma a uma, como pequenas assombrações, em sustos sucessivos. Medos referentes à minha percepção da realidade, ao meu individualismo, às minhas escolhas, a me expressar e me abrir, a perder amizades, amores, a ser alguém diferente de quem acho ser, a passar ideias errôneas, equívocos, incertezas, medo de falhar, de escrever, medos relacionados a ser mulher, a sair, a caminhar, a falar, a me envolver, a machucar pessoas, medo de agressões físicas, mentais, verbais, do passado, presente, futuro, medo do tempo, o tempo todo. Tudo que surgia era infectado e contaminado com extrema rapidez e eficiência. E eu apenas espectadora, no camarote da ruína.

Caos. Minha mente estava enevoada e instável, meus sentimentos embaralhados, espalhados e quebrados. Havia-se perdido a vontade, então o corpo se limitava a vegetar enquanto a mente trabalhava a todo o vapor tentando instalar algum tipo de ordem. O coração estava afundado, havia um rombo no estômago, calafrios percorriam o corpo, transpirava mesmo inerte.

O relógio foi girando e não houve clímax e nenhum momento de compreensão e plenitude. Apenas a constância do incerto. Eu estava preocupada, angustiada e assustada. Você sente uma variedade de medos inúmeras vezes na vida, e por mais que você esteja consciente da sua existência, você nunca está preparado para sua aleatoriedade. Difícil prever algo desconhecido ou evitar algo certo. Os remédios não fazem efeito imediato e não curam, apenas maquiam sintomas. Não há escudo e armadura que resista, pois ele vem do centro, atacando de dentro de suas muralhas.

Passei horas estagnada, espantada e embriagada. Caí em um sono perturbado e semiconsciente. Quando acordei, os resquícios daquela névoa estavam se dissipando. Cautelosa, me reconhecia novamente, me reconstruía e fortificava. Tomava novas decisões, escolhia novos caminhos. A confiança voltava a energizar meus circuitos. Era o conforto do chão firme após uma queda livre. Percorri meus arquivos mentais novamente e reparei que, entre fragmentos do terror do dia anterior, um novo receio estava instalado no escuro: o medo de temer tudo uma vez mais.

Levou-me um tempo para clicar em enviar. Os sentimentos ainda estavam frescos na minha mente e eu não estava pronta para compartilhar algo tão íntimo e, pior, tão repleto de falhas e revelando tantas outras. Enquanto eu analisava a página, há pouco em branco, ouvia meu novo mantra ressoando no interior da minha cabeça: acabado, não perfeito. De novo, de novo e de novo. Ecoando muito após o clique final.

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