O quinto da fila…

Andressa Boll
O Centro
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3 min readJun 7, 2017

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O sol não quis nascer naquele dia. Em seu lugar, uma garoa fria chorava e nenhum daqueles pingos era de esperança. Vestiu seu chinelo gasto, ajeitou o cabelo com as mãos calejadas e unhas sujas e foi de encontro ao mundo. Sabia que aquele não era o seu lugar, mas não fazia a menor de como sair dali.

Às 6 horas da manhã o sino da igreja tocou. Tratou de apressar o passo. Era um sinal avisando que não restava muito tempo. Há muito não usava relógio, mas seguia sendo pontual. Arriscou uma corrida, porém seus pés cansados não aguentaram por muito tempo. Tinha dias que sentia que carregava o mundo inteiro nas costas.

Num passo apressado, e acompanhado por olhares desconfiados, desviava dos cacos de vidro de garrafas quebradas por bêbados na madrugada. Já havia se ferido tantas vezes que agora cuidava bem onde pisava. Tinha os pés no chão e prestava atenção por onde andava. Porém, havia campos em que não tinha esse controle. As feridas emocionais, ah, essas sim, eram as mais perigosas. O campo de sua mente era tomado por minas prestes a explodir a qualquer passo errado.

Enfim chegou ao seu destino. Era o quinto da fila. “Tive sorte”, pensou, enquanto outros iam chegando e se posicionando atrás dele. Em meio ao tumulto, gritos e empurra-empurra das pessoas que queriam furar a fila, se pegou pensando no que encontraria naquele dia. Fazia tempo que ansiava por um sanduíche. Pão, manteiga, queijo e presunto. Simples. Não para ele. Fazia tanto tempo… Suspeitava de que nem se lembrasse mais do gosto que tinha.

Chegou a sua hora. Lá estava o tonel de lixo do supermercado, cheio de coisas desperdiçadas por tantos, mas que para ele era a esperança do dia. Tratou de catar com pressa tudo que encontrou (e que podia carregar), afinal, daqui a pouco chegariam os seguranças do local e todos teriam que sair dali (com ou sem fome). Uma maçã amassada, um pacote de biscoitos quebrados e um iogurte vencido há uma semana. Não tinha medo de passar mal. Tinha medo era da fome.

Pegou a refeição do dia e sentou-se debaixo daquela árvore que sempre lhe fez companhia. Ela o protegia da chuva, lhe dava sombra nos dias de sol e servia de refúgio quando a solidão aparecia. Não era fácil digerir todos aqueles olhares de desprezo. Ele não queria estar ali, mas estava.

Sentado ali, em frente à padaria que costuma frequentar anos antes, mordeu sua maçã amassada, enquanto se imaginava mordendo o sanduíche que uma moça de cabelos loiros mordia. [Aquele suco de laranja também seria bem-vindo]. Chegou, por um instante, a lembrar-se do sabor, mas acordou para a realidade ao ver uma moedinha brilhando no meio da calçada.

— É minha! — gritou, agarrando-a.

Logo ele, que nunca deu valor ao dinheiro. Logo ele, que agora pagava o preço por um dia ter achado que seu dinheiro seria infinito. Logo ele, que daria tudo por um sanduíche. Pão, manteiga, queijo e presunto… E só.

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Andressa Boll
O Centro

Jornalista por formação, product manager por destinos da vida, cat lover, cevas artesanais, vinhos, viagens e sorrisos.