Foto por Nish Nalbandian, publicada em sua coleção “A Whole World Blind”

Chegando mais perto da guerra: o medo pior que o terror

Mateus Feld
O Centro
5 min readMay 4, 2017

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O dia nasce com um clarão, mas não aquele da luz do sol.

É um clarão que mistura azul e amarelo e que é seguido por um estrondo seco e que faz o mundo tremer.

O garoto vê a explosão pela janela de seu quarto e então sai correndo. Os pés descalços chocam-se contra a pedra e a poeira em um ritmo tão veloz quanto o pulsar de seu coração.

Ele chega até a casa de seu avô, que fica em frente de onde ocorreu a explosão. Ele enxerga o velho homem. Está vivo. Está sentado. Sufocando.

O garoto se aproxima, mas o mundo começa a girar e então tudo fica preto.

Essa é só uma das histórias que poderiam ser contadas após o brutal e, cada vez mais evidente, ataque químico lançado pelo regime de Bashar al-Assad, ocorrido na Síria no início de Abril.

Após acordar em um hospital na cidade de Ryhanli, cidade turca que faz fronteira com a Síria, Mazin Yusif, de apenas 13 anos, descobre que havia perdido 19 membros de sua família, incluindo o avô e primos.

Mazin explica que acordou desorientado e acreditando estar em uma clínica ainda em Khan Sheikhoun, sua cidade. Qual foi a primeira coisa que ele disse, ao acordar?

“Eu olhei para o cara na cama ao meu lado e disse pra ele: ‘Nós precisamos sair daqui. Os aviões vão nos atingir novamente.’”

Esse é o primeiro pensamento que um garoto de 13 anos tem ao acordar: o medo de que mais um ataque aconteça. Mazin resume, nessa única frase, o sentimento que assombra a sua vida e a de tantos outros que vivem hoje sob condições de terror.

Esse não deveria ser o primeiro pensamento de nenhum garoto de 13 anos ao acordar, em lugar algum. O medo constante, dia após dia, de perder um futuro, de perder uma pessoa importante. Mazin perdeu 19 delas.

Para Mazin, a guerra, o perigo e o terror fazem parte de sua realidade desde os 7 anos, quando os conflitos na Síria se iniciaram. Essa não deveria ser a vida de nenhum garoto de 13 anos, em lugar algum.

Chegando mais perto da guerra

Há muitas discussões sobre a possibilidade de uma terceira guerra mundial surgindo. Os Estados Unidos lançaram 59 mísseis contra uma base aérea defendida por Assad; uma semana depois, os americanos lançam a “mãe de todas as bombas” no Afeganistão; a Coréia do Norte continua realizando testes militares e anunciando que não teme ninguém.

Tudo isso contribui para esse sentimento de insegurança que reina na política internacional, hoje. E nesse tipo de assunto, é normal que todo mundo tenha uma opinião sobre “o que o governo X deveria fazer com o governo Y”. Todos esses fatos grandiosos são importantes e dignos de discussão, é claro. É a história acontecendo perante os nossos olhos.

Mas, em momentos como esses, de notícias grandiosas sobre bombas, explosões, decisões colossais, homens importantes e territórios inteiros em jogo, precisamos dar um passo a frente; chegar mais perto da poeira e notar as histórias de cada ser humano que está no meio disso tudo.

O governo do Japão emitiu, na semana passada, um guia de “ações para se proteger” no caso de ataques terroristas. E, segundo autoridades japonesas, a população teria 10 minutos para agir em caso de mísseis balísticos serem lançados pela Coréia do Norte em direção ao país.

10 minutos.

Para encontrar proteção. Para correr. Para fazer algo.

Cada cidadão japonês pode ter uma opinião diferente sobre quem deve atacar quem, ou o que o seu país ou a comunidade internacional devem fazer. Entretanto, no momento em que só há 10 minutos para sobreviver, nada disso importa.

A politicagem não importa mais.

Tudo o que importa é saber se daqui a 10 minutos você e sua família ainda estarão de pé.

O medo pior que o terror

Essa foi a primeira vez que o governo japonês divulgou informações sobre como agir no caso de um ataque norte-coreano.

Imagine, agora, o medo constante de cada cidadão japonês.

Esse tipo de medo, gerado pela dúvida e pela insegurança, é cruel. É desgastante. É um sentimento diferente do terror: é um medo que pesa nos ombros e lhe arrasta para baixo todos os dias, pois você não sabe se verá a luz do sol novamente, quando a noite cai.

O terror vem à tona nesses dez minutos que você tem para encontrar abrigo e abraçar seus familiares, pois alguém tomou uma decisão do outro lado. Ou quando você ouve os aviões vindo e enxerga as bombas caindo perto da casa de seu avô.

Esse é o terror que consome o corpo, que ativa o instinto de sobrevivência, que dá forças e faz agir, sair correndo. Todas as horas antes são medo.

Medo diário do que está por vir. Medo que mexe com o psicológico. Que faz chorar. Que dá frio.

É o mesmo medo que assombra os cidadãos Sírios há quase 7 anos.

As investigações sobre o ataque químico que matou os 19 familiares de Mazin — e, num total, mais de 80 pessoas, incluindo crianças — ainda estão ocorrendo. Mas, para Mazin, as conclusões não mudarão em nada. “Estados Unidos”, “Rússia” e “Assad” são nomes que valem muito menos do que o nome de cada uma das pessoas que ele perdeu. O peso das consequências é infinitamente maior do que o das causas.

Em meio a todo o caos que reina a cada dia nas capas de jornais e em meio às nossas discussões políticas sobre quem deve apertar o botão e quem não deve, lembremos de que à frente de toda decisão política sempre existirá um garoto de 13 anos, correndo sob a luz do sol, esperando que possa vê-la novamente amanhã.

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Mateus Feld
O Centro

Fundador da adormecida publicação O Centro. Eventual escritor de contos curtos, curtos demais.