Detox digital para amadores

Usar a internet pode ser mais viciante do que um baseado

Roberto Bemfica Peters
O Centro
5 min readJul 30, 2017

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Por quantas horas você permanece conectado à internet? Mentira se disser que por apenas algumas horinhas do dia. Vamos lá, admita: você, como a maioria das pessoas do século XXI, não vive sem o seu smartphone ou sem o seu computador, em casa ou no escritório, ligado direto no WiFi ou no 4G. Você não consegue realizar as suas tarefas diárias, interagir socialmente, buscar notícias e informações — nem mesmo relaxar! — sem estar online. Seja no metrô, no ônibus ou até no banheiro (!), precisamos da senha do WiFi. WhatsApp, Instagram, Facebook, YouTube, Wikipedia, Spotify, Twitter, Tinder, XVideos, e-mails: todos eles só fazem sentido se houver conexão.

Olhos vidrados nas multitelas, alheios ao que ocorre no mundo off-line ao redor: os prazeres e as dores de da hiperconectividade da cabeça às mãos.

Quem inventou a lâmpada? Quantos graus faz em Gramado? Qual o melhor remédio para dor de cabeça? Quanto custa o iPhone 7? Como se escreve “empecilho”? Jogue no Google e terá a resposta. Não foi à toa, aliás, que esse oráculo global de informações se tornou sinônimo da própria internet. Quando o cientista inglês Tim Berners-Lee concebeu a rede mundial de computadores, em 1989, talvez não calculasse o profundo impacto que ela causaria no comportamento humano. Assim como Larry Page e Sergey Brin, que possivelmente não imaginavam a magnitude do seu invento quando fundaram o buscador mais famoso do mundo na garagem de Susan Wojcicki (atual CEO do YouTube) em Menlo Park, nos Estados Unidos, no final dos anos 90.

Vivemos, portanto, a era da hiperconectividade. Distúrbios no sono, dificuldade de concentração, dores nas mãos e nas costas, falta de atenção no trabalho e na escola, amigos e familiares preteridos. Quando teclamos furiosamente no celular ou navegamos pelo computador, dizem especialistas, experimentamos uma sensação de euforia e recompensa característica de um viciado em heroína. Esses sintomas são típicos dos tempos atuais. A segunda tela vai, aos poucos, assumindo o controle das nossas ações. Multitelamos, enxergando o mundo enquadrado, e nos contentamos com isso.

Fenômeno de consumo multitela: acessamos conteúdos simultaneamente pelas telas do computador, tablet e smartphone, enquadrando o mundo em frames delimitadores.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há instituições dedicadas ao tema do vício eletrônico que oferecem tratamento e palestras de conscientização. Uma espécie de rehab digital. Na China, porém, resolveram ser um pouco mais radicais: criaram campos de concentração para combater essa compulsão. Segundo dados de julho de 2014, há 632 milhões de internautas na terra de Xi Jinping. Entre os usuários menores de idade, o governo chinês estima que 24 milhões deles sejam “viciados”.

No Centro de Tratamento de Vício em Internet de Daxing, em Pequim, a doutrina é heterodoxa. Desde 2006, mais de 6 mil garotos (e, ocasionalmente, garotas) já passaram pelas mãos de psicólogos e militares que prometem a cura. Lá a disciplina é rigorosamente militar, e não há um dispositivo sequer com acesso online. Alguns excessos já foram cometidos, como eletrochoque e castigo físico, apesar das críticas de especialistas. Os pais chegam a pagar mensalidades de até 9.300 iuanes (pouco mais de 1.300 dólares) por mês para manter os seus filhos afastados do computador.

Mas será que essa tortura adianta mesmo? Evidências científicas apontam que essa compulsão digital, mais do que uma condição médica “curável”, deve ser considerada um desvio social. O tratamento adequado envolveria terapia cognitivo-comportamental individual e em grupo, com a participação de familiares, amigos e parceiros. Em casos extremos de ansiedade e transtornos do humor, como a depressão, a medicação até poderia ser eficaz. Mas o que se vê nesses campos militares chineses, além de antiético, é desumano.

