Fernanda Salla
O Centro
Published in
4 min readMay 17, 2017

--

Foto: Reprodução/Google

Já dizia Audre Lorde: “Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas”.

Audre Lorde foi uma importante escritora, feminista e ativista dos direitos civis do século XX. A icônica frase citada acima tem um significado muito importante ainda nos dias de hoje. Quando falamos de gênero, ou, mais especificamente, de movimentos feministas, há quem pense que a crescente dos movimentos nos dias atuais é, na verdade, o pontapé inicial. Estamos na terceira onda, ou, há quem prefira, na pós-segunda onda do Feminismo, mas muitas pessoas desconhecem esse fato.

As lutas por direitos vêm de muito tempo. Se analisarmos os Estados Unidos, país da autora da frase, por exemplo, poderemos ver a luta por melhores condições desde os tempos da escravidão. Mulheres brancas de classe média passaram a lutar pela abolição e mais tarde pelo direito ao voto, com o conhecido sufrágio. Mulheres brancas proletárias também se uniram às lutas e ainda reivindicavam melhores condições de trabalho. As interseccionalidades que remetiam diferentes lutas, seja por gênero, classe ou raça, mostravam, mesmo que com problemáticas, que mulheres queriam melhores condições de vida.

Saindo do país imperialista norte-americano e vindo para o nosso país, a realidade não foi muito diferente. No século XIX, no início da década de 90, sufragistas brasileiras já faziam movimentações em prol do voto. A conquista surgiu em 1932, com ressalvas: apenas mulheres casadas, perante autorização dos maridos, e viúvas solteiras com renda alta podiam exercer o direito. Em 1934 essas barreiras foram quebradas, mas apenas após o Golpe Militar de 1964 o voto se tornou obrigatório.

Precisamos lembrar que até o século XX o conceito de feminilidade era muito forte. Mulheres brancas eram vistas apenas como donas de casas, com trejeitos delicados, que serviam para estar à disposição dos maridos e cumprir com tarefas domésticas (dependendo da classe) e eram retratadas por meio de revistas de maneira fútil. Eram vistas como seres inferiores. Mulheres negras, mesmo após a abolição, ainda eram hipersexualizadas e precisavam trabalhar à margem da sociedade para sobreviver.

Condições que feriam gravemente os direitos humanos e que foram, aos poucos, melhorando. Mas e hoje, como é ser mulher na sociedade? De acordo com a nossa Constituição, feita em 1988, o artigo 5 diz que:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

I- homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

De acordo com a nossa já contestada Constituição, somos iguais em direitos e obrigações e temos direito à liberdade e à igualdade, por exemplo. A prática, em contrapartida, não parece tão fiel à teoria. Mulheres não têm direito a própria liberdade do corpo, mulheres recebem menos que os homens ocupando os mesmos cargos, mulheres não podem se expressar livremente em prol de seus direitos que são taxadas e rotuladas como loucas. A igualdade da Constituição não se aplica na prática. E menciono apenas gênero, se formos pensar em outros grupos oprimidos, como o de raça, classe e sexualidade, a situação se agrava.

Engatinhamos por direitos e liberdade. Há lugares com situações mais complicadas, como em países orientais, mas é preciso de muito mais bagagem de quem vos escreve para falar sobre o assunto. E é um erro pensar que, por haver lugares piores que o nosso, devemos ignorar nossos problemas.

Uma menina foi estuprada em 2016 por vários homens (estima-se 30 envolvidos, mas não se sabe quantos de fato a estupraram), havia filmagens. Encontraram, no passado da menina, motivos para tal feito. Uma mulher de um cantor famoso foi agredida por ele e denunciou. Duvidaram da mulher. Ela provou que ele fez isso. Uma figurinista de televisão denunciou assédio de um importante ator Global. Disseram que ela só queria fama mesmo o ator admitindo tal feito. A gente não possui direitos iguais. É só inverter as situações para perceber. E sem direitos, não há liberdade.

E pensando nessa liberdade, precisamos fazer algumas ressalvas. A situação no oriente, de maneira geral, é complexa. Pensar que temos problemas para resolver não exclui o fato de que há mulheres que sofrem mais que outras. No caso específico, trata-se de religião. Mas pode ser de quaisquer outras formas de oprimir. O tão evidenciado feminismo-branco-classe-média não dá voz a todas as mulheres. Fala de coisas específicas que essa parcela sofre. E aí entra um erro recorrente nos movimentos, que muitas vezes ignoram o fato de que não deveria haver liberdade para uma mulher e não para outra. Levamos como mantra: “Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas”.

Enquanto dentro dos próprios movimentos há convergências, do lado de fora há polarizações entre apoiar ou ser “anti” movimentos feministas. Talvez fosse mais fácil, para os contrariados às lutas, que admitissem logo o lugar onde querem as mulheres, que é longe da liberdade.

QUER ESCREVER PARA O CENTRO?

Se você se sentiu à vontade no Centro, gosta do Medium e, acima de tudo, ama escrever, então seria um prazer ter você aqui produzindo conosco. Escreva para bemvindoaocentro@gmail.com e nos conte sobre suas ideias.

--

--

Fernanda Salla
O Centro

escrevo sobre o que vier à cabeça | jornalista