Pare de me dizer o que fazer
Uma das tendências que ganhou força com a popularização das redes sociais e de conteúdo (incluindo o Medium, onde muito se vê isso) é a tendência dos ditadores da inspiração. Ou, em termos mais sinceros, os cagadores de regras.
Talvez você não tenha reconhecido um desses como tal, mas tenho certeza que já passou os olhos por algum. São aqueles textos do tipo:
“Largue o Seu Trabalho e Vá Ser Feliz”
“5 Coisas que Você Deve Fazer Para Conquistar Seus Sonhos”
“10 Coisas que as Pessoas de Sucesso Fazem Todas as Manhãs”
“Como Eu Mudei Minha Rotina e Você Também Deveria”
“A Felicidade É Uma Escolha Que Você Faz Todos Os Dias!”
E aí sempre vem aquela imagem clássica da pessoa inspirada, trabalhando na praia e sorrindo, pois ela descobriu o segredo da felicidade, e a vida dela é muito melhor do que a sua, não é mesmo?
Isso me dá uma preguiça imensurável. Há quem vá ler isso e dizer que, na verdade, é pura inveja minha. Inveja de quem “chegou lá”. E talvez até seja, nos dias em que estou de saco cheio de ficar dentro do escritório e, ao sair dele, já não haver mais luz do dia.
Mas a verdade é que acho esses tipos de textos perigosos. Entendo que muitas vezes são escritos com o propósito de ajudar algumas pessoas. Porém, ao mesmo tempo, ele se torna um conteúdo nocivo, por passar uma mensagem de que trabalhar e conquistar as coisas aos poucos, é sinônimo de estar perdendo tempo de vida. De que se você passar seus “vinte-e-poucos” sem fazer um mochilão pela Tailândia, Indonésia e Filipinas, ou sem conhecer os castelos da Europa, você é um perdedor. De que a maneira como você decide guiar a sua vida ou sua carreira não é boa o suficiente: ENTÃO FAÇA MAIS.
E o que acontece, é que aquela realidade belíssima de viajar o mundo e trabalhar na praia é muito exclusiva e muito distante. Só que a internet não é. Todo mundo está vendo esse tipo de conteúdo. E aí muita gente que para trabalhar precisa pegar o ônibus às 7h (ou pagar quase R$ 4,00 no litro da gasolina), e então chegar no trabalho às 8h, ficar lá até as 18h, e depois ir para a faculdade até as 22h15, acha que sua vida é uma merda. Que está perdendo tempo. Sendo que ela tem um emprego, faz faculdade e daqui a pouco tem até um carro — coisa que no Brasil, hoje em dia, é quase privilégio.
Tudo bem: não é porque as coisas são uma merda, que nós temos que baixar a cabeça e nos contentar com elas. Esse ritmo de trabalho e de vida não é ideal e eu também não concordo com ele; muitos países já largaram de uma carga horária tão extensa para priorizar qualidade de vida. Não acho que temos que estar satisfeitos, agradecer e só seguir adiante como se tudo estivesse bem. Entretanto, é a realidade que temos no Brasil, atualmente. E precisamos viver com ela sem que textos “motivacionais”, sobre pessoas com outra realidade, nos ponham para baixo.
Eu não quero sua inspiração
A expectativa de vida no Brasil e no Mundo vem crescendo a cada ano. Porém, vendo o boom desse tipo de conteúdo “inspirador”, isso não parece ser uma grande coisa. Aproveitar a vida aos 40 já não é mais o suficiente. Usar a energia dos vinte-ou-trinta-e-poucos para ganhar experiência, dar duro, criar uma estrutura financeira e aprender sobre como é a vida real, não é mais viver de verdade. Se você não for um empreendedor, você é um fracassado.
Isso tudo é uma balela sem tamanho. Porém, somos a geração ansiosa, afinal. E é aí que mora o perigo desse tipo de texto, pois encoraja nas pessoas pensamentos do tipo “meu deus, minha vida é ridícula! Olha só aquele cara, com a minha idade ele já conhece o mundo todo e ganha em um mês o que preciso batalhar por 2 anos para ganhar!”
Eu não quero suas frases doces e floridas que servem para ganhar cliques desesperados. Eu não quero uma felicidade forçada pela comparação da minha vida com a dos outros. Eu não quero tornar as conquistas dos outros os meus objetivos. Então pare de me dizer o que fazer e deixe-me tomar porrada. Deixe-me fechar a cara e achar a minha vida uma merda quando ela estiver uma merda, e não me diga que isso é errado; que a felicidade é uma escolha que eu faço todos os dias. Eu quero é ficar puto com sinceridade, e não estampar um sorriso falso e ler um texto “inspirador” que vá oprimir o meu desgosto.
E que no fim da noite, uma simples taça de vinho e uma boa leitura sejam a minha felicidade do dia ou da semana. Que os prazeres bons e pequenos não deixem de ser combustível para enfrentar os desafios do cotidiano. Que o prazer do final de semana não se torne um “prazer de perdedor”, um “adiador da vida real”. Que eu encontre tempo de investir em meus projetos secundários sem prejudicar o meu trabalho durante o dia, pois ele é necessário para que eu toque meus projetos secundários com tranquilidade e estabilidade. E então farei ambos de bom grado, pois sei dos objetivos de cada um. E aí sim, na manhã seguinte, estarei bem e feliz, sem precisar me preocupar com não estar nadando em meio aos golfinhos em Punta Cana.
E então, quando o momento certo chegar, considerando minha realidade, minhas batalhas e minhas escolhas, vou fazer a porra do mochilão na Tailândia. E vou estar tão vivo e disposto quanto estaria agora — pois a energia e a disposição estão armazenadas no desejo e na mente. Só não me diga o que levar junto na mochila, por favor.