Quem é mais egoísta: o rico ou o pobre?

Uma reflexão sobre os custos da pobreza e sobre como aprendemos a julgar as pessoas

O Centro
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6 min readJun 13, 2017

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“É mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no Reino de Deus”

É isso o que diz Jesus Cristo, em Marcos 10:25, aos seus discípulos.

Se você perguntar para várias pessoas na rua “Quem é mais egoísta: um rico ou um pobre?”, é bastante provável que um grande grupo dirá que “depende a pessoa”, enquanto outro grande grupo dirá que “ora, o rico, é claro”. Admito que não fiz a experiência ainda, porém, acredito que poucas pessoas afirmariam diretamente que “o pobre é mais egoísta”.

E isso é natural. Essa parece ser já uma crença generalizada. São muitas as vezes em que ouvimos falar sobre o egoísmo dos ricos: vemos políticos, filmes, livros, personalidades, músicas falando sobre isso. Mas isso é verdade? E, se for, quais as causas disso? Quais as reais diferenças entre uma pessoa rica e uma pessoa pobre? E quanto ao seu comportamento frente à sociedade?

“Ernest Hemingway: estou começando a conhecer os ricos.

Mary Colum: a única diferença entre os ricos e as outras pessoas é que os ricos têm mais dinheiro” — Conversa reportada por A. Scott Berg

Os economistas James Andreoni, Nikos Nikiforakis e Jan Stoop decidiram realizar um experimento para tentar responder essas perguntas. Entretanto, as pessoas que participaram do estudo não faziam ideia de que o estavam fazendo — assim, evitaram que o comportamento das pessoas fosse influenciado pela noção de saberem que faziam parte de um estudo.

Como esses senhores fizeram isso?

  • Primeiro, escolheram um lugar onde realizar o experimento de campo. No caso, escolheram a Holanda, país onde o governo coleta diversos dados sobre a vida de sua população, o que facilita o estudo. Além disso, é o país onde Jan Stoop vive, o que contribuiu para a escolha.
  • Depois, encheram centenas de envelopes com dinheiro e uma carta que dizia: “Querido Joost, aqui estão €20 para você. Avô.” Havia alguns envelopes que continham notas de €20 e outros de €5, e havia também envelopes que continham uma espécie de cheque que só poderia ser descontado pelo próprio Joost. Os envelopes eram transparentes, então era possível ver o dinheiro ou o cheque dentro.
  • Então, munidos de seus dados, os pesquisadores identificaram 360 residências — 180 ricas e 180 pobres — e, durante três meses, o senhor Stoop — vestido como um funcionário dos correios da Holanda — entregou os 360 envelopes erroneamente.

O objetivo era descobrir quais famílias seriam mais altruístas e reenviariam os envelopes, ao invés de ficar com o dinheiro ou os cheques (mesmo que os cheques fossem inúteis), para o destinatário correto: Joost, que era um amigo de Stoop, o que facilitava rastrear os envelopes.

O que foi que descobriram?

  • A taxa de retorno das famílias ricas foi de 80%;
  • A taxa de retorno das famílias pobres foi de 40%;
  • Os ricos não se importavam se havia dinheiro ou os cheques, eles retornavam de qualquer forma;
  • Em torno de 25% do dinheiro vinha das famílias pobres, enquanto 75% vinha dos ricos;

Os resultados iniciais mostravam que, surpreendentemente, os ricos pareciam ser muito mais altruístas.

Entretanto, os pesquisadores notaram outra coisa: os ricos devolviam os envelopes muito mais rápido do que os pobres. Isso os levou a ver os resultados sob outra perspectiva.

Os custos da pobreza

Esse último insight dos resultados fez os três economistas lembrarem-se de uma discussão sobre os custos da pobreza, ou seja, sobre a pobreza como sendo a causa de muitas pessoas não fazerem as coisas da forma mais eficiente e/ou correta. Junto a isso, os pesquisadores começaram, também, a estudar sobre o estresse causado pela pobreza.

Usualmente, os pagamentos de salário, pensão ou previdência social na Holanda são realizados na última semana do mês. O que eles fizeram, então, foi analisar as taxas de devolução dos envelopes uma semana, duas semanas e três semanas depois desse período.

