Histórias esquecidas

natália scholz
O Centro
Published in
3 min readNov 2, 2017

Recentemente tive a incrível oportunidade de realizar um sonho ao viajar para a Irlanda por alguns dias. Dentre as inúmeras atrações que me encantaram, destaco a Galeria Nacional da Irlanda, um museu cheio de obras de arte maravilhosas. Entre tantos nomes de pintores conhecidos e obras majestosas, uma galeria chamada Forgotten Faces me chamou a atenção ao apresentar uma seleção de retratos de pessoas desconhecidas ou sem a identificação do pintor. Na introdução da exposição havia um texto muito legal, que segue (com tradução livre):

The people depicted in these portraits wanted to be remembered.
Over the years, however, their names and achievements have faded from memory. (As pessoas pintadas nesses retratos queriam ser lembradas. No entanto, ao longo dos anos os seus nomes e as suas conquistas caíram no esquecimento.)

The paintings — by Italian, Spanish, Dutch, and Flemish artists — date to the sixteenth and seventeenth centuries. Some were intended to be shown in public, others were private. They represent people who wished to mark significant events in their lives, to flaunt their wealth, or to reveal their social standing. All wanted to register their existence in a medium that would outlive them.
(As pinturas — feitas por artistas italianos, espanhóis , holandeses e flamengos— são dos séculos 16 e 17. Algumas foram feitas para serem expostas em público, outras, não. Elas representam pessoas que queriam marcar momentos significativos em sua vida, exibir sua riqueza ou revelar sua posição social. Todos queriam registrar sua existência em uma mídia que permaneceria após a morte deles.)

We can try to decipher these mysterious images by examining the individuals’ gestures, costume, accessories and settings. Ultimately, however, this display of forgotten faces encourages us to consider people’s anxiety about time, memory, identity and legacy, and how portraiture provides us with the illusion of permanence in a changing world.
(Podemos tentar decifrar essas misteriosas imagens examinando os gestos, as roupas, os acessórios das pessoas, bem como o contexto em que aparecem. Acima de tudo, essa seleção de rostos esquecidos nos faz pensar sobre a ansiedade das pessoas em relação a temas como tempo, memória, identidade e legado e como retratos nos dão a ilusão de permanência num mundo em constante mudança.)

Curadora: Claire Crowley

Forgotten Faces | National Gallery of Ireland

Enquanto eu analisava cada uma daquelas pinturas, me passava pela mente: qual a história dessa mulher, que tão orgulhosa exibe seus anéis nos dedos? Quem foi esse senhor? Ou essa menininha? Quanto tempo será que ela viveu? Quem quis fazer esse retrato? Onde ele esteve e por quê? Ninguém sabe. São histórias perdidas.

Volta e meia me pego pensando nas gerações anteriores à minha, o quanto de história precisou acontecer para chegar a minha vez de aparecer por aqui. Eu amaria saber os caminhos que foram tomados, os dramas vividos, as dores e as alegrias. Será que minha tataravó também carregava as mesmas preocupações que eu? Será que ela desafiou alguma regra da época dela para ser quem ela foi? Quem foi aquela mulher? Gosto de criar teorias na minha mente, mas não sei nem seu nome. É mais uma história perdida.

Fico imaginando sobre o futuro, se nossas histórias se perderão assim, mesmo com nossa obsessão por contar nossas vidas aos quatro ventos. Será que em 500 anos alguém vai encontrar uma selfie minha no espelho do banheiro e questionar quem foi essa mulher, como foi a vida dela, como era ser jovem no século 21 etc? Vou chutar que não. Porque convenhamos: vai ter tanta selfie aleatória, que provavelmente ninguém vai se importar ou encontrar qualquer significado nelas. (Até por que nem sabemos se essas fotos ainda existirão. Será que a web resistirá?) Mas vai saber…

A verdade é que não queremos ser esquecidos; queremos deixar um legado nesse mundo. E por menor que seja, nós fazemos a diferença. Quem pensa que só pessoas de destaque na sociedade têm uma história boa para compartilhar está completamente enganado. Minhas melhores pautas como jornalista sempre foram sobre pessoas que, a princípio, nem achavam que tinham algo legal para compartilhar. E foi contando essas histórias que me apaixonei ainda mais pela profissão que escolhi para mim.

Espero realmente que nossas fotos não virem destaque por serem esquecidas. Torço que fiquemos na memória, nem que seja apenas para a geração que nos segue. Pois por mais efêmera que seja nossa vida, é das nossas histórias que se faz a História desse mundo. E nós somos todos fundamentais, sem dúvida alguma.

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