Quanto tempo gastamos na busca da felicidade “empacotada”?

Anderson Guerreiro
O Centro
Published in
4 min readSep 25, 2017
Foto: unsplash

A busca da felicidade é o que nos move diariamente. É a energia psicológica que nos faz acordar cedo e trabalhar 44 horas na semana. Não estar fazendo algo que te possibilite ser feliz é sinal de fracasso e mau uso do tempo. A sociedade moderna não tolera uma desaceleração. Não é aceitável que, em algum momento, estejamos desalinhados à roda econômica que nos permite “sermos felizes” — ou tentarmos.

Os grandes conceitos e modelos sociais são construídos cotidianamente por acordos implícitos. Nós fazemos parte deles. Quebrar esses acordos, sob quaisquer perspectivas, implica ter de dar sistemáticas explicações a quem quer que seja. Isso vale para casamento, estudos, roupas, amigos, vícios, felicidade.

Quando o tempo para ser feliz acaba

Um dos textos mais lindos e impactantes que já li é uma reportagem da jornalista Eliane Brum publicada em 2008 na revista Época. Nela, Eliane retrata os últimos 115 dias de vida de Ailce, uma merendeira diagnosticada com câncer. “Quando tive tempo, descobri que meu tempo tinha acabado”, diz Ailce. Eu recomendo muito a leitura desta reportagem. De verdade. A narrativa toca profundamente no tempo que dedicamos a nós. Problematiza o morrer enquanto se queria viver para, então, ser feliz. Porque aquele era o tempo reservado da vida para ser feliz. Não que Ailce, ao longo da sua vida, não tivesse sido. Mas o seu tempo era aquele, que acabaria prematuramente.

Sabe-se que não há chances iguais de felicidade na sociedade porque felicidade não é conceito pronto — ou não deveria ser. Ir para a Disney, conhecer Amsterdam, jantar no Outback e ter uma SUV estão longe de serem o real significado de felicidade. Mas é isso que buscamos. A gente sabe que é. Trabalha, estuda, economiza… para ter dinheiro para comprar felicidade. Felicidade é facilmente comprável. Por quê? Porque insistimos em buscar, incessantemente, a felicidade que nos é vendida em pacotes alimentados pela nossa sociedade capitalista, com a ajuda às vezes imperceptível e inquestionável de nós mesmos.

Junto a essa busca por uma felicidade “empacotada” vem a necessidade de validação social através dos sites de redes sociais — algo contemporâneo, um subitem da felicidade. Minha felicidade não é completa se os likes não a confirmarem. O que não nos damos conta é que mesmo depois da “aceitação social”, nas redes, a felicidade não estará completa. Estaremos, todo o tempo, buscando fazer algo que transpareça um estar feliz, mesmo que digitalmente e mesmo que estejamos um tanto mortos internamente.

Quanto tempo das nossas vidas gastamos nessa busca desenfreada por uma felicidade altamente discutível? Não haverá, jamais, uma resposta pronta para isso, nem para o que é realmente ser feliz. Ao mesmo tempo em que acho importante problematizarmos o conceito de felicidade, é válido não julgarmos as maneiras através das quais as pessoas buscam a sua. Se é no modelo empacotado, com a Disney e o Outback, que assim seja. Mas precisamos parar para pensar no tempo dedicado à busca da felicidade após entendermos qual é a nossa. Também acredito que não deve nos causar uma humilhação interna se nossa felicidade estiver dentro daquela empacotada, a que me referi.

Um passo atrás

E talvez valha trabalharmos um processo de redução de expectativas, no que Clóvis de Barros Filho, na Zero Hora deste domingo, 17, chama de “uma reconciliação do nosso espírito com o mundo tal como ele” e que isso “seja um primeiro passo interessante para diminuir o sofrimento da vida”. É possível que muitos de nós estejamos projetando uma felicidade quase inalcançável e, com isso, muito tempo de nossas vidas esteja sendo dedicado a essa busca que não chegará e ainda nos priva de encontrarmos a felicidade em coisas menores.

Por exemplo, em cozinhar pela primeira vez na nova casa, mesmo que seja um kitnet apertado num prédio sem porteiro ou elevador; em tomar um chá com a vó e relembrar coisas da infância; em ler um bom livro; em rir bêbado com os amigos; em olhar para os animais de estimação e lembrar que eles estavam na rua — e que agora vêm na porta te receber; em conseguir sentar no ônibus no horário de pico; em parar para pensar e notar que tem o mínimo de senso crítico para analisar as coisas; etc. Não dá para classificar essas pequenas vivências como algo irrisório. “Ah, mas tem como ser feliz com essas pequenas coisas e, ainda assim, querer ir mais longe”. Claro.

As chances de ser feliz, nos mais diversos modelos de felicidade, são distintas e complexas. Dar um passo atrás e aceitar que a felicidade está em coisas quase imperceptíveis pode ser um bom exercício de confortamento interno. Uma vida se esvai das maneiras mais rápidas e torpes e não ter dado um real sentido a ela é um desperdício.

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