Patricia Nascimento
O Centro
Published in
5 min readMar 25, 2018

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Réalité, realtà, reality, R E A L I D A D E.

Leroy_Skalstad

A não idealizada. Não a imaginada e vendida em embalagens enfeitadas. A rústica, doida e sofrida que todos nós vivemos e muitas vezes nos sentimos na obrigação de esconder.

Aquela que é narrada em português do Brasil e não tem legenda em inglês. A que tem que passar a noite estudando e não no bar como mostra o Instagram. Aquela com a tarde chata e solitária. Com o cartão do banco recusado — mas sem aqueles memes engraçados depois, só o drama de não ter dinheiro mesmo . A família desunida, a mãe que não te entende. O pai que você não entende. Aquela dúvida: cadê a vida de F.R.I.E.N.D.S.

É bizarro pensar como a realidade pode soar irreal. A própria palavra teve seu significado distorcido pela forma acelerada, capitalista e idealizada que vivemos.

Não temos contato com ela. Tentamos nos elevar sob ela, mentindo pra nós mesmos que não vivemos em nossas vidas. Respondemos “está tudo bem” quando na verdade não está tudo bem. Ocupamos 95% do nosso tempo com seriados que mostram a vida que queríamos ter. Nos entorpecemos pra ficar longe dela. A feia (muitas vezes nem tanto), barulhenta, suada, corrida e triste realidade.

Quem nunca teve vontade de sair dançando na rua ouvindo a música do fone? Fingindo que a cidade inteira está ouvindo e de repente o seu andar se torna uma coreografia mágica e todos a sua volta virariam os pescoços pra assistir gratos pelo entretenimento gratuito.

Mas e se as pessoas não gostassem? Supondo que todo esse espetáculo fosse possível, as nuvens fossem alto falantes e os prédios os holofotes de luz solar. As lojas seriam o cenário e você estaria lá, no centro do palco urbano e ao mesmo tempo natural. Se as pessoas que passam, que se tornaram o seu público, não gostassem, você ainda teria vontade de fazer isso? Pra mim a resposta varia. As vezes sim, as vezes não. Mas vamos pensar no não. Por que não?

Essa reflexão me fez pensar que a suspensão de realidade que praticamos diariamente, pode ser consequência da necessidade de aceitação que sentimos. Quero dizer, sabe quando você chega numa escola nova, não tem nenhum amigo e começa a estudar jeitos de se enturmar? É isso. Mas não entenda errado, isso não é feio. É tão natural quanto primitivo.

Segundo a psicologia, nós só existimos a partir do olhar do outro: um experimento feito por René Spitz (psiquiatra austríaco) estudou um grupo de bebês de um orfanato sob os cuidados de pessoas para satisfazerem todas as suas necessidades básicas como se alimentar, se limpar, etc. René identificou que a causa das doenças e mortes não eram problemas de higiene como pensavam, mas sim a falta de afeto materno.

Agora, traduzindo esse experimento pra nossa perspectiva, apesar do senso comum dizer que você tem que agir por você mesmo e ignorar a opinião alheia, é praticamente impossível seguir totalmente isso. O ser humano precisa do olhar das pessoas para existir. Precisa receber afeto e atenção — agora como somos adultos, não apenas da nossa mãe — , e uma maneira de equilibrar isso, talvez seja escolher quem serão nossos espelhos.

A mãe é para o bebê como um espelho, ele precisa da resposta dela para entender sobre seu comportamento, sobre si mesmo. No decorrer da vida esse comportamento evolui para outros tipos de manifestações, o que nos faz buscar outras pessoas para serem esses espelhos.

E voltando ao nosso show na paulista no meio do domingo lotado de gente, está tudo bem se você não quiser cantar se não estiver ninguém olhando, não vai cometer nenhum crime se quiser atenção.

Mas talvez, escolher bem quem serão nossos espelhos pode ajudar a trazer a nossa percepção de realidade para a realidade. Dar importância apenas para as opniões de quem nós queremos bem de alguma forma e valorizar a sua opinião mesmo que ainda em formação.

Porque, pensa só, a partir do momento que nos aproximamos de pessoas como nós, a nossa percepção ao redor do certo e errado, bonito e feio, vai mudar. Concorda que existe um abismo de diferença entre um tênis de $600 e um de $100? Sem parâmetro, a comparação entre os dois não é justa. Afinal, o mais caro pôde ter materiais mais elaborados que o mais barato. Mas não quer dizer que seja mais bonito, só teve acesso a melhores recursos (dá pra aplicar essa metáfora pra um monte de coisas nessa vida, neh!? rs).

Então imagina, a partir do momento que as pessoas tomam consciência de que o contexto importa, os valores mudam.

Acredito que os conteúdos do que vemos e ouvimos por aí pode mudar e nos mudar. Mais seriados que coloquem nossos pés no chão pra vida real aqui no Brasil de terceiro mundo. Esse Brasil com golpe de Estado a la cavalo de Tróia e Marielle assassinada pelo exército(?) por fazer parte da oposição. A Síria com um 11 de setembro por mês e um novo holocausto instalado em pleno século 21. EUA com um presidente terrorista que se vende com o slogan de combate ao terrorismo.

Handmaid's Tale (2017)

Mas só pra deixar claro, não que eu veja problema em F.R.I.E.N.D.S., eu adoro! Só acho que precisamos de cada vez mais de séries como Seven Seconds, Breaking Bad, House of Cards & Handmaid’s Tale. O entretenimento e a mídia tem muito poder sobre como enxergamos o mundo, e quanto mais próximo do real o vemos, melhor poderemos entendê-lo para fazê-lo melhor :)

Concorda? Discorda? Deixa seu comentário pra fazermos um debate legal! :)

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