O que eles descobriram, é que:

  • Para os ricos, não havia padrão. As devoluções ocorriam nos mesmos níveis ao longo do mês. Eles não se importam com a época.
  • Para os pobres, entretanto, as taxas de devolução eram bastante altas na semana em que as famílias recebiam seus pagamentos. Então, conforme o mês avançava, a probabilidade de devolução ia diminuindo, até praticamente zero — e essa era a taxa de devoluções logo antes do pagamento.

“Essa descoberta é consistente com a ideia de que, conforme o mês vai passando — e o seu orçamento vai ficando apertado e você vai ficando mais estressado — você tem dificuldade em realizar tarefas e priorizar coisas” — James Andreoni

Esse estudo levanta um grande questionamento sobre os problemas da pobreza. Pode-se dizer que, por causa dela, diversos Joosts deixariam de receber o dinheiro de seu avô — o que seria o justo e correto. E assim, diversos Joosts estariam mais pobres.

Andreoni, um dos pesquisadores, explica que os resultados também devem fazer pensar sobre um dilema moral: se você é pobre e recebe um envelope por engano, com uma grana que faria diferença no fim do mês, essa grana é muito valiosa. Você deve se perguntar, por exemplo, “eu sou um pai responsável se eu não pegar esses 20 euros?”, diz Andreoni.

Eu acredito que a honestidade e a justiça devem ser íntegras e que a forma correta de educar uma criança é passar isso adiante custe o que custar. Entretanto, eu não tenho filhos e não faço ideia de como é ver um filho chorando de fome. O que seria mais importante para um pai, em um momento de urgência? Ensinar seu filho a ser honesto ou conseguir alimentá-lo em uma noite fria? É um dilema delicado, sem dúvidas.

Um pouquinho de matemática para responder à pergunta do título (só um pouquinho, é sério)

Certo. Entendemos como o estresse causado pela pobreza e a necessidade de dinheiro pode influenciar no comportamento das pessoas. Mas e o altruísmo e o egoísmo? Ondem entram nessa história?

O modelo formulado pelos economistas para determinar se uma família devolveria o envelope é o seguinte:

= (A)ltruísmo para com Joost - (N)ecessidade do dinheiro - (P)ressão financeira (ou estresse).

Se o resultado fosse maior que 1, quer dizer que a família devolveria a grana. E, com os dados obtidos nas pesquisas, os três colegas conseguiram estimar os valores de A, N e P.

Sem surpresa, os números mostram que N (a necessidade) e P (pressão financeira) são muito maiores para os pobres. Quando A (o altruísmo) é isolado, o que se percebe é que seu valor é geralmente o mesmo para todas as famílias. Ou seja, a tendência a fazer a coisa certa é praticamente a mesma para todas as famílias, ricas ou pobres.

“A pressão financeira pode fazer o pobre agir de forma mais egoísta do que ele agiria normalmente em circunstâncias diferentes” — Nikos Nikiforakis

Esse estudo fala muito sobre como nossos comportamentos ou necessidades podem exceder nossas melhores intenções. Vai de cada um mensurar o quanto isso justifica tomar uma atitude errada.

Serve, também, para refletirmos sobre como aprendemos, com tudo o que ouvimos ao longo da vida, a julgar as pessoas pela sua situação financeira. Há quem demonize os ricos e há quem demonize os pobres. Entretanto, o tamanho de sua fortuna não deveria importar, como já dizia Tyler Durdan no Clube da Luta.

“Você não é o seu emprego ou quanto dinheiro você tem no banco” — Tyler Durden

Uma coisa, entretanto, é certa: o custo social da pobreza vai muito além das perdas do indivíduo. As perdas de um podem impactar na vida de outros, que poderiam ter sido beneficiados com a decisão correta caso aquela pessoa estivesse em uma situação melhor.

Não acho que o resultado de qualquer estudo desse tipo seja absoluto. Analisaram 360 famílias, na pequena Holanda, e em 2014. É muito específico. Mas é algo. Nos diz algo.

Me pergunto quais seriam os resultados de uma pesquisa desse tipo caso fosse realizada aqui no país do jeitinho. Nossos ricos e nossos pobres não são os ricos e pobres da Holanda. Os nossos são bem mais espertos.

Esse texto foi inspirado pelo episódio “Are the Rich Really Less Generous Than the Poor?” do podcast Freakonomics. O estudo base, mencionado no texto, pode ser lido na íntegra aqui.

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O Centro

Fundador da adormecida publicação O Centro. Eventual escritor de contos curtos, curtos demais.