A nossa compulsão digital se traduz em pequenos comportamentos cotidianos disfarçados de hábitos aparentemente inofensivos, como passar uma madrugada jogando online ou acessar as redes sociais enquanto estamos sentados em um vaso sanitário no banheiro de casa ou do trabalho.

Se você passa mais de 10 horas por dia conectado, atenção: são altas as chances de você ser um viciado. Mas quantos de nós seríamos capazes de admitir o vício? Você conseguiria empreender um detox digital? Acha impossível viver desconectado? Ficamos o dia inteiro ligados na web e, quando passamos um fim de semana no interior, achamos ruim perder o sinal. Se vamos ao restaurante, antes mesmo de pedir o cardápio já queremos saber qual é a senha do WiFi. Se o estabelecimento não tiver conexão, então… deu ruim: lá se vão as estrelinhas na avaliação no Four Square ou no Trip Advisor. Marcamos um encontro presencial com amigos ou algum crush e, em menos de 5 minutos, já estaremos deslizando a tela do celular com os dedos, cabeça inerte e os olhos vidrados em conteúdos muitas vezes sem sentido.

Nós nos ligamos à rede e nos desligamos da nossa vida off-line. De alguma forma, procuramos nos desconectar das nossas próprias subjetividades e precariedades, fugindo dos pensamentos que nos infligem choques de realidade: a dívida para amortizar, o relatório para entregar, o trabalho para redigir, a conta para pagar, o namoro para enfrentar, o fora que se levou, a academia que se gazeou, o emprego que se perdeu, a crise que se agravou.

Em entrevista ao jornal O Globo, o psicanalista argentino Alberto Goldin explica que, nos momentos em que estamos sozinhos, somos obrigados a pensar em nossas questões pessoais. Mente vazia é oficina do diabo, já diria o outro. Quando tuitamos, escrevemos um post, mandamos e-mails ou trocamos mensagens, evitamos a reflexão cotidiana mais profunda. Diz o médico: “A pessoa que tem dificuldade de lidar consigo mesma pode se aferrar a essa muleta tecnológica e criar um vício.” Diria mais: elas nos dão uma sobrevida. Ou nos fazem viver a ilusão de uma vida ideal. Nas redes sociais, somos todos felizes, não é mesmo?

Cabe a nós sair do círculo vicioso que o uso excessivo internet engendra. Desligar o WiFi, deixar o smartphone em casa, bloquear notificações e concentrar a atenção nas pessoas que interagem e socializam com você diariamente podem ser algumas das estratégias para superar o vício digital.

Tecnologia, essa mal compreendida. O problema não é a tecnologia em si, mas o uso que fazemos dela. É fácil terceirizar a culpa e as frustrações. É o (des)governo, são os políticos, são os celulares e a internet. Essa hiperconexão diária é, sem dúvida, um fator de risco. Mas cabe a nós quebrar esse ciclo, saindo do círculo vicioso que não só o uso excessivo internet, como também outros hábitos compulsivos, engendram. Deixe o smartphone em casa algumas vezes por semana, bloqueie as notificações, crie períodos de inacessibilidade (em que as pessoas saibam encontrá-lo apenas em caso de extrema urgência), ensine os seus contatinhos a respeitarem os seus horários e, sobretudo, a não ficarem desesperados se você não responder ao Whats em tempo real. Organize uma lista de coisas a não fazer (como ler e-mails logo ao acordar ou checar a timeline do Facebook a cada 10 minutos), evite outras ferramentas ou aplicativos potencialmente viciantes (como Instagram, Twitter ou Snapchat) e — principalmente — ignore o celular ou o computador enquanto socializa com outras pessoas.

Garanto que a adrenalina de permanecer off-line também pode ser tão estimulante e prazerosa quanto aquela proporcionada pelo consumo de um entorpecente. A gente até percebe que o sol é amarelo e que os livros têm cheiro. E não me venham falar dos malefícios da maconha. Porque usar a internet diariamente é mais viciante do que fumar um baseado, acredite.